As esquerdas precisam influir na construção da agenda pública
por Roberto Bitencourt da Silva
Foram amplamente disseminadas as críticas à convocação feita pelo presidente Jair Bolsonaro, aos seus aderentes e apoiadores, em que demostrava – como lhe é usual – franco desapego a princípios liberais e constitucionais elementares, como o respeito à separação dos poderes do Estado. Oportunamente repercutida a denúncia de crime de responsabilidade, eventual e legalmente sua convocação em meio digital propiciou base jurídica para um pedido de impeachment.
A Globo puxou a orelha do presidente, na edição do seu Jornal Nacional, em 26 de fevereiro. Uma senhora elegante e vestida de porta-voz dos bancos, do capital estrangeiro e de demais especuladores, disse que o “mercado não reage bem aos ruídos promovidos pelo presidente”; FHC mostrou-se preocupado; o presidente da OAB interpelou pela democracia e o vice-presidente Mourão assegurou que “as instituições estão funcionando”.
Assim, não vai ter golpe no golpe. Não por enquanto. O jogo está sendo definitivamente jogado e decidido por cima, entre as camadas altas e poderosas da sociedade brasileira. O grande capital nacional e internacional. A este, no momento, não interessa uma drástica ruptura com aspectos formais que legitimam uma pretensa ordem democrática, como bem salientou em artigo Aldo Fornazieri (1). O professor Fornazieri, no aludido artigo, pôs em relevo, en passant e com bom senso de pertinência, uma questão que importa destacar: a enorme atenção dedicada pelas esquerdas à agenda e aos atos de Bolsonaro.
O exercício da função fiscalizadora, naturalmente, faz parte das atribuições dos representantes da oposição parlamentar. Acompanhar os passos, as ações e as omissões do governante de turno é papel que peculiariza o mandato oposicionista. Contudo, as esquerdas institucionais e parlamentares brasileiras, basicamente, restringem suas atuações a essa condição vigilante. Agir na esteira da agenda e do comportamento do governo é o que mais tem caracterizado os nossos representantes oposicionistas de esquerda. Comentaristas dos atos dos agentes do poder.
Fiscalizar, supervisionar, não está errado. É importante, necessário. Mas, longe de ser suficiente. Importa também exercitar a função propositiva, que indique caminhos construtivos, viabilize a irradiação de esperanças. Uma esquerda que não somente canalize ou incite descontentamentos. A mudança social, política e econômica, demanda a oferta de alternativa e proposição.
Para isso são necessárias iniciativas que revelem razoável autonomia em face das ações e pautas de governo. Fundamentalmente: participar da construção da agenda pública e da formação da opinião política. A força da grana, dos veículos oligopolizados de comunicação, do poder governamental de modelar a agenda e de captar os refletores da sociedade, são indiscutíveis. Podem muito. Mas, não podem tudo.
Em trabalho historiográfico que produzi há poucos anos, em torno do pensamento econômico e da trajetória política de um importante líder das esquerdas pré-1964, o nacionalista e trabalhista Sergio Magalhães, foi bastante perceptível na pesquisa a força de incidência das esquerdas dos anos 1950 e 1960 na construção da agenda pública.
Longe de se orientar somente pelas ações de governo, movimentos sindicais, populares, estudantis, frações nacionalistas militares, partidos e lideranças, representantes de esquerda, desfraldavam suas ideias e propostas nas ruas, nos sindicatos, nas praças, nas universidades, nos campos, nos parlamentos etc. Atos públicos não somente voltados à realização de protestos, como também destinados à propagação de ideias e ao esclarecimento dos grandes problemas nacionais, bem como de propostas construtivas e alternativas oferecidas.
Temas como o controle do capital estrangeiro, a reforma agrária e a política externa independente, tão importantes nos primeiros anos da década de 1960, só alcançaram força de interpelação e sensibilizaram amplas faixas da população em virtude desse trabalho pedagógico e construtivo feito pelas esquerdas de então: nacionalista, trabalhista, comunista, socialista, católica.
