Boaventura Sousa Santos e a aventura digital dos banqueiros, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Sou admirador de Boaventura Sousa Santos desde o tempo em que ele começou a carreira estudando de maneira profunda os fenômenos jurídicos nas favelas brasileiras. Nos anos 1980 fui a palestras dele em São Paulo. Desde então acompanho sua respeitável carreira de intelectual.

Em texto publicado aqui mesmo no GGN o valoroso português diz o seguinte:

“É um pressuposto arriscado, pois a União Europeia pode estar a mudar no centro mais do que a periferia imagina. Sobretudo porque se trata por agora de uma mudança subterrânea que só se pode vislumbrar nos relatórios cifrados dos conselheiros de Angela Merkel. A pressão que a crise dos refugiados está a causar sobre o tecido europeu e o crescimento da extrema-direita não recomendará alguma flexibilidade que legitime o sistema europeu junto de maiorias mais amplas, como a que nas últimas eleições votou em Portugal nos partidos de esquerda?”

Não creio muito em mudanças anti-neoliberais no centro da Europa. Mas antes de fazer isto, farei alguma digressão sobre aquele continente, seus habitantes e maneira de pensar.

Os europeus têm uma tendência secular de pensar que a Europa é o centro do mundo. Não é não será. O mundo já teve outros centros e no futuro não terá nenhum. 

A China já era um imenso império consolidado quando os romanos começaram a construir o seu imperiosinho nos escombros dos impérios macedônico e persa. E mesmo quando o Império Romano atingiu o auge de seu poder e extensão territorial máxima, as províncias romanas distantes eram quase tão bárbaras quanto ás terrae incognitae além das fronteiras romanas. A Europa não afundou na barbárie quando o Império Romano finalmente caiu. De fato a Europa voltou a ser o que era: terra de ninguém habitada por tribos seminomades belicosas que guerreavam entre si.

Os portugueses narram sua epopéia marítima como algo novo. Mas de fato os fenícios já haviam circunavegado a África antes de Cristo como registrou Heródoto. Foi somente quando descobriram o Novo Mundo que os europeus colocaram a Europa no centro do mundo, Mas isto ocorreu em razão dos europeus terem tido a felicidade (apenas para eles, é claro) de ter entrado em contato com povos seminômades que usavam instrumentos de pedra polida e de madeira.

A colonização das Américas pode ser descrita como a vitória do fraco sobre o mais fraco. O tráfico de escravos foi também a vitória do fraco sobre o mais fraco. Neste caso, porém, foram os africanos do litoral, adeptos do islamismo, que caçaram os negros no interior da África. O Islã e a Cristandade andaram de mãos dadas durante o período escravocrata. Com o tempo os europeus perceberam que eram menos fracos que os donos da África e para lá se mudaram com seus exércitos coloniais. O mesmo ocorreu na Ásia quando os europeus perceberam enfim a fragilidade da China.

Na fase atual a própria China já superou sua fragilidade e se afirma como potência asiática. Sem colônias, a Europa afunda na crise financeira e volta a ser um “não centro do mundo” onde prolifera a barbárie fascista.

Tudo o que há de belo na Europa custou o sangue derramado nas colônias americanas, africanas e asiáticas. Nada a Europa pode fazer neste momento para se livrar dos vampiros que sugam o sangue dos europeus: os banqueiros. E estes, meus caros, descobriram que serão ainda mais ricos se não tiverem qualquer pátria. Eles não se importam com os europeus (sejam eles portugueses ou alemães). De fato, os banqueiros franceses, alemães, ingleses, belgas, espanhóis e portugueses são apenas banqueiros. E eles estão mais próximos dos banqueiros norte-americanos e japoneses do que dos desempregados nos seus países.

A comunicação em tempo real significou a criação de novas tribos. E no exato momento em que as nações se fragmentam em razão das tribos transnacionais frágeis que se criam e se transformam na internet, a tribo informatizada dos banqueiros se fortaleceu. O país virtual dos bancos não precisa dos outros países exceto como receptáculos dos seus computadores. Não há fronteiras entre bits que podem valer dólares de manhã, iens á tarde, euros á noite, reais de madrugada e bitcoins se necessário for.

Curiosamente, os intelectuais europeus ainda não perceberam isto. Eles continuam utilizando as nações e a UE como se fossem categorias relevantes. Não são mais, como a própria democracia deixou de ser uma categoria relevante (inclusive nos EUA e no Brasil). Na tribo dos banqueiros apenas os banqueiros são bem recebidos.

