Bitcoin é bolha envolta em misticismo tecnológico e terminará em desastre, por Paul Krugman

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Ilustração Reuters
 
Jornal GGN – Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008 e um dos mais renomados economistas, em artigo na Folha, trata do bitcoin. Para o economista o bitcoin é uma gigantesca bolha fadada ao desastre, mas que a aura de misticismo tecnológico faz com que demorem a perceber.
 
Segundo ele, a criptomoeda é uma ativo sem existência física que se apresenta somente como um registro digital, sem lastro e sem controle de seus especuladores. Ele não o considera como um dinheiro digital pois sua utilização é demorada, mais que um cartão ou paypall e considera interessante que mesmo uma conferência sobre bitcoin por vezes não o aceita em pagamento.

 
Krugman afirma que não existe motivo real para usar o bitcoin em transações, a não ser quem deseja que ninguém saiba o que faz, como fazem os que usam a criptomoeda para negócios que envolvam drogas, sexo e outros bens do mercado negro. Por fim, lembra que bitcoin não tem vínculo com a realidade, nem valor intrínseco, criando um ativo cujo preço é puramente especulativo, exposto a manipulações de mercado.
 
E, por fim, é claro que quem comprou mais cedo ganhou muito dinheiro, assim como o ganharam os de pirâmides, quando o lucro dos primeiros atrai mais gente até que a exaustão do esquema provoque o fim súbito. E no caso de criptomoedas, elas são uma bolha, mas se tornaram também uma espécie de culto em que seus seguidores apelam para a hostilidade com quem denuncie o risco.
 
Leia o artigo a seguir.
 
da Folha
 
Bitcoin é bolha envolta em misticismo tecnológico e terminará em desastre
 
por Paul Krugman
 
A volatilidade da moeda faz com que ela varie de preço drasticamente dentro do mesmo dia
 
Um dia desses, meu barbeiro perguntou se deveria investir todo o seu dinheiro em bitcoins. E a verdade é que, se ele tivesse comprado bitcoins, digamos, um ano atrás, estaria se sentindo muito bem agora. Por outro lado, os especuladores holandeses que adquiriram bulbos de tulipas em 1635 também se sentiram muito bem —até que os preços das tulipas despencassem, em 1637.
 
Quer dizer que o bitcoin é uma gigantesca bolha, que terminará em desastre? Sim. Mas é uma bolha envolta em misticismo tecnológico, que cresceu dentro de um casulo de ideologia libertária. E remover o invólucro desse casulo nos ensina alguma coisa sobre os tempos em que vivemos.
 
Se você por acaso mora em uma caverna e nunca ouviu falar do bitcoin, ele é o maior e mais conhecido exemplo de criptomoeda: um ativo que não tem existência física e consiste apenas de um registro digital armazenado em computadores. O que torna as criptomoedas diferentes de uma conta bancária comum, que também não passa de um registro digital, é que elas não residem nos servidores de uma dada instituição financeira. Em lugar disso, a existência dos bitcoins é registrada por meio de registros distribuídos por muitos lugares.
 
E a propriedade de bitcoins não é verificada pela comprovação (e com isso revelação) da identidade de quem os detenha. Em lugar disso, ela é verificada por uma senha secreta que —usando técnicas derivadas da criptografia, a arte de criar e resolver códigos —permite acesso à moeda virtual sem que seu detentor revele quaisquer informações que não deseje revelar.
 
É um truque bacana. Mas a que serve?
 
Em princípio, você pode usar bitcoins para realizar pagamentos eletrônicos por suas aquisições. Mas também é possível usar cartões de débito e serviços como o PayPal, Venmo e outros para o mesmo fim —e o bitcoin é um meio complicado, lento e dispendioso de pagamento, na realidade. Na prática, até mesmo conferências sobre bitcoins às vezes se recusam a aceitar pagamentos em bitcoins de seus participantes. Não existe motivo real para usar o bitcoin em transações —a não que você deseje que ninguém veja o que está comprando ou vendendo, e isso explica porque boa parte do uso prático do bitcoin envolve drogas, sexo e outros bens do mercado negro.
 
