As instituições seguem funcionando?, por Rodrigo Medeiros

Desde a promulgação da Constituição Cidadã (1988) é possível dizer que o Brasil evoluiu em muitos aspectos institucionais. No entanto, muitos passivos sociais não foram efetivamente resolvidos.

As instituições seguem funcionando?, por Rodrigo Medeiros

Tendo em vista o grande fiasco da recuperação econômica brasileira, talvez seja essa a hora de refletir sobre os grandes impasses nacionais. Com uma elevada informalidade no mercado laboral, da ordem de 41%, segundo o IBGE, o receituário neoliberal vigente já deveria estar em xeque entre nós. Recentes números divulgados pelo IBGE, na Síntese de Indicadores Sociais, revelam que a desigualdade social cresceu desde 2015 no Brasil, assim como o desemprego entre os jovens. Em síntese, é possível dizer que o mercado de trabalho brasileiro vem se consolidando como um grande moinho de moer gente.


De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), publicada em outubro, a metade do Brasil vive com 413 reais ao mês. A ocupação laboral precária vem crescendo desde 2015. A renda domiciliar per capita dos 5% mais pobres caiu 3,8% entre 2017 e 2018, enquanto a renda da fatia do 1% mais rico da população cresceu 8,2%.

Em seu livro “A la sombra de las dictaduras”, editado pelo Fundo de Cultura Econômica, em 2011, o cientista político francês Alain Rouquié resume os grandes dramas da América Latina. Ele afirma que a república prevaleceu sobre a democracia entre nós desde o século XIX. A pesada herança colonial de exploração, de hierarquia e de segregação étnica não se dissipou em contato com os valores liberais. Um liberalismo de viés spenceriano, por sua vez, já se mostrou aliado circunstancial do autoritarismo na região. Nesse sentido, não convém deixar de fora como os grandes interesses econômicos adotam o discurso liberal. Em um livro instigante sobre o imaginário republicano brasileiro, “A formação das almas” (1990), editado pela Companhia das Letras, o historiador José Murilo de Carvalho afirmou que no Brasil “o liberalismo adquiria um caráter de consagração da desigualdade, de sanção da lei do mais forte”. O darwinismo republicano brasileiro adotava instrumentos ideológicos e políticos capazes de estruturar um regime autoritário. Como símbolo do papel do povo no regime republicano brasileiro, o historiador ironiza, “aquele que paga a conta”.
Apesar de sua colonização portuguesa, o Brasil se assemelha, com algum retardo temporal, à evolução republicana da América Latina. De acordo com Rouquié, “em um Estado onde a escravidão não foi abolida até 1888, o negro está na base da escala social”, já que “a ideologia oficial da democracia racial camuflou por muito tempo um racismo”. Em sua primeira experiência republicana (1889-1930), o coronel, o chefe político local, privatizou o poder público na ordem oligárquica marcada pela violência contra as minorias e a fraude eleitoral.

O coronelismo político foi modernizado e urbanizado em meados do século XX. Até hoje se escuta que a justiça é para os amigos, mas a lei é para os inimigos. O Brasil foi um caso de democracia oligárquica, com recaídas a ciclos autoritários ao longo do século XX. Segundo Rouquié, as redemocratizações na América Latina são sempre herdeiras de regimes anteriores, “às vezes suas prisioneiras”. A revolta social recente no Chile, um país de desigualdade social extrema, se enquadra nesse contexto. Há ainda quem desconfie de que a democracia brasileira esteja sendo tutelada, algo que coincidiria com a deterioração das condições gerais de vida da população partir de 2015.

Desde a promulgação da Constituição Cidadã (1988) é possível dizer que o Brasil evoluiu em muitos aspectos institucionais. No entanto, muitos passivos sociais não foram efetivamente resolvidos. Em um momento histórico no qual alguns poucos acreditam que devem jogar a criança fora junto com a água suja do banho, cabe uma criteriosa reflexão sobre as consequências de uma aposta tão arriscada e irresponsável. Afinal, as instituições estão funcionando em favor de qual trajetória?

 

Rodrigo Medeiros

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