Os donos do mundo não repartirão nada enquanto eles mesmos não forem repartidos (ou seja, enquanto os bancos forem regulados de maneira rígida a voltarem a  ser fenômenos territoriais submetidos ao poder do Estado). Duvido muito que isto venha a ocorrer num futuro próximo ou distante. É por isto discordo do pensador português, que infelizmente vê a nova direita onde ela não está.

Fábio de Oliveira Ribeiro

7 Comentários

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  1. Banqueiros e outros iguais
    Eu somaria aos banqueiros os fundos investimentos, familias proprietarias de multinacionais e estados tipo arabia saudita e mais alguns rentistas de bilhoes de dollares.

    Eles são realmente os donos do mundo que ninguem duvide e com um batalhão de vassalos para fazer o trabalho sujo nos tribunais, imprensa e parlamentos.

    Com isso todo dá para entender alguns acontecimentos que ocorrem pelo mundo.

    1. Bem lembrado. Os mencionados

      Bem lembrado. Os mencionados por você também povoam o “paraíso virtual dos bancos” e alguns deles são acionistas e donos de bancos também. 

  2. Excelente. Destaco a frase

    Excelente. Destaco a frase “tudo o que há de belo na Europa custou o sangue derramado nas colônias americanas, africanas e asiáticas.” Lembro sempre isso aos deslumbrados com as “maravilhas” do “velho continente”. O padrão de vida do europeu médio quando chegaram nas américas era muitas vezes igual ou até pior do que a dos povos americanos. A diferença decisiva eram os meios de trasnporte e os meios de matar.

    Esses últimos sao constituintes do espírito paleo europeu, como lembra também Luhmann. E é por isso que a ruptura com os valores da dignidade humana sempre anunciam a sombra do retorno do fascismo.

     

    As coisas vão de mal a pior na Alemanha

     

     

    Por Flavio Aguiar, de Berlim, na

    Rede Brasil Atual:

    “A Alemanha está em um estado de emergência.” Esta é uma das frases com que a reportagem do semanário Der Spiegel International, em inglês, caracterizava a situação do país em artigo desta segunda-feria (2) – “The Lonely Chancellor: Merkel under Fire as Refugee Crisis Worsens”. Ou seja, a primeira-ministra Angela Merkelm, já isolada, fica ainda mais acuada à medida em que a crise dos refugiados se agrava.

    A coalizão que sustenta o governo passa pela pior crise desde sua constituição. Ela é um tripé de duas pernas. Explico. Uma das pernas, a minoritária, é o SPD, o Partido Social Democrata, que, de acordo com a tradição, indicou o vice-chanceler, Sigmar Gabriel. A outra tem dois pés: a CDU, sigla em alemão da União Democrata Cristã, partido da chefe de governo Merkel, e que atua em 15 das 16 províncias e cidades-estado (Berlim, Hamburgo e Bremen) do país; e a CSU, União Social Cristã, que atua na região da Baviera.

    O líder da CSU e primeiro-ministro bávaro, Horst Seehofer, é hoje o principal crítico de Merkel quanto à política para os refugiados que buscam a Europa e, em particular, a Alemanha. A Baviera recebe o maior número deles, vindos da fronteira austríaca, e Seehofer chegou ao ponto de dar ultimatos para que a chanceler fechasse a fronteira alemã. Também sugeriu que se organizassem “campos de triagem” nas fronteiras, o que foi rejeitado pelo ministro da Justiça, Heiko Maas, que é do SPD. Maas não disse o nome maldito, mas é óbvio que isso de “campos de triagem” lembra os campos de concentração do passado não tão remoto.

    A tal ponto chegou a desavença, que Sigmar Gabriel, por sua vez, deu um ultimato aos dois – Seehofer e Merkel – para que chegassem a um acordo. No domingo os três se reuniram, sem resultado. Depois de suas horas de reunião, Gabriel se retirou, e mais tarde, sem acordo, Merkel e Seehofer suspenderam o encontro, que prosseguirá na quinta-feira.

