As medidas de Temer que ampliarão as desigualdades no Brasil

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Se a dívida pública é, por um lado, a principal preocupação que motivou a PEC 55, do Teto dos Gastos Públicos, por outro, é ela que manteve comprometido 27,8% do orçamento federal de 2015, alimentando os bolsos de donos de títulos, bancários e o sistema financeiro. 
 
Nesse contexto, o Estado de Proteção Social (Welfare State) tornou-se um Estado Endividado que “dia após dia, tem cortado direito social e garantias fundamentais ao redor do mundo para garantir a rentabilidade das Altas Finanças especulativas”, analisaram os pesquisadores Juliano Giassi Goularti e Grazielle David.
 
Entretanto, ao invés de o governo atuar para reduzir essa dependência do Orçamento atrelado a benefícios de poucos, Temer oferece opções mais ainda restritivas de direitos: a PEC 55 e a Reforma da Previdência, concluíram.
 
Da Plataforma Político Social
 
 
Por Juliano Giassi Goularti* e Grazielle David*
 

No Brasil, o comprometimento do orçamento da União para o pagamento de despesas financeiras, cujos estoques estão em poder de donos de títulos da dívida pública, pessoa físicas ou jurídicas, e principalmente nas mãos do sistema financeiro, dos bancos, alcançou a marca de 27,8%[1] do orçamento federal em 2015. Esse cenário torna a dívida pública um dos principais instrumentos de dominação da sociedade brasileira por parte dos grandes rentistas, proprietários de grande parte dos títulos da dívida. O processo de gerenciamento da dívida pública, que carrega uma elevada taxa de juros e a lógica de curto prazo no pagamento das obrigações financeiras, tem sido o principal condicionante da política econômica nas últimas duas décadas, o que torna o capital portador de juros um sócio privilegiado do orçamento público.

Há anos o capitalismo das sociedades democráticas de economias centrais encontra-se em crise tríplice:[2] bancária, das finanças públicas e da economia real. As sociedades de economias periféricas de democracia relativa que passaram por golpes militares não estão imunes a essa crise tripla. O capitalismo das últimas quatro décadas sob a dominância financeira dos bancos e das grandes corporações veio acompanhado da “crise orçamental”, resultando em uma transformação do Welfare State de proteção social em “Estado endividado” que, dia após dia, tem cortado direito social e garantias fundamentais ao redor do mundo para garantir a rentabilidade das Altas Finanças especulativas. É nesse cenário que o Governo Temer traz duas mudanças constitucionais, extremamente restritivas de direitos, e ampliadoras da transferência de recursos dos trabalhadores para o sistema financeiro: a PEC n°. 55 (antiga 241)/2016 do “teto dos gastos públicos”, e mais recente, a PEC n°. 287/2016 da “Contra-Reforma da Previdência”.

Em tempos de ajuste fiscal para “equilibrar” as contas públicas, impressiona a ineficácia do governo em arrecadar suas ‘receitas em potencial’, que trariam uma resposta mais efetiva e justa ao cenário de crise econômica nacional. Isto é, de forma bastante contraditória a gestão por um lado tenciona o orçamento com cortes de despesas primárias, e por outro, flexibiliza a arrecadação potencial. Neste sentido, a história econômica de nosso país oferece exemplos notáveis (1) da passividade na cobrança da Dívida Ativa da União, cujo montante, em 2015, superou a arrecadação, isto é, enquanto a arrecadação federal foi de R$ 1,2 trilhões, a dívida ativa chegou a R$ 1,5 trilhões, (2) da negligência com a sonegação fiscal,[3] que em 2014 chegou a R$ 500 bilhões, (3) da cordialidade com o elevado dispêndio financeiro com juros que atingiram, nos últimos 12 meses, R$ 406,8 bilhões (6,61% do PIB), e (4) da generosidade das desonerações tributárias, também conhecidas como “Bolsa Empresário”, que alcançou R$ 260 bilhões em 2014.[4]

Originando a injustiça econômica e social e reforçando os caprichos do 1% mais rico, temos ainda um sistema tributário regressivo que tem sido um instrumento a favor da concentração de renda, agravando o ônus fiscal dos mais pobres e da classe média trabalhadora e aliviando o das classes mais ricas.[5] Soma-se ainda a elevadíssima concentração de terra, com mais da metade de todo o território rural concentrado em menos de 1% do total das propriedades existentes, com expansão do latifúndio e encurralamento das pequenas propriedades rurais.[6] Apesar disso, essas grandes propriedades contribuem com apenas 0,04% da arrecadação federal por meio do Imposto sobre Território Rural (ITR). Em perspectiva histórica, há uma continuidade da estabilidade dessa conjunção de fatores nominados na sua temporalidade, sem uma ausência de mudança destrutiva, tal como o desenho de uma linha em sua integra sem que o lápis se levante do papel.

