Autoritarismo e ‘crise’ política como fontes de poder dos parasitas, por Marcio Pochmann 

Ao desistir do jogo democrático e do crescimento econômico como meio de distribuição de renda, a elite econômica alimenta o desencanto e o clima de instabilidade política

da Rede Brasil Atual

Autoritarismo e ‘crise’ política como fontes de poder dos parasitas

por Marcio Pochmann 

Segundo a revista Forbes,  em 2019 o Brasil chegou a 206 bilionários, que acumulam fortuna de R$ 1,2 trilhão. Há sete anos, eram R$ 346 bilhões de 74 bilionários em 2012. Entre eles, destacam-se proprietários nas participações acionárias, fundos financeiros, holdings e bancos

Logo no início deste século, o Brasil retomou o vigor econômico com repartição menos desigual da renda, capaz de expandir o nível das atividades produtivas, generalizar empregos e elevar a qualidade de vida em geral da população, especialmente a parte mais pobre, na base da pirâmide social. De um lado, o crescimento econômico disponibilizava mais recursos arrecadados pelo Estado que retribuía, de outro, na oferta de mais infraestrutura e serviços públicos na educação, saúde, saneamento, segurança, entre outros.

Mas todo o reconhecimento internacional e, sobretudo nacional, demonstrado por sucessivas vitórias das candidaturas anti-neoliberais, não agradou parcela privilegiada e enriquecida da elite, que optou por desistir do projeto virtuoso de país em curso. Ao final de 2014, esse movimento desencadeado pela elite política e econômica rompeu com o ciclo da Nova República, que vinha desde a década de 1980, ao não aceitar o resultado eleitoral, jogando o país no abismo antidemocrático e na desorganização econômica e social.

De 2015 em diante, o nível de atividade econômica encontra-se quase 5% inferior ao ano de 2014, embora os ricos continuem a acumular mais renda, como se não houvesse crise do crescimento da produção. Para tanto, o curso da política econômica e social adotada precisou acelerar os mecanismos de enriquecimento através da apropriação da renda alheia.

Noutras palavras, ocorre a retomada do receituário neoliberal já implementado na década de 1990, com o repasse da riqueza estatal para ricos internos e externos, bem como a manutenção do sistema de tributação que privilegia fundamentalmente o andar de cima da sociedade. Desde a reforma tributária neoliberal de 1995, por exemplo, que os ricos possuem quase 80% de suas rendas isentas de taxação, cuja alíquota média não alcança de 7%, ao contrário dos 40% cobrados nos países da OCDE.

Por conta disso que o Brasil possibilita ao segmento constituído por apenas 2,1 milhões de pessoas ricas concentrarem a maior parcela de renda do mundo, cuja composição da riqueza desloca-se das atividades produtivas para a função de parasitas no país.

Segundo a revista Forbes, do conjunto da fortuna de R$ 1,2 trilhão dos 206 bilionários em 2019 (eram R$ 346 bilhões de 74 bilionários em 2012) destacam-se os proprietários nas participações acionárias, fundos financeiros, holdings e bancos, ou seja, meros administradores de rendas.

Nesse contexto, voltar a crescer a economia pode tornar-se um obstáculo aos atuais rufiões de renda. Por isso, a retórica ideológica neoliberal predominante nos últimos cinco anos de “ajustes na economia”, voltada a elevar a confiança dos ricaços, oferecendo mais facilidades para o enriquecimento, justamente os parasitas que não pagam impostos nem muito menos canalizam recursos para o investimento produtivo, salvo a especulação.

Ao contrário deles, o restante da sociedade vive com menos recursos disponíveis, incapazes de fazer rodar o conjunto da economia nacional. As empresas podem produzir com menor custo se comparado ao de 2014, porém se encontram diante de menor quantidade de consumidores com renda para adquirir a produção potencial, que ao não se realizar, termina empregando menos e mal a mão de obra existente, tampouco gerando receita adicional a ser arrecadada pelo Estado para o atendimento do conjunto de suas despesas.

A grande desistência da elite enriquecida jogou o país no circuito vicioso da economia, com regressão contínua no padrão de vida do conjunto da população. Assim, a instabilidade política – que leva as pessoas a desacreditarem cada vez nela – somente deve aumentar, sem saída à vista.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Universidade Estadual de Campinas.

Redação

2 Comentários

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  1. Essas ideias tomaram corpo quando o comunismo estava agonizando e a China se mantinha fiel aos princípios de Mao Tse Tung. Muitos ganhos foram realizados com juros e especulação cambial. O que essa política trouxe de bom para o Brasil e para a America do Sul? E o câmbio/juros? E o capitalismo de Estado? O livre mercado perdeu potência e espaço na concorrência global como aconteceu com o Brasil e outros países mal administrados, incapacitados de uma reação econômica efetiva, prematuramente caiu na desindustrialização exportando empregos. A prioridade básica para fortalecer as novas gerações e o país está no bom preparo para a vida. Uma nova ética deverá ser alcançada com o reconhecimento das responsabilidades individuais de não causar danos a outros para satisfazer a própria cobiça.

  2. Vou tentar ir por outro caminho. Na verdade, seu artigo, embora se refira ao Neoliberalismo, trata de relações econômicas que podemos caracterizar, sem dúvida, como capitalistas. No entanto, se tomamos esse caminho, penso que suas conclusões podem ganhar uma força que as constatações podem ter, mas que no referido caso, penso enfraquece sua análise.
    Gostaria de me referir a três obras que têm muito a ver com o momento que estamos vivendo. A primeira, de Seymour Melman, é de 1983, e leva um título muito sugestivo: Profits without production. A segunda, de Costas Lapavitsas, cujo título é bem semelhante ao de S. Melman, é de 1913: Profiting without Producing, How Finance Exploits us all. A terceira é do sociólogo Jean Ziegler, alto cargo na ONU, é de 1918: Le capitalisme expliqué à ma petite-fille (en espérant qu’elle en verra la fin).
    Desde pelo menos 1983, quando S. Melman publicou sua obra, o capitalismo começava a dar total razão a Marx. Diria, na visão de Marx, que ele não deu errado, muito pelo contrário: deu certíssimo, ou seja, o capital criou condições, aliás como nenhum outro modo de produção anterior, para que nascesse uma nova sociedade com um potencial científico e tecnológico nunca visto anteriormente em milênios de história da humanidade. Isto se deu em meio a convulsões as mais extremas – não preciso de lembrar aqui o fascismo e o nazismo – e num curto período.
    Segundo a análise que Marx faz no Capital e o que se lê nas obras que acabei de mencionar, e em outras muito mais, o que estamos vivendo neste momento não deveria causar surpresas, ou seja, ao capital parece não restar qualquer outra via senão o de uma exacerbação anticomunista gerada pela perspectiva real de que as soluções no marco da sociedade capitalista não são capazes senão de gerar ditaduras. O saque geral da humanidade é a única forma de se manifestar de qualquer agrupamento que queira salvar, atolado em contradições, o capitalismo de sua débâcle. O antagonismo de classe deixou de ser uma representação real da potência produtiva de que pode dispor a humanidade a partir de agora.
    Diante da destruição maciça a que o Rentismo está submetendo a riqueza social não resta senão o caminho de novas relações sociais de produção.
    A prevalecer os preconceitos contra Marx, não seria demais lembrar o que diz Arnold Toynbee, em 1884, em sua obra Industrial Revolution, sobre o que resultou da Revolução Industrial: o capitalismo e sua antítese, o socialismo.

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