As raízes do medo no cérebro conservador, por João Centurion Cabral

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Imagem Revista Planeta

As raízes do medo no cérebro conservador

por João Centurion Cabral

Vivemos um período de ascensão do conservadorismo no Brasil e no mundo.  A atual guinada conservadora tem sido atribuída às novas tecnologias e às redes sociais. O WhatsApp e o Facebook são plataformas que permitem pouco controle dos órgãos fiscalizadores, sendo “perfeitos” para a disseminação de notícias falsas. No entanto, a estratégia na qual essas tecnologias estão sendo empregadas para influenciar campanhas eleitorais é uma velha conhecida dos historiadores: o medo.

A eleição de governos conservadores e a polarização política são consequências comuns em tempos de incertezas, como guerras e crises econômicas. Na última década, após a recessão global de 2008, uma onda conservadora atingiu o continente americano. Não foi diferente na Europa, onde os efeitos dessa crise estão associados ao ressurgimento dos partidos de extrema-direita em diversos países.

Um temor generalizado pode ser maquiavelicamente implantado para justificar a concentração de poder em mãos de conservadores. De fato, no passado, líderes ultraconservadores e populistas já se valeram do medo para angariar apoio popular. A luta contra a “ameaça comunista”, por exemplo, foi repetidamente usada ao longo do século XX: no Brasil, da Ação Integralista Brasileira à Ditadura Militar de 1964; no mundo, do Pacto Anticomintern, assinado pelos países do Eixo antes da Segunda Guerra Mundial, à Operação Condor na América do Sul, durante a Guerra Fria. A escolha de um grupo para ser o “grande inimigo” – como também já foram considerados os judeus e os muçulmanos – ajuda a manter o cidadão comum em constante estado de alerta, gerando medo. O medo, por sua vez, aumenta a aversão ao risco e o conservadorismo social na população.

O medo é uma emoção determinante para a nossa sobrevivência individual e como espécie. Contudo, o que evoluiu para fazer com que evitássemos danos físicos e riscos a nossa vida também pode influenciar as nossas opiniões políticas.

Quando sentimos medo, uma pequena estrutura chamada de amígdala é ativada em cada hemisfério do nosso cérebro. As amígdalas são fundamentais para as nossas respostas ligadas à sobrevivência, incluindo a agressividade e as reações emocionais, sobretudo de medo. Ou seja, as amígdalas se tornam fortemente ativas no momento em que expressamos medo e ansiedade. Não supreendentemente, estudos recentes têm apontado que essa estrutura cerebral está associada ao nível de conservadorismo das pessoas.

Segundo o professor Ryota Kanai, do Instituto de Neurociência Cognitiva da University College London, estudantes conservadores possuem amígdalas maiores, quando comparados com progressistas. Kanai e seus colegas publicaram seus principais resultados em 2011, obtidos através de imagens por ressonância magnética: quanto mais conservadora for a pessoa, maior será a sua amígdala. Isto pode impactar diretamente a expressão do medo em conservadores, uma vez que as pessoas com amígdalas maiores tendem a ser mais sensíveis ao medo.

As evidências não são apenas neurobiológicas. Estudos experimentais também têm demostrado que o conservadorismo social é causado, em boa parte, pelo medo. Psicólogos e neurocientistas têm conseguido induzir experimentalmente, através do medo e da sensação de insegurança, opiniões mais conservadoras em pessoas declaradamente progressistas. Quando uma pessoa é levada a se sentir desprotegida ou fisicamente ameaçada, ela se torna menos propensa a apoiar causas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a imigração de refugiados.

Do mesmo modo que o medo pode fazer com que os progressistas se tornem mais conservadores, a sensação de segurança pode deixar os conservadores mais progressistas. Em um estudo multicêntrico conduzido na Universidade de Yale, John Bargh, Jaime Napier e outros pesquisadores fizeram com que conservadores se tornassem menos resistentes a mudanças sociais. No artigo publicado neste ano, na revista científica European Journal of Social Psychology, os pesquisadores relataram que quando conservadores são solicitados a relatar inicialmente o que sentiriam se fossem invulneráveis a danos físicos, as suas subsequentes respostas a questões sociais se tornam mais progressistas. Os autores concluíram que as atitudes conservadoras são, pelo menos em parte, provenientes da necessidade de segurança e de proteção.

Pesquisas anteriores já haviam encontrado que conservadores se assustam mais facilmente e são mais sensíveis a ameaças. Contudo, obviamente não nos tornamos conservadores toda vez que sentimos medo; apenas a nossa tomada de decisão tende a ficar mais conservadora quando estamos amedrontados. Deste modo, períodos de crise aumentam as chances de conservadorismo coletivo.

Não se engane, é completamente possível manipular as emoções de uma população durante um tempo suficientemente prolongado para causar impactos eleitorais. Assim como as crises, a criação de um “inimigo da nação” pode ajudar a provocar uma sensação de ameaça constante no povo. Isto gera uma escalada das reações emocionais e do medo irracional, o que deixa as pessoas inteiramente suscetíveis às notícias falsas.

Outros fatores também são cruciais para influenciar as opiniões políticas de cada um de nós, como as nossas experiências pessoais. Entretanto, em nível populacional, o medo exerce um papel determinante. O uso das emoções não é uma novidade na geopolítica mundial. Em “O Príncipe” (1532), Nicolau Maquiavel, ao aconselhar como tiranos absolutistas deveriam governar, afirmou: o amor e o medo dificilmente podem coexistir, se devemos escolher entre eles, é muito mais seguro ser temido que amado. O medo sempre foi uma estratégia de manipulação política, o WhatsApp só tornou o trabalho mais fácil.

[Mais detalhes sobre o tema: Deviante]

João Centurion Cabral – Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPGPSICO/UFRGS. Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento – LPNeC. Instituto de Psicologia – IP. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Tudo muito bonito para se

    Tudo muito bonito para se alcancar o poder.

    Agora como governar com o povo com sangue nos olhos depois de chegar ao poder? 

    Tem como botar o genio de volta pra garrafa?

  2. O conservadorismo é fruto da crise do capitalismo.

    As coisas são simples, não é necessário elaborar muito.

    O sistema de acumulação engendrado pelo neoliberalismo provoca por natureza do mesmo, cada dia mais concenttração de riqueza com aumento da disparidade econômica, não é necessário vinte anos de análise para chegar nesta conclusão, é só ler os dados macroeconômicos.

    Quanto mais concentrada a riqueza, menor é a quantidade de pessoas dispostas a defendê-la, por consequência para o grande capital é necessário novas saídas e elas são o fascismo e o conservadorismo, logo fogo na caldeira da máquina a vapor na direção destas soluções.

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