Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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As eleições e a trágica normalidade, por Aldo Fornazieri

As eleições e a trágica normalidade

por Aldo Fornazieri

O Brasil é um país inabilitado à grandeza e os seus líderes, com raríssimas exceções, são inabilitados à conquista da glória – aquela condição de uma fervorosa admiração pelas gerações do presente e do futuro. Como regra geral, os nossos líderes querem apenas viver a fama nas benesses do presente, e não pensam em alcançar a glória imorredoura dos tempos vindouros. Em sendo assim, o Brasil vai se configurando cada vez mais como um país com uma história irrelevante para os destinos do mundo e da humanidade e sem um futuro promissor, por não ser capaz de se dar um destino brotado da ação interna e vulcânica de seu próprio povo.

O conceito de tragédia tem vários sentidos, mas os dois que se colocam em posições polares são aqueles definidos por Hegel – sentido positivo, superador – e aquele conferido por Shopenhauer – com sentido negativo, que aprisiona numa condição inescapável e terrível. A tragédia brasileira é do tipo shopenaureano: vivemos uma vida com aspectos terrificantes, o povo está mergulhado na aflição e na dor inominável, ao cabo de todos os processos termina triunfando sempre a perfídia, há um “escarnecedor domínio do acaso” e da Fortuna e a “fatal ruína dos justos e dos inocentes”.

Faça-se o que se fizer no Brasil, conceda-se migalhas aqui, algumas políticas sociais ali, um avanço acolá, a história sempre retorna ao círculo completo e fechado, uma espécie de eterno retorno às condições da vida cruel do povo, sem direitos, sem saúde e com a vida embrutecida e sem esperanças. Afinal de contas, a nossa tragédia, não pode deixar de ter um quê hegeliano: o manto oficial e legal que recobre as agruras do povo traz as cores de uma comédia substancial. A alegria das nossas canções escondem uma melancólica infelicidade das nossas almas.

O Brasil da superfície, o Brasil oficial, o Brasil institucional é pura comédia e escárnio. Tem-se os três poderes arruinados, mas seus representantes se  apresentam com a empáfia arrogante de cortes principescas falidas e de cortesãos degenerados. Tem-se um presidente que ninguém sustenta, mas que não cai e ninguém quer tirá-lo do poder, nem mesmo os opositores que ele vitimou com um golpe. Temer é um cadáver político, um cancro morto que continua a arruinar os vivos, o povo e o  Brasil. Durante a greve dos caminhoneiros, que mergulhou o país no caos, com uma ou outra exceção, ninguém exigiu a renúncia de Temer e sua quadrilha. Boa parte da esquerda ficou oscilando entre o medo do golpe militar e o oportunismo eleitoral. Nos seus cálculos, não importaram nem o sofrimento do povo e nem o desmanche do Brasil. E como Temer não tem nenhuma honradez, não renunciou.

Enquanto o Brasil, o Brasil do povo pobre, se afunda na desesperança e no sofrimento, o Brasil oficial corre todo para as eleições. Eleições que não empolgam e nem empolgarão, seja porque o líder das pesquisas está encarcerado injustamente ou seja porque o povo se sente acorrentado na sua trágica fatalidade de uma vida que não muda e que não tem futuro. Com uma grande ausência, a do único líder autenticamente popular – Lula – e sem outros líderes que empolguem, as eleições vão se arrastando a para o seu fatídico dia, provocando em milhões de eleitores o fastio pela obrigação de votar.

E convenhamos, o PT, que é um partido amado por muitos, que é odiado por outros, que tem uma bela história, que fez muito no governo, dadas as circunstâncias históricas do país, mesmo que esse muito seja pouco para as vicissitudes seculares do povo, o PT, repita-se, tem uma direção estranha. Quer que Lula participe legalmente das eleições e é correto e legítimo que o queira. Mas a direção não convoca nenhuma mobilização nacional para tentar garantir legalmente a candidatura de Lula e para tirá-lo da cadeia. É como se acreditasse que as peregrinações lacrimosas ao Campo dos Santos de Curitiba e as proclamações grandiloquentes dos dirigentes fossem suficientes para garantir a candidatura de líder e para libertá-lo. Convenhamos, é uma tática muito estranha. Ou haverá algum mistério, insondável aos mortais, guardado nos bastidores do grande teatro dos senhores da história?

