As declarações de Blairo Maggi da Agricultura à ONU

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Em meio à Conferência do Clima da ONU, o representante do Brasil, ministro de Michel Temer, Blairo Maggi, afirmou que a Agricultura não vai cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, só se alguém pagar por isso.
 
Outra polêmica do ministro foi afirmar que as mortes de ativistas no campo, na luta por terras, são “poblema de relacionamento”. Essas e outras afirmações fizeram com que a ONG Engaja Mundo desse de presente ao representante um colar de “pérolas mággicas”, em referência às falas de Maggi.
 
“Blairo revelou despreparo em estar em um encontro de cúpula com 190 países”, analisou a jornalista Daniela Chiaretti, completando que “a lógica desconexa contamina boa parte do setor por capilaridade”. Para ela, as pérolas não são patéticas, são “trágicas”.
 
 
Por Daniela Chiaretti
 
Do Valor Econômico
 
As declarações do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, na conferência do clima das Nações Unidas em Marrakesh, em novembro, não foram apenas constrangedoras. Ao menosprezar as mortes por conflitos de terra no país e vincular o compromisso brasileiro de reduzir emissões a recursos financeiros do exterior, Blairo revelou despreparo em estar em um encontro de cúpula com 190 países e deixou claro que a importância da proteção socioambiental ainda não foi compreendida por uma importante liderança da agricultura brasileira. A lógica desconexa contamina boa parte do setor por capilaridade. Isso não é patético, é trágico.
 
O ministro chegou a Marrakesh dizendo que a “agricultura brasileira é a mais sustentável que existe”. Não deu tempo de contestação: suas falas, na sequência, derrubaram a megalomania. Foram divulgadas pela imprensa nacional e – por sorte -, solenemente ignoradas pela mídia internacional, preocupada com um falastrão maior e mais poderoso, Donald Trump. Ao dizer que “o Brasil é líder mundial no recolhimento de embalagens de agrotóxicos”, Blairo carimbou o que todos sabem: que o Brasil é líder inconteste no uso de venenos lançados sobre o campo, colheitas, trabalhadores, índios, donos de terras, animais, solo, água, produtos agrícolas e consumidores.
 
Não há nada de sustentável nisso a não ser o melancólico ponto de o setor reciclar as embalagens. Um estadista teria confrontado os europeus, que vendem produtos banidos de suas prateleiras há mais de 20 anos a quem os aceite, e negociado tecnologias mais modernas a bom preço. Depois, voltaria para casa e pressionaria para atualizar a regulação doméstica. Barbara Hendricks, ministra alemã do Meio Ambiente, estava em Marrakesh, assim como todas as ONGs que poderiam ajudar o Brasil a virar o jogo e deixar a agricultura brasileira menos tóxica.
 
O agronegócio responde por 25% do PIB brasileiro. É uma grande força. O desafio é colocá-lo na fronteira da sustentabilidade ou enfrentará riscos econômicos e ecológicos em 10-20 anos, dizem pesquisadores. Não acontecerá com palavras ocas. A intensificação da pecuária é a grande batalha adiante. A média brasileira é triste – 0,7 cabeça de gado por hectare. Análises da Embrapa indicam que quatro cabeças por hectare fariam com que a pecuária brasileira fosse produtiva e zero carbono em termos líquidos – zerando a emissão de metano do gado com o sequestro de carbono pelo pasto. “A agricultura brasileira tem bons avanços, mas precisa continuar. Considerando o tamanho do setor caminhamos a ‘nano passos'”, diz Annelise Vendramini, coordenadora do Programa de Finanças Sustentáveis do GVCes, da Fundação Getulio Vargas.
 
A moratória da soja foi celebrada em Marrakesh e o Brasil, parabenizado. Mas a realidade brasileira é que o desmatamento está em tendência de alta e há problemas no Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga. “O Brasil foi citado inúmeras vezes como o único que conseguiu controlar suas emissões em escala global. Tem que dizer ‘muito obrigado’ e, na sequência, ‘vocês têm que fazer mais'”, diz Paulo Adario, estrategista sênior de florestas do Greenpeace Internacional. “Não aprendemos que somos grandes. Um país que assume que é uma potência se comporta como tal.”
 
O Plano Agricultura de Baixo Carbono, conhecido como ABC, é vedete internacional. Política pública inovadora, com tecnologias de recuperação de pastagens e intensificação lavoura-pecuária-floresta, prepara a agricultura brasileira para a nova fronteira da competitividade, o baixo carbono. O ministro vangloriou-se do ABC, só não abriu os números. Se em 2016 o crédito agrícola bateu em R$ 185 bilhões, o destinado ao ABC é cerca de R$ 3 bilhões.
 
Ao vincular os compromissos de reduzir emissões assumidos pelo Brasil a recursos financeiros internacionais Blairo errou. Nas dez páginas da meta brasileira, lê-se que, diferente das de Burundi e Bangladesh, a nossa “não é condicionada a apoio internacional”. O ministro chegou a Marrakesh brandindo um número mágico: o custo dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris (que trata como “intenções”) estaria em US$ 40 bilhões. A estimativa é de um estudo que o Banco Interamericano de Desenvolvimento está preparando a pedido do Ministério do Meio Ambiente, que busca colocar de pé o que está previsto na meta brasileira.
 
“Aos produtores rurais cabe a tarefa de reflorestar 12 milhões de hectares e recuperar 15 milhões de pastagens degradadas”, disse Blairo à revista “Globo Rural”. “Quem vai pagar esta conta?”, emendou. O passivo ambiental dos produtores rurais no Código Florestal está entre 10 milhões e 20 milhões de hectares – então 12 milhões parece adequado. Ou quem desmatou o que não devia só cumpre o que diz a lei brasileira se tiver dinheiro de fora? “Foi como dizer, a gente pode fazer, mas paguem. Como se o assunto se resumisse a um favor para outros países e não se tratasse de uma tragédia que nos assola e para a qual nós também contribuímos”, diz Marcio Santilli, sócio fundador do ISA (Instituto Socioambiental), ONG reconhecida pelo trabalho com povos indígenas e unidades de conservação. “Outra coisa teria sido se sofisticassem o argumento: o Brasil até pode fazer um esforço adicional para reduzir o desmatamento. Mas isso tem custo e se poderia negociar”, sugere.
 
Leia mais na coluna do Valor.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Ele foi pragmático e disse

    Ele foi pragmático e disse algumas verdades sobre como o poder público age em matéria ambiental, aqui mesmo no espaço tem vários defensores das hidrelétricas de reservatórios e não fio d´água, se fosse adotado algumas condicionantes dadas pelo acordo, o Brasil já teria mais dificuldades de construir novas hidrélicas na Amâzonia de grandes reservatórios então…

    Sobre o reflorestamento, vc sabe melhor que ninguém que existem posições bem razoáveis já que em alguns casos houve emissões de licenças ambientais pela antiga regulação, como a pessoa pode tomar uma multa agora?

    Eu não li o acordo todo, mas pelo que se discutiu em foruns estrangeiros no caso de Mariana me parece que até a empresa provar que fez a recuperação da área pelo menos parcial, não poderia recomeçar a trabalhar, isso interessa o governo de Minas Gerais?

    Belo Monte teria licença se cumprissemos a risca a legislação nova? 

     

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