Existe uma ausência de compreensão adequada desses problemas decorrentes das disparidades econômicas, sociais e regionais no Brasil. Logo, essa não consciência, distorcida pela grande mídia, tem contribuído para que a própria política de desenvolvimento aprofunde essas desigualdades. Em particular, a forma como tem sido conduzida a política nacional nos últimos meses tem sido prejudicial ao país à medida que cria condições mais favoráveis para uma calamidade social nos próximos anos. Não podemos ter dúvida de que a proposta de política econômica em curso via PEC n° 55 do teto dos gastos e PEC n° 287 da Contra-Reforma da Previdência, atua, automaticamente, como mecanismo que irá tencionar num ritmo muito acelerado as imensas disparidades já existentes.

O ponto nevrálgico é que as PEC do fim do mundo não lidam com os quatro pontos levantados no terceiro parágrafo – dívida ativa, sonegação fiscal, juros da dívida e desoneração tributária – importantes elementos da atual crise econômica. Em seu conjunto, temos uma evasão de receita que tem prejudicado o andamento da política pública e refletido na “crise orçamental”. Enfim, ao tratar especificamente da limitação da despesa primária (saúde, educação, assistência, seguridade social, entre outras), a PEC n°. 55 não reorganiza a receita da União de forma a potencializar a arrecadação tributária.

A propósito, não precisamos de longas explicações para afirmar que se por um lado as PEC penalizam a política de desenvolvimento do país, retiram direitos sociais, privam a população das garantias fundamentais e tendem a agravar a crise econômica; por outro, alimentam a ciranda financeira como panaceia para “estabilizar uma economia instável” diria Hyman Minsky.[7] Dito com mais simplicidade, a função da PEC n°. 55 do teto dos gastos e agora também da PEC n°. 287 da Contra-Reforma da Previdência é falaciosa na estabilização de nossa economia e verídica na punição aos mais vulneráveis, sendo estes os maiores responsáveis pelo financiamento do Estado brasileiro arcando com mais de 2/3 das receitas[8] arrecadadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

REFERÊNCIAS:

[1]Fonte: Siga Brasil, despesa autorizada e com filtro retirando o valor de refinanciamento da dívida. Sem o filtro de refinanciamento, o comprometimento do orçamento federal com despesas financeiras chega a 45%.

[2] Livro “Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático” de Wolfgang Streeck (2013).

[3] Considerando apenas a sonegação de contribuições ao INSS, nos últimos 12 anos a mesma triplicou, passando de R$ 101 bilhões, em 2003, para R$ 305,6 bilhões, em outubro de 2014.

[4]Fonte: Demonstrativa de Gastos Tributários da Receita Federal do Brasil.Na particularidade do valor desonerado com Seguridade Social, em 2015 chegou à cifra dos R$ 169 bilhões, representam uma forte investida contra os direitos conquistados historicamente pelos trabalhadores (PLDO, 2015).

[5]INESC. As implicações do sistema tributário brasileiro nas desigualdades de renda. Disponível em: http://www.inesc.org.br/noticias/biblioteca/textos/as-implicacoes-do-sistema-tributario-nas-desigualdades-de-renda/publicacao/

[6] OXFAM BRASIL. Relatório sobre a concentração de terra na América Latina. Disponível em: http://www.oxfam.org.br/wp-content/uploads/arquivos/terra_desigualdade-resumo_executivo-pt.pdf

[7] Stabilizing na unstable economy (2008).

[8] Evilasio Salvador (2012): Fundo Público e o financiamento das Políticas Sociais no Brasil.

* Doutorando pelo IE-UNICAMP

**Assessora política do INESC

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. O próximo “paper” do mesmo grupo parece ainda mais interessante.

    Logo após este trabalho surge imediatamente outro denominado “A PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA SOB OS IMPACTOS DA FINANCEIRIZAÇÃO E DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA” de Miguel Bruno.