Já, as carpideiras do mercado, desmoralizadas em suas previsões, angustiadas com a queda na Bolsa, trêmulas com a alta do dólar, desalentadas com o murchamento do PIB, vivem dias de tormento pela estagnação de Alckmin e pela dispersão da centro-direita. Aparentemente, o seus desespero é prematuro, pois as eleições sequer estão postas no horizonte da maioria esmagadora dos brasileiros.

O candidato do mercado é Alckmin e não Dória, pois o mercado considera Dória um aventureiro. Mas, como o mercado vive da excitação egoísta do momento, oscila  entre o desespero e uma opção por Bolsonaro. Não há que se ter dúvidas quanto a isto: entre Bolsonaro e um candidato de centro-esquerda ou de esquerda, qualquer que seja, o mercado, os juízes, os procuradores, os policiais federais e as cúpulas policiais de outras polícias preferem Bolsonaro. Bolsonaro é a margem direita do golpe e, caso se inviabilize alguém do centro do golpe, os votos se deslocarão para o seu extremo. O rancor que esses setores nutrem contra o povo e contra as esquerdas é imenso. Para os golpistas, para os paneleiros, para os verde-amarelos, seria a vergonha das vergonhas se um candidato de esquerda vencesse as eleições.

As eleições tendem a se deslocar passiva, morna e pacificamente para seu desfecho. Como no Brasil não há almas vulcânicas, não serão vistos rios de fogo e lava na campanha eleitoral. Não se viram esses rios nem durante o caos da greve dos caminhoneiros. A chance de vê-los durante um processo eleitoral que gera fastio é infinitamente menor. No Brasil se aceita tudo: golpes, violência, pobreza, desigualdade, desemprego, falta de direitos…

A trágica normalidade, a tragédia naturalizada, o aprisionamento do povo brasileiro no seu destino imutável, são os ingredientes que conduzirão as eleições ao seu leito ordinário. Aconteça o que acontecer, tudo será normal. Com um esparadrapo aqui, outro ali, o governo tentará reduzir a sangria da economia. Temer será mantido pela insustentável leveza da sua insignificância e pela inapetência virtuosa das oposições. O novo presidente assumirá normalmente e o Brasil continuará na sua dolorosa e medíocre caminhada, com crises intermitentes, com injustiça entranhada no seu modo de ser e com seu destino maléfico.

A pulverização de candidatos na centro-direita, no fundamental, continuará. O seu polo atrativo e centrípeto, o PSDB, perdeu força e brilho, revelou-se um moralista sem moral e seus ilustrados intelectuais perderam a empáfia ao falar em democracia e seus manifestos não atraem a atenção de ninguém. Mas, como na política brasileira os mortos ressuscitam, sempre é conveniente estar atentos, pois Alckmin não está morto e a fumaça do desespero vem mais dos desconsolados do mercado.

Na centro-esquerda, desde 1989, o polo aglutinador sempre foi Lula. Exilado nos calabouços de Curitiba, suscita dúvidas, apreensões e esperanças. A dispersão nasce dessas duvidas, que precisam ser respeitadas. É certo que o que dizem as pesquisas hoje não necessariamente o dirão amanhã. Eleições são movimento e essas eleições são marcadas pela estranheza: o povo quer mudança, mas identifica a mudança na restauração do passado do governo Lula. Duas coisas aqui: a força mítica e simbólica de Lula e o desastre do golpe que nasceu com semente da morte, pois não tem conteúdo moral e seu principal objetivo foi salvar políticos da forca e continuar assaltando o botim público.

Como todo mundo sabe, neste momento, prognósticos eleitorais são imprevisíveis até porque o quadro das candidaturas não está fechado. Para vencer eleições é preciso possuir uma astúcia afortunada. Se Lula puder concorrer, ela brilhará à luz do sol. Se não puder, o processo eleitoral terá que fazê-la desenvolver-se no campo da centro-esquerda. Caso contrário, o orvalho que molhará as flores no dia seguinte às eleições terá um gosto ácido e uma tonalidade cinza.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP). 

