Bolsonarismo e Fascismo, tem parentesco?, por Andre Motta Araujo

Bolsonarismo e Fascismo, tem parentesco?

por Andre Motta Araujo

No meu artigo FASCISMO E TORCIDAS ORGANIZADAS surgiu um comentário-pergunta sobre se o bolsonarismo é um tipo de neofascismo.

O FASCISMO original, que este ano completa um século, tinha elementos históricos específicos à situação da Itália ao fim da Grande Guerra de 1914.

O fascismo nasceu como um movimento reivindicatório relativo às más condições com que a Itália saiu do grande conflito, terminado em 1918 com a Itália como parte do bloco vitorioso após ter mudado de lado e sem ter, como esperava, benefícios dessa vitória. Regiões ao norte não foram incorporadas à Itália, a criação de um novo Estado nos Balcãs, a Iugoslávia, prejudicou a Itália no seu controle do Adriático. Mas, além das questões geográficas e geopolíticas, a Itália saiu do conflito em grave crise econômica e social que os Governos democráticos não sabiam resolver, abrindo espaço para um novo projeto politico que veio de um inspirado agitador socialista, Benito Mussolini, que rapidamente derivou para a direita e criou o modus operandi de um movimento de tomada do poder sobre um Estado enfraquecido.

O Rei da Itália, Vittorio Emmanuele III, também viu vantagens em se associar a esse novo projeto político que entendia como um fortalecimento da Monarquia. O fascismo não contestava o trono e sim o governo parlamentarista frágil do pós guerra, notadamente os gabinetes de Ivanoe Bonomi e Luigi Facta, este o predecessor de Mussolini no cargo.

Uma curiosidade histórica, o socialista Bonomi voltou à política italiana em 1948 como Presidente do Senado, um renascimento extraordinário atravessando o advento, o apogeu, a queda e a morte terrível de Mussolini.

A DIFERENÇA ENTRE FASCISMO E CONSERVADORISMO

A diferença básica entre um governo conservador e um governo fascista, ambos de direita, se dá pelo antagonismo entre estabilidade e agitação permanente. O CONSERVADOR quer estabilidade para usufruir de seu domínio sobre a propriedade e para tal precisa da estabilidade das instituições.

É o governo da aristocracia, dos lordes ingleses da Era Vitoriana. A classe alta quer usufruir de sua situação privilegiada com calma e tranquilidade.

Já o FASCISTA não quer estabilidade, ele necessita de um processo permanente de agitação, confrontação, agressividade e conquista, como o ciclista que precisa pedalar sempre porque se parar o movimento ele cai. Essa necessidade vem do fato de que o FASCISTA não tem a base sólida do direito e das instituições para lhe garantir o poder, quem garante o poder é o MOVIMENTO PERMANENTE, que não pode parar.

Assim, nos fascismos originais, da Itália e da Alemanha, a necessidade de conquista e agressão é da essência dos regimes. Hitler foi de conquista em conquista até a invasão da Polônia, começando pela reocupação da Renania, depois a incorporação da Áustria, a invasão e ocupação da Tchecoslovaquia até o desencadear da Segunda Guerra. A Itália fascista precisou invadir a Abissinia em 1935, correndo altos riscos de confrontação com o Império Britânico, para manter o regime em movimento.

O BOLSONARISMO

O bolsonarismo tem essa necessidade de MOVIMENTO PERMANENTE para se manter, nesse sentido é um movimento neofascista dentro de um regime democrático assim como o fascismo italiano foi inserido na Democracia até o caso Matteotti, com um governo ainda dentro das regras institucionais, mas logo derivou para um regime autoritário quando milicianos fascistas raptaram o líder socialista Giacomo Matteotti em 1924.

Na Alemanha, Hitler assumiu DENTRO DA REGRA DEMOCRÁTICA da República de Weimar em janeiro de 1933 e rapidamente derivou para o autoritarismo, especialmente após a morte do Presidente Hindenburg. Há elementos específicos no nazismo que não havia no fascismo italiano, o maior é a agressão à cultura que ocorreu na Alemanha e não ocorreu na Itália, assim como o antissemitismo que só contaminou a Itália já depois do início da Guerra e de forma mais branda.