    A situação parece a de uma dupla sinuca de bico. Se Merkel recua, se desmoraliza perante a Europa e o resto do mundo; se Seehofer recua, se desmoraliza perante suas bases bávaras. Também há muita resistência dentro da própria CDU, e políticos insatisfeitos vêm dizendo que a atitude de Merkel só está favorecendo a extrema-direita, como o movimento Pegida (sigla em alemão para Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente) ou o neo-nazi NPD, ou ainda a direita com pedigree acadêmico, o recém-fundado AfD (Alternativa para a Alemanha).

    No plano europeu, Merkel enfrenta muita resistência, particularmente no antigo Leste, onde vários políticos de direita, como o estrondoso Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria, vêm se erguendo em defesa da “Europa cristã” (sic), contra a horda alienígena que a está invadindo.

    É a pior crise de identidade da União Europeia desde a sua fundação. E paradoxalmente Merkel vem dependendo da boa vontade de políticos que antes triturou, como o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras. Ou então vai depender também da boa vontade de líderes complicados, como Tayyip Erdogan, da Turquia, para conter os milhares de refugiados que ainda chegam sem parar. Também dependerá da boa vontade do social-democrata Matteo Renzi, da Itália.

    Na Alemanha, a crise política do governo é a ponta do iceberg de uma crise mas profunda, social, cultural e identitária. Vozes se erguem contra a política de Merkel, dizendo que a abertura está destruindo a “matriz genética” do povo alemão e infraestrutura social e previdenciária do país. Os argumentos são falaciosos, pois todo mundo de bom senso sabe que, em matéria de previdência, a Alemanha pode cobrir essa leva de refugiados e muito mais. E todo mundo sabe que a população alemã envelhece a olhos vistos e encolhe, precisando de mão de obra variada em todas as frentes.

    Vozes mais sensatas argumentam que em cinco anos os refugiados já terão compensado o investimento feito para recebê-los e começarão a contribuir positivamente para o equilíbrio econômico do país. Além disso, desde o fim da Segunda Guerra a Alemanha se beneficia dos fluxos migratórios contínuos, tendo à frente portugueses, depois turcos, a seguir os do antigo Leste, o que alimenta uma saudável diversidade social e cultural.

    Porém, é exatamente essa diversidade que desagrada mais veementemente os insatisfeitos e “puristas” alemães. Os movimentos e as manifestações de extrema-direita têm sido cada vez mais constantes e violentos. Todas as noites abrigos para refugiados são incendiados criminosamente, sobretudo no antigo Leste, mas também em outros recantos. Nas manifestações do grupo Pegida, forcas têm sido levantadas com dizeres indicando que se destinam a Merkel e Gabriel. Na mais recente, um dos oradores disse que o ministro Maas era “pior do que Goebbels”.

    E atos se tornam mais violentos. Em Colônia, a candidata à prefeitura Henriette Reker (eleita), foi atacada a facadas por um “desempregado”. Duas noites atrás um grupo de refugiados sírios foi emboscado à noite por um grupo neonazi armado com tacos e sarrafos. E recentemente o jornalista Helmut Schumann, do jornalTagesspiegel, que escreveu críticas ao crescimento da xenofobia na Alemanha, foi atacado numa rua de Berlim por um grupo enfurecido que o derrubou a pancadas e gritos de “porco esquerdista”.

    Vários analistas estão falando que o clima lembra perigosamente os dias da República de Weimar, que antecedeu a ascensão nazista nos anos 30.

    Para completar esse quadro complicado e algo assustador, na última manifestação do grupo Pegida, ontem em Dresden, a polícia local teve um comportamento que muitos jornalistas qualificaram de “bizarro”. Como é costume, manifestantes antipegida se reuniram em outro local. Enquanto a manifestação do Pegida não tinha acompanhamento policial, a manifestação dos contrários era vigiada por um enxame de policiais. Não se teve até agora nenhuma explicação oficial para a estranha atitude, que também lembrou, perigosamente, os dias de Weimar, em que as forças de segurança reprimiam duramente manifestações esquerdistas e não raro faziam vista grossa para as dos nazistas.

     

    1. Demorou, mas a Alemanha

      Demorou, mas a Alemanha finalmente começou a afundar no mesmo problema que afeta os outros países europeus. 

      Os banqueiros alemães também não existem mais no mundo real. Eles existem apenas na internet, onde os banqueiros criaram um “país fora de todos os países” para se relacionar e produzir dinheiro à qualquer custo (e inclusive com custos sociais terríveis para os povos condenados a existir no mundo real). Naquele mundo de bits (em que o próprio dinheiro é expresso em bits que podem ser convertidos em qualquer moeda real) não há regulamentos que possam limitar as atividades bancárias.