Outros exemplos, em outras épocas, poderiam facilmente ser explorados. O que interessa é que a opinião pública precisa ser nutrida com avaliações, perspectivas e propostas próprias das esquerdas, reverberadas em diferentes espaços e meios de expressão. Não se pode admitir que fiquemos, única e exclusivamente, miseravelmente, a reboque dos ruídos constantes criados por Bolsonaro e de seus nefastos agentes de governo. Não agir apenas na esteira da pauta prestigiada pelos oligopólios de comunicação
Depois do fracasso retumbante da tática de defesa da Constituição e do mandato legítimo da presidente Dilma Rousseff, em que se apostou fundamentalmente em apelos anódinos por uma democracia descarnada e incompreensível para amplas faixas das camadas populares e trabalhadoras – entregues a um mundo cão, desapossadas de direitos humanos básicos nas metrópoles e mergulhadas no subemprego crônico– voltamos, ou melhor, estagnamos no mesmo perfil de preocupação das esquerdas: a defesa da democracia em abstrato.
Criar uma agenda é de suma relevância! E precisa guardar relação com problemas que mobilizem o grosso do Povo Brasileiro. Problemas reais e do cotidiano não faltam. Por que não se toca na questão tão necessária da redução da jornada de trabalho? Com tanta gente desempregada e mergulhada no subemprego! Com tanta carestia, miséria, pobreza, injustiça social e espoliação!
Não é demais lembrar: em 1942, num Brasil ainda rural, com a maioria vivendo no campo, a CLT estabelecia o limite de 48 horas semanais de jornada. Em 1988, na carta constitucional, mais de 40 anos depois, aquela foi reduzida somente para 44 h. Nos últimos anos têm sido destruídos os direitos trabalhistas. Todavia, o incremento tecnológico desde os anos 1940 é imensurável. A produtividade largamente dilatada. Onde restaram os ganhos a que merecem os trabalhadores do Brasil?!
Toda uma cadeia de equivalências – ao modo da formulação teórica do cientista político Ernesto Laclau – poderia ser explorada e articulada: redução da jornada/geração de emprego/dignidade humana/ consumo popular/combate à dependência tecnológica/incentivo à educação/bem-estar social e qualidade de vida…
Uma questão social com clara repercussão e relevância nacional, em que a sorte do Povo Trabalhador seria combinada com a sorte dos destinos do País. Como a superexploração do trabalho é o pérfido regime imposto para satisfazer aos gananciosos interesses das burguesias locais e estrangeiras, é a marca do nosso subdesenvolvimento, ensinava há muito Ruy Mauro Marini, reduzir a jornada é atacar graves mazelas sociais, assim como a subserviência brasileira aos ditames do imperialismo e do capital internacional.
Outros temas poderiam e deveriam ser submetidos a um processo criativo e construtivo de formação da opinião pública. Urge gestar uma agenda e um terreno político próprio, dotado de identidade política singular, norteada por uma visão de mundo solidária e socialista, atenta às vicissitudes da maioria, com viés antissistêmico e menos sujeito à prática do bom mocismo inócuo da defesa de uma ordem econômica, social e política, em franca erosão.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
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Já tenho me definido como um simples cidadão, perante a excelência que representa um cientista político no que tange ao conhecimento de doutrinas políticas.
Mas, me pergunto que é ser esquerda no Brasil? aparentemente e simplificando,não ser de direita.
Qual a analogía que os partidos como o Pt,Psol,Rede,Ciro/PDT tem com a doutrina da esquerda???
Existe uma trampa criada pela direita para enganar as massas ,avessas por saturação mediática ao comunismo ,deslocarse propositalmente ( na propaganda) em direção ao centro político.Assim partidos de extrema direita como é o caso dos tucanos,viram centro !!!Obviamente á maioría já distorcida por décadas de propaganda não estará de acordo e dirão “extrema direita é bolsonaro”ERRADO.Bolsonaro não é política ,a política comprende certas regras e códigos que os que não os praticam ,não podem ser considerados políticos,são ditadores,e ditadura não é política é a ausência dela.
Os mal chamados esquerdistas ( centristas por doutrinas e práticas) são delocados pela propaganda à esquerda!!!e todo o mundo engole.
“quero que os empresários ganhem muito dinheiro ,assim haverá emprego e os salários melhorarão”palavras de Lula,o “esquerdista” da propaganda manipuladora.