No caso do Bolsonarismo há esse elemento de permanente movimento, que não havia no Regime Militar de 1964, conservador de direita, mas não fascista. No Governo Militar de 64 havia interesse e empenho na educação, criou-se o MOBRAL, a democratização do ensino universitário que até então era elitizado, criou-se a EMBRAFILMES e os intelectuais de direita, de alto nível, eram prestigiados. A política externa NÃO ERA IDEOLOGIZADA, nem a aliança com os EUA era automática. O Brasil enfrentou os EUA no reconhecimento do regime comunista de Angola e no desenvolvimento do acordo nuclear com a Alemanha, que sofreu dura oposição dos EUA, portanto o regime de 1964 era apenas CONSERVADOR e voluntariamente se extinguiu.

Já o Bolsonarismo tem elementos muito específicos, alguns próximos do fascismo, mas outros não. A anti-cultura é algo tão primitivo que nem se aproxima do nazismo, este era contra certo tipo de cultura, a “arte degenerada” mas era entusiasta da arte antiga, da música clássica, já o fascismo italiano era orgulhoso dos tesouros artísticos da Itália, que foram recuperados e protegidos pelo regime, era a favor da boa educação de qualidade, algo que o bolsonarismo não dá importância. Há um elemento de primitivismo terceiro-mundista no bolsonarismo que não vem do fascismo aculturado e nem do nazismo alemão.

MAS a maior diferença entre o Fascismo e o Bolsonarismo se dá na Economia. O Estado Fascista via a economia como parte integral do Estado, nada de economia de mercado, toda a atividade econômica era regulada e incentivada pelo Estado, na Alemanha nazista mais ainda, o Estado comandava a economia, esta se encaixava no Plano Quadrienal e o Ministro do Plano era o Marechal Goering, tudo era organizado pelo Estado e para o Estado.

Um regime neofascista dando ao MERCADO liberdade absoluta de ação é uma novidade que distingue o Bolsonarismo de qualquer regime fascista.

Essa LIBERDADE PARA O MERCADO não existiu no Fascismo italiano, no nazismo, no franquismo, no salazarismo, no Estado novo de Vargas, no peronismo que era na origem considerado um regime fascista, é uma novidade que significa coisa ainda pior que o fascismo, pois esse tinha como meta conseguir maior proteção social para os mais pobres e em grande parte conseguiu, enquanto no caso do Bolsonarismo os pobres não estão na equação.

AMA

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

View Comments

  • Fascismo é ultra-nacionalismo, inclusive na economia, e o Estado no centro da vida social, tudo passa pelo Estado.
    Só por isso já se vê que bolsonarismo está muito longe do fascismo. Nem conservador ele pode ser chamado. Está mais para um misturado de preconceitos e ignorância sem nenhum senso de unidade racional. O fascismo sempre remetia a um passado glorioso do povo e da nação, fosse real ou fictício, que nos não temos.

    • Voce tem razão, falta ao bolsonarismo a elaboração ideologica, que é comum a todos
      os tipos de fascismo, uma "declaração de principios" clara mesmo que os objetivos sejam torpes.
      Falta o "pensador" ideologo como havia no Fascismo italiano, como Giovanni Gentile , no nazismo, com Alfred Rosenberg, no franquismo como Serrano Suñer, o fascismo é um corpor de ideias.

  • Prezado André

    Há um livro (Os Carrascos Voluntários de Hitler, de Daniel Goldhagen) onde ele faz uma série de análises sobre as perseguições aos judeus na Alemanha Nazista e na Europa ocupada. E realmente, na Itália as perseguições começaram com a rendição em 1943 e a ocupação nazista. Minha família é de Trieste e minha avó contava que alguns tios e primos foram mortos pelos nazistas por darem abrigo a vizinhos e amigos judeus

  • O zéruela que se diz presidente é apenas isso....um zéruela histriônico....
    É testa de ferro dos abutres do rentismo, dos empresários canalhas.......dos pilantras que se dizem liberais mas querem o estado só para si........
    Trágico não é virem com essa conversa mole, ou a mídia corrupta-quadrilheira- assassina ser cúmplice, sempre o foram, mas as vítimas dessa vara, formada pelos espertalhões, acreditarem em suas mentiras......
    É, não tenho mais paciência, desculpem....
    .ouvir gente que deveria defender, pedir para acabar com os direitos trabalhistas, outro se proclamando liberal, mas comprando camarão graúdo, lagosta gigante e vinho premiado com dinheiro público, é de perder a fé nesse país....