Assim, o bitcoin na verdade não deve ser visto como dinheiro digital. O que ele é, mais ou menos, é um equivalente digital de uma nota de US$ 100.
 
Como o bitcoin, notas de US$ 100 não são muito úteis para transações comuns. A maioria das lojas não as aceitam. Mas os “benjamins” são populares junto a ladrões, traficantes de drogas e sonegadores de impostos. E embora muitos de nós possamos passar anos sem ver uma cédula de US$ 100, há muitas delas em circulação – o equivalente a mais de US$ 1 trilhão, ou 78% do valor do dinheiro norte-americano que circula em espécie.
 
Quer dizer que o bitcoin deve ser visto como uma alternativa superior às notas de US$ 100, por permitir que você realize transações secretas sem ter de carregar valises repletas de dinheiro? Nem tanto, porque lhe falta um traço essencial: uma conexão com a realidade.
 
Ainda que o dólar moderno não seja lastreado por outro ativo, como o ouro, seu valor último está no fato de que o governo dos Estados Unidos o aceita, e na verdade o exige, como meio de pagamento de impostos. O poder aquisitivo do dólar também é estabilizado pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, que reduzirá o montante de dinheiro em circulação se a inflação subir demais, ou elevará sua oferta de moeda para impedir uma deflação. E uma nota de US$ 100, evidentemente, vale 100 unidades de uma moeda basicamente estável.
 
O bitcoin, em contraste, não tem valor intrínseco. Combine a isso a falta de conexão com a realidade e a extensão muito limitada na qual a criptomoeda é usada para qualquer coisa, e você terá um ativo cujo preço é quase puramente especulativo. O bitcoin perdeu quase 40% de seu valor nas últimas seis semanas; se ele fosse uma moeda de verdade, a queda equivaleria a uma taxa anual de inflação de 8.000%.
 
E a falta de vínculo entre o bitcoin e a realidade também o expõe a manipulações de mercado. Em 2013, as atividades fraudulentas de um único operador resultaram em alta de 700% no preço do bitcoin. Quem está conduzindo a alta atual? Ninguém sabe. Alguns observadores acreditam que a Coreia do Norte possa estar envolvida.
 
Mas e o fato de que as pessoas que compraram bitcoins cedo ganharam muito dinheiro? Bem, as pessoas que investiram seu capital com Bernie Madoff também ganharam muito dinheiro, ou pareciam tê-lo feito, por muito tempo.
 
Como aponta Robert Shiller, o maior especialista mundial em bolhas de mercado, as bolhas de ativos “são como esquemas de pirâmide que ocorrem naturalmente”. Os primeiros investidores em uma bolha ganham muito dinheiro porque novos investidores são atraídos ao mercado, e o lucro que os investidores iniciais realizam atrai ainda mais gente. O processo pode continuar por anos antes que algo —um teste de realidade ou a simples exaustão do pool de otários potenciais— provoque o fim súbito e doloroso da festa.
 
E quando se trata de criptomoedas, há um fator adicional. Elas são uma bolha, mas também uma espécie de culto, cujos iniciados são dados a fantasias paranoicas sobre o roubo de todo o seu dinheiro pelo governo (em oposição aos roubos reais praticados por hackers, que embolsaram proporção notavelmente alta dos bitcoins existentes). Jornalistas que escrevem ceticamente sobre o bitcoin dizem que não existe assunto que atraia tanta correspondência hostil.
 
Portanto, não, meu barbeiro não deveria comprar bitcoins. Isso vai acabar mal, e quanto mais rápido o fim vier, melhor.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI
 
Paul Krugman – Prêmio Nobel de Economia (2008), é um dos mais renomados economistas da atualidade. É autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. 
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. A quem mais servem e interessam as criptomoedas?