    Há como todo o bom trabalho técnico uma série de bases numéricas de fácil compreensão que desmistificam por completo ao fim do trabalho concluem que ao contrário de uma visão malthusianista, se a financeirização da economia for estancada com a própria necessidade de investimentos na saúde e cuidado da população idosa cria-se uma forte demanda neste setor e há uma indução ao crescimento por uma política anti-cíclica de gastos sociais.

    Vou colocar aqui a conclusão, mas aconselho que tem um conhecimento médio de matemática e de economia que leiam o texto com cuidado, pois o cenário para esta construção passa por reversão das concepções neo-liberais e mudança da visão do idoso não mais como um custo social, mas um fator de crescimento.

    “5. CONCLUSÃO

    Os sistemas de seguridade social devem ser analisados como parte integrante da estrutura institucional que define os regimes de demanda. Os benefícios previdenciários, assim como os gastos em saúde e de assistência social são os principais determinantes do salário indireto e contribuem para estabilizar a dinâmica macroeconômica, na medida em que exercem efeitos distributivos significativos e contracíclicos na economia.

    As reformas da previdência devem considerar não apenas as supostas restrições de financiamento desencadeadas pelo envelhecimento da população brasileira. A financeirização da economia impõe restrições severas às finanças públicas e, portanto, respondem pelos limites estruturais ao desenvolvimento econômico sustentável. A tendência de elevação das despesas da seguridade social não é por si só um argumento para justificar reformas da previdência que se orientam pelas concepções neoliberais do Estado. Os fluxos de receitas são comprometidos seja pelas DRU, no plano das ações governamentais, seja pela natureza da financeirização pela renda de juros, que faz do endividamento público interno o principal eixo da acumulação rentista-patrimonial.

    Um novo regime de crescimento econômico de alta produtividade permitiria o financiamento do fluxo de caixa da seguridade social brasileira, sem redução ou corte de direitos. Mas, sua viabilidade estrutural exige a retomada do desenvolvimento industrial, atualmente bloqueado pelos efeitos negativos da financeirização sobre o Estado e sobre as atividades diretamente produtivas.

    A questão da previdência social deve ser analisada em um contexto macroeconômico e estrutural mais amplo, envolvendo tanto o regime de demanda quanto o regime de produtividade da economia brasileira. Ela ultrapassa os problemas que podem ser considerados ou exagerados a partir da análise dos balanços da contabilidade pública e dos prognósticos da visão neoliberal com o seu malthusianismo focado, dessa vez, na “superpopulação de idosos”.

    A ideologia da financerização representa o avanço dos interesses da alta finança sobre os serviços sociais de provimento público e oferta universal, como os da seguridade social. Os objetivos dessa ideologia, como todo pensamento focado em interesses privados e setoriais, nunca são declarados publicamente, mas podem ser inferidos dos modelos de reformas propostas que, propositadamente, voltam-se apenas para a estrutura de gastos do incompleto Estado Social brasileiro, tornando-os um “problema” e não um direito de cidadania. Atribuem as causas da “crise fiscal” e da recessão ora em curso à função social do Estado e não às características de um regime de acumulação marcado pelo baixo potencial produtivo, instabilidades estruturais recorrentes e alta aversão às alocações diretamente produtivas dos capitais.”

    Conforme pode-se ver na conclusão, baseada em premissas de comportamento da gestão pública e quebra do paradigma da financeiriração, torna sustentável de per si a previdência pelo próprio investimento necessário na manutenção do estado social

  2. QUEM É BURRO, PASTA!

    O brasileiro, acredito, aprenderá pela dor! Tivemos chance de nos destacar e, paulatinamente, ir melhorando a distribuição de renda com o aumento real do salário mínimo, bolsa família, minha casa – minha vida, prouni, etc, etc….Porém, decidimos mudar, com influência importante do PIG e da direita. Muitos dos que acreditam  que educação, distribuição de renda, direitos trabalhistas são instrumentos para distribuição da renda, foram para as ruas sob comandado do PIG e da elite conservadora reacionária! As consequências, estamos começando a senti-las! Quem não acredita por AMOR, certamente acreditará, pela DOR! Deus tenha piedade de nós! Bom dia a todos! 

  3. Essa foto foi  tirada no

    Essa foto foi  tirada no asilo ?

    Se até pouco tempo, os ministros do S T F  tinham aposentadoria compusória aos 70 anos , como pode um presidente da república exercer o cargo acima dessa idade ?

    Mesmo hoje os ministros do S T F se aposentam aos 75 anos,

      E o presidente da república , não ?

    O Brasil é bizarro .

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