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

7 Comentários

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  1. “se LULA puder concorrer” 

    “se LULA puder concorrer”   ..você ta suplicando ? Mas tem que exigir isso, é um direito, È LEI !!!!

    ..que desânimo cumpadi  ..arreia as calças duma vez e entrega “pra deus” o precioso

    ELEIÇÔES SEM LULA È FRAUDE  ..é isso que você deve dizer e REPETIR em todo artigo que escrever  ..de preferência aos gritos, INDIGNADO

    ELEIÇÔES como estão o CACETE (menos pro CIro e pro PHA)  ..é GOLPE SIM  ..temos o maior dos líderes preso num processo IMUNDO, cheio de violência e arbítrio  ..escreve isso aí também pro mundo todo ler até entender.

    em tempo:

    https://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/357965/TRF-4-que-teve-tanta-pressa-para-condenar-posterga-recurso-de-Lula.htm

    Até isso LULA nos deu, olhos pra VER ..Esta provado hoje que temos uma JUSTIÇA INJUSTA, de merda ..uma Justiça esperta ..comandada por MALANDROS concursados, qdo não, por BANDIDOS togados que não olham pras leis nem pra Constituição do BRASIL.

    Quem precisou dela já sabe, PELA FALTA DE controle, excesso de poder, sem auditoria nem método ou transparência, ela NUNCA anda pra quem precisa, já pra quem domina ?! ave maria

    LULA foi julgado e condenado sem provas, NO VÍCIO, a toque de caixa, e agora seus recursos ficam dormindo, e enquanto esperam sem prazo definido, não há possibilidade de outras instancias analisarem seu caso. Mas só pra ele, já que pra muitos poderosos o próprio STF abriu exceções por mais de uma vez.

    DIGO e repito SEM medo de errar, muitos juízes (inclusive no STF) precisam ser afastados e apenados a bem da democracia e da cidadania

    O PODER JUDICIÁRIO, assimétrico em relação aos demais, precisa ter mandato e METAS, precisa ser fiscalizado externamente e esvaziado no Poder, precisa se SUBMETER a sociedade brasileira a quem deve servir e obedecer.

    veja também um exemplo a ser seguido quando possível, o do FABIO :

    https://jornalggn.com.br/bl

     

     

     

     

     

  2. “Bolsonaro é a margem direita

    “Bolsonaro é a margem direita do golpe e, caso se inviabilize alguém do centro do golpe, os votos se deslocarão para o seu extremo. O rancor que esses setores nutrem contra o povo e contra as esquerdas é imenso. Para os golpistas, para os paneleiros, para os verde-amarelos, seria a vergonha das vergonhas se um candidato de esquerda vencesse as eleições.”

    “Bolsonaro” tem um problema: ele pensa engrandecer-se através de criticar os outros, sabe aquele sujeito que pensa senão estabelecer liderança pelo menos obter algum destaque, imagina arregimentar algum seguidor-admirador mas sempre e só através do terror, de espalhar maldade? “Bolsonaro” não tem amor no coração. Mas também não tem ódio. O que “Bolsonaro” tem é medo de não ser considerado tão sabido assim, de não ser, enfim, amado ou respeitado. Ele fantasia que só pode ser amado se for crítico prá lá de contundente, não enxerga que quando a crítica é contundente em demasia ela mais contunde do que propõe questões, que desperta curiosidades e consciências. Fica mais a contundência mesmo do que a crítica propriamente dita. Talvez “Bolsonaro” tenha lido Maquiavel demais e acredite piamente que é somente através do temor que angariaria algum respeito pelo que professa.

    Ah, se “Bolsonaro” soubesse o tanto que a moçada tá calejada nesse negócio de ter que respeitar quem se impõe de forma contundente que chega a parecer agressivo e hostil… O pessoal tem preferido, na minha desimportante opinião, respeitar quem não se impõe na tentativa de se fazer respeitar, tem achado mais legal, quando é o caso, respeitar o argumento não a agressividade, acho. Mas acho que mesmo se vir razão nisso aí, “Bolsonaro” não saberia fazer de outro jeito. Pobre “Bolsonaro”, muito rancor, muito medo… né?