    Nassif, bom dia

    Assisti ontem a uma palestra online sobre os passos para se investir em criptomoedas. No momento das dúvidas, ao final, um dos assistentes perguntou sobre a finalidade dessas moedas digitais: como não servem como moeda para comprar produtos e serviços, só tem sido utilizadas para especulação, mas também, e aí o ponto interessante, para transferências internacionais de dinheiro. E como as criptomoedas não são reguladas por nennhum banco central, nem se submetem a controles estatais, essas transferências fugiriam a taxações e controles de governos. 

    Daí, pensei com meus botões,  que as moedas digitais já podem estar neste momento sendo a ferramenta usada inclusive pelo crime organizado para movimentar e lavar dinheiro. 

    1. Cada Moeda existe um

      Cada Moeda existe um Whitepaper, nele esta descrito a proposta, moeda, como funciona, porque, RoadMap(Planos Futuros), regulamentações de seu Pais base, entre diversas outras coisas.
      Um  exemplo é o XRP(Ripple), usada pelos Bancos, pois não é Mineravel, apenas comprada by Fiat, sua proposta é ter taxas menores entre os mesmos…
      Cardano(ADA) tem uma proposta, FUNFAIR tem a proposta para Cassinos etc, etc, existe para todas as coisas do mundo, até mesmo Harvard já esta usando Blockchain para validar seus Diplomas!!!

  2. Moeda é uma relação social.

    Moeda é uma relação social. Ela comunica pessoas, tempo, produção e consumo. Se nada disso está envolvido, como estabilizar minimamente as expectativas?

  3. Bitcoin é uma religião

    O Cinegnose já tratava desse tema no ano passado:

    “Criada em 2009, Bitcoin é uma moeda digital controlada por uma rede peer-to-peer sem depender de bancos centrais e com um mercado de bilhões de dólares. Bitcoin parece ser movido por um ímpeto anarquista porque seus seguidores odeiam governos e autoridades financeiras. Mas suas ações são espirituais, lembrando uma religião com um Criador, messias profetas, confirmando a tendência humana de perceber no dinheiro e valor atributos inerentemente mágicos e místicos. E como toda religião, tem a cortina que esconde o Mágico de Oz: o “fetichismo da mercadoria”, tal como diagnosticou Karl Marx no século XIX sobre o velho Capitalismo, a cortina que esconde a reprodução da desigualdade. O “Cinegnose” lista cinco evidências de que o Bitcoin é mais uma religião, porém mais “cool” do que a Teologia da Prosperidade das igrejas neopentecostais. Porque Deus desceu ao mundo não mais sob a forma de dinheiro, mas agora como Criptografia e Matemática.”

    http://cinegnose.blogspot.com.br/2017/09/cinco-evidencias-de-que-bitcoin-e-uma.html

  4. Relativamente ao barbeiro,

    se diz por aí que, quando pessoas que exercem ofícios de menor remuneração ou possuem menos capital para investir são atraídos para etes tipos de “investimentos”, está em cima da hora sair deles.

    Isto porque os “ixpertos” já perceberam que não há mais curva ascendente e por isto não terão nenhum ganho e precisam vender para gerar o lucro da especulação.

    Sempre foi assim – como exemplo eu lembro que em 1971 tivemos um tal de boom das ações nas bolsas de valores brasileiras, que no final acabou numa drástica queda, precedida, claro, de inúmeras “opiniões abalizadas” qie os preços iriam continuar subindo.

    Sei de alguns casos  naquela época de gerentes de banco propondo financiamenteo para comprar ações, e as próprias podiam servir de garantias.

     

  5. Krugman sobre a Internet

     

    O mesmo Krugman escreveu em 1998:

    “By 2005 or so, it will become clear that the Internet’s impact on the economy has been no greater than the fax machine’s.”

    “Por volta de 2005, mais ou mesno, ficará claro que o impacto da Internet na economia não será maior do que o das máquinas de xerox”

     

     

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