  • A caracteristica mais essencial do fascismo é uso ostensivo da força, para adquirir e exercer o poder e/ou contra grupos adversarios específicos. Certo nacionalismo econômico e o papel maior ou menor do Estado na economia são características de conjuntura, que, de fato, integraram os regimes nazifascistas da Europa do período entre guerras (porem, não só eles).

    O uso da força era fundamentado na irracionalidade do mito. Isso não pode ser esquecido. O regime do Mussolini visava restaurar a "a gloria do Imperio romano", enquanto Hitler via a pureza racial e o anticomunismo como elementos para restaurar a dignidade alemã.

    Os boçalnaros, conforme foi lembrado, na ignorancia orgulhosa deles, têm nas ideologias antissociais sua única "razão" de ser, além, claro, da pulsão para o uso da força desmedida. Tufo e qualquer coisa que se mexa, e pareça "de esquerda", precisa ser atacado. Isso é uma maneira de reduzir a complexidade do mundo. O sujeito não precisa ter noção alguma de coisa alguma, se "a esquerda" é a favor, ele é contra; se "a esquerda" é contra, ele é a favor. Poucos se dao conta de como isso é importante para essas criaturas diante da complexidade do mundo...

    Assim como demoraram a entender a importancia do boçalnaro assumir o discurso neoliberal para a economia. Não precisa ter menor noção de nada, mas, "é o que tem" contra "a esquerda"...

    Não é diferente dos neoliberais. Durante toda a nova republica votaram junto com a extrema direita em Collor, FH, Serra, Alckmin e Aécio. Enquanto a extrema direita achava que "é o que tem" contra o PT, PT, PT, em 2018 foi a direita que viu no boçalnaro o "é o que tem" contra o Partido dos Trabalhadores.

    É bom lembrar, Mises apoiou entusiasticamente o Adolphus na Áustria.

  • Um apontamento importante feito pelo André: Mussolini e Hitler assumiram cargos políticos dentro de regras democráticas. Quando acumularam poder suficiente, instalaram suas tiranias. Penso q é exatamente o q Bolsonaro faz e por isso é necessária uma Frente Democrática pra contê-lo. Mas os líderes parecem mais interessados no fortalecimento de seus partidos.

  • A cada dia que passa eu me convenço mais e mais de que a palavra certa para definir esse goveno e seu líder deve ser escolhida entre estas: Vagabundo, Escroto, Picaretas.

    Não há nada de ideológico nesse governo, o que há e muito é anti ideologia, mas sem trocar por nada porque nada possuem para por no lugar.

    Durante esse 12 meses muito se especulou sobre a politica real por trás de um governo desses, deixando estudiosos espantados, por não saberem como definir, achando muitos que se tratava de mais um lance genial dos Bolsolavos e cia, em dissimular suas reais intenções políticas.

    A resposta é absolutamente simples, pois não há absolutamente estratégia nenhuma. É somente um governo de vagabundos querendo se dar bem, ganhar o seu dindin, não importa a que preço.

    Continue se enganando quem quiser. Como dizia Trotsky: "É preciso dar nome as coisa e chamar as coisas pelo seu nome"

    Um presidente vagabundo, um governos de vagabundos.

  • Há controvésias. Liberalismo e fascismo não são necessariamente antagonicos.
    Francesco Ercole escreveu em 1924: "O fascismo não é necessariamente anti-liberal, pois o liberalismo, como tal, não tem motivos para ser necessariamente antifascista. Existem muitos pontos de contato entre as duas tendências teóricas e práticas ”. Algo parecido escreveu Carlo Curcio em " L'esperienza liberale del fascismo', em 1924. Idem, Gentile. Esses textos podem ser encontrados em "Autobiografia del fascismo
    Antologia di testi fascisti 1919-1945".

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