    1. já ganhou

      Bolsonaro esta feliz da vida porque ganhando ou perdendo a eleição, ele já embolsou as contribuiçoes de campanha vulgo caixa 2

  3. aldo, o eremildo.

    aldo fornazieri, infelizmente, caiu em uma categoria de “analistas” com os quais não podemos sequer ler para discordar.

    Basta uma linhas, uns parágrafos, e está lá, todo o resto vai para o ralo junto.

    E não se trata de defender essa ou aquele candidatura, de escorraçar o PT, esporte preferido dele, que agora suavizou o tom por um mal disfarçado desejo pragmático de que o PT caminhe na direção proposta por ele.

    Ou de fazer como Luis Nassif, que tenta esconder sua posição pró-ciro atrás de sua biografia de jornalista respeitado.

    Nada disso.

    Cada um tem o direito de falar o que quiser, entenda-se.

    O problema é querer dar diploma de idiota nos outros, ou pior, adotar um tom messiânico, e depois quando denunciado por essa manobra, reivindicar ciência aos seus alfarrábios.

    Olhem essa introdução:

    “(…)O Brasil é um país inabilitado à grandeza e os seus líderes, com raríssimas exceções, são inabilitados à conquista da glória – aquela condição de uma fervorosa admiração pelas gerações do presente e do futuro.(…)”

    Eu nunca imaginei, com toda sinceridade e pureza d’alma, que fosse estar vivo para ler um alegado sociólogo, medalhão que assina com “professor”, reproduzir uma asneira de tal monta.

    O grau de desconhecimento dos processos históricos e de religiosidade irrefletida e irracional contidos nesse trecho é um recorde mundial!

    Síndrome de vira-latas, nua e crua.

    Melhor que essa só a “proposta” dele de ayres britto presidente indireto!

    Quem leva um cara desses a sério?

    Sinceramente, não sei. 

    E vos digo: se é professor, pobres alunos, pobres alunos!

    Por aqui eu paro, porque não discuto religião com quem acha que está fazendo ciência.

  4. NA eleição, acho que todas as

    NA eleição, acho que todas as peças já estão no tabuleiro, com exceção de uma e não menos importante = o candidato do PT. Essa escolha será de Lula e será feita aos 48 do segundo tempo, assim que sair o último recurso negando que Lula participe da eleição. E aí se verá o quanto de votos que vão pra Lula se transferem para esse candidato. Se já começar num patamar de 2 dígitos, há chance grande do PT estar no segundo turno – o que já seria uma derrota imensa pros golpistas, já que duvido que com Alkimin os tucanos vão pro segundo turno. Creio que a única coisa que se pode dizer é que Hadad e Wagner são os que poderão sair candidatos do PT. 

  5. Lula e o PT e Oscar Vilhena e Joaquim Falcão

    Disse André Singer, Diálogos,semana retrasada,q foi proposital o PT não ter feito divulgação massiva dos benefícios ao povo q mais precisa,e não mobilizá-lo, não politizá-lo, justamente o PT decidiu por isso(André é do PT,seu maior intelectual)pra não acirrar os conflitos.Dilma sofreu brecha pra impeachment pq tentou mexer com a burguesia financeira(sem alarde,seguindo a estratégia).Vilhena disse a Roberto D’Avila q a Constituição foi muito mal feita,tapou brechas pra evitaar arbítrios autoritários,mas abriu outras,artigos nebulosos q se prestam a todo o tipo de aproveitamento e interpretação.Deixando o STF como Poder Moderador,não por usurpar os demais poderes,mas pela paralisia dos demais poderes.Então,lei não é lei.Artigo e cláusula devem ser vistos no conjunto,e não isoladamente.Joaquim Falcão é outro jurista que tem livro específico sobre o STF.O padrão internacional é a 2ª Instância.”Preso não significa Culpado”(O. Vilhena).Ambas as posições são honestas,2ª ou 3ª instância. E emotivas.

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