      A “desnacionalização dos trabalhadores”, desejada por Karl Marx, se tornou algo totalmente obsoleto pela “desmaterilização dos banqueiros”. Não foi a toa que o neoliberalismo e a internet cresceram juntos para produzir um mundo fora do mundo e que só será implodido quando o próprio mundo explodir em guerras civis ou entre aqueles que foram deixados para traz (os Estados nacionais).

       

  3. PODER

    O papo aqui ta quase mistico. 

    Os Donos do PODER evidentemente não primam por solidariedade, fraternidade ou empatia com o sofrimento da turba. No mais das vezes eles replicam os anseios da população, no proprio interesse, é claro, que sabidamente não comungam com estes sentimentos altruistas.

    Por honestidade intelectual, consideremos, qual o homem comum, retirado do meio da turba e alçado as culminancias do PODER, agiria de forma diferente?

    A acumulação da riqueza aconteceu historicamente, como consequencia de lutas, muita vez fratricida, do baixo clero da sociedade, animados exclusivamente pela ganancia.

    O imperador da Russia e toda sua familia foram trucidados na queda da monarquia com a ascensão da revolução sovietica. Assim que alçaram ao poder repetiram ou foram mais crueis, por ambição, do que a monarquia destituida.

    Aqui no Brasil na historia recente, Forças autointituladas populares resitiram a ditadura por decadas, assim que que se projetaram no poder, repetiram as mazelas deixadas pelos militares e a corrupção e a decadencia politica, administratica e social só vem aumentando.

    Afastar o os olhos da propria decadencia e apontar a decadencia do vizinho é o que se tem feito desde sempre. O ser humano é fragil, prinitivo até selvagem. O PODER estabelece e se mantem alimentado por estas caracteristicas decadentes.

    O autor do tópico, desacretida que o PODER sera algum dia anulado. É isto mesmo, enquanto se alimentar com nossas proprias deficiencias a concetração deste PODER só tende a se intensificar, cada vez mais.

    1. O poder era um fenômeno
      O poder era um fenômeno territorial e histórico. Há uma década ele se tornou virtual e passou a existir num mundo fora do mundo. Vocé obviamente não notou este detalhe. Isto explica porque você segue pensando em categorias que deixaram de existir no seu mundo (que não é o mundo dos banqueiros desmaterializados e sem pátria ).

      1. Poder Mundial

        Claro que notei, ultimamente venho colocando textos que tratam disto.

        Até lembra o filme Matrix.

        Ou muito parecido com a teoria da conspiração que teme um governo mundial forte e centralizador.

        Ja começou a acontecer isto e é inevitavel que cresça e se estabeça definitivamente. Um poder unico centralizado.

        Pra evitar isto seria necessario que o individuo se modificasse. Mas é mais facil um camelo passar pelo buraco de uma agulha…

        A ideia que venho desenvolvendo trata do exercicio do Poder. O Poder que domina o mundo e que não tem nada aver com as Nações, este Poder não tem nacionalidade, então focar insistentemente os EUA como o vilão e os que lhes resiste como mocinhos é ingenuidade,

        AS controversias politicas sobre hegemonia nacional são ilusionismo para entreter a opinião publica.

         Ao contrario de que antigamente o território que compunha as nações era necessário para a garantia de sua população, hoje é necessário para a garantia de se manter a riqueza pecuniária, que verdadeiramente sustenta o Poder. O interesse dos lideres do Poder em cada região do mundo é manter estes territórios que lhes guarde a riqueza. Portanto, não existe mais interesse de conquista simples de território, não existem mais riqueza em territórios a ser conquistados, existe interesse em manter em equilíbrio as sociedades contemporâneas que de guarida a imensa riqueza acumulada.
        É muito incomum um grande líder que faz parte deste Poder mundial confrontar outro, o equilíbrio deste Poder chegou num ápice de difícil transformação. Qdo Putim mandou pra cadeia o bilionário da área petrolífera da Russia o fez ocupando um espaço ainda vazio da transição politica por que passou a União Sovietica. É interesse daqueles que detem o Poder mundial,  uma certa hegemonia entre seus pares, por esta razão que uma nova guerra mundial é impensável e não interessa a eles mesmos.

        Os seus banqueiros se encaixam ai.

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