Bolsonaro e a responsabilidade nos crimes de guerra contra o coronavírus, por Carol Proner

No Brasil das mentes planas, o governo e também a mídia classista, devidamente higienizada com álcool gel, ignoram a escala discriminatória dos efeitos desta guerra.

Bolsonaro e a responsabilidade nos crimes de guerra contra o coronavírus

por Carol Proner

O coronavírus já inspira a liturgia da guerra em vários países. Macron foi enfático quanto ao inimigo invisível. Trump invocou ato de produção de defesa civil para garantir álcool gel e máscaras em escala militar. Merkel qualifica o vírus como o maior desafio da Alemanha desde a 2ª Guerra Mundial. Mas por aqui, na terra dos governantes de mente plana, a guerra é contra a ciência e as evidências exponencialmente confirmatórias. Os profissionais de saúde alertam que dados estão sendo falseados ou encobertos e que é iminente a catástrofe que devastará a vida de milhares de pessoas, em especial dos mais frágeis e dos socialmente mais vulneráveis.

É claro que o vírus acéfalo, que veio de avião e frequentou as colunas sociais nas festas e casamentos de famosos, já se espalhou nas comunidades carentes. E não foi por acaso que uma das primeiras mortes tenha sido a da empregada de 63 anos que cuidava dos patrões em quarentena na zona sul do Rio de Janeiro, um casal recém chegado da Itália e que passa bem.

Zizek, um dos primeiros intelectuais a opinar em meio à crise, tem insistido no argumento de que “estamos todos no mesmo barco”, de que saídas individuais não resolverão e que estamos diante da oportunidade de um “novo comum”, uma mudança ética que possa resgatar a racionalidade humana para salvar vidas. Mas talvez o filósofo esloveno, comovido pela solidariedade de outros países à Itália, mude de ideia ao conhecer a evolução do coronavírus no Brasil, onde a concentração de renda e de privilégios é extrema e que, por força dos golpes e das guerras híbridas, vem sendo governado por um bando de loucos violentos.

No Brasil das mentes planas, o governo e também a mídia classista, devidamente higienizada com álcool gel, ignoram a escala discriminatória dos efeitos desta guerra. Talvez achem que a circulação no barco de que fala Zizek possa ser feita com as pulseiras fosforescentes de acesso privilegiado, como estas que são usadas nos cruzeiros de luxo e festas de bacanas, evitando a entrada do vírus nos andares superiores. Nos porões do Brasil, mesmo com um programa de assistência única de saúde que pode ser considerado um exemplo para o mundo, estarão as vítimas mais numerosas, como já previnem os especialistas. No porão também está a multidão prisional, que já é grandemente formada por mortos-vivos, mas isso também faz parte da guerra.

Se é guerra, identifiquemos o inimigo e suas armas. E evoquemos a legislação com a mesma licença analógica dos dirigentes europeus, adaptando os tipos de crime às condutas a partir dos efeitos mórbidos. Se álcool gel é arma contra o vírus das multidões, qual será a arma contra um governo terraplanista que nega a gravidade da doença? Negar, sonegar, deixar de prover recursos para a saúde, não informar, desinformar, mentir e aplicar a perversidade das fake news contra as vidas humanas. Que tipo de novo crime é esse? Como qualificar os agravantes místicos das teorias conspiratórias e a responsabilidade de religiosos oportunistas no descarrilar da pandemia no Brasil?

O que Bolsonaro faz é lesa humanidade ou é diretamente genocídio? Sim, porque a única dúvida seria a de como enquadrar “tecnicamente” a atitude do capitão aos marcos do direito internacional, um exercício teórico relativamente inútil, já que os mortos, em proporção bélica, logo estarão na superfície.

Talvez Olavo de Carvalho, após estimular as multidões a comparecerem às ruas no dia 15 de março, tenha gostado de pensar, sugerindo ser coisa de Bill Gates, que o coronavírus foi criado para reduzir a população. Eis algo que pode inspirar os sonhos distópicos dessa gente: inocular no coronavírus a aporofobia que contamina as relações sociais no Brasil e no mundo, pulseirar o vírus com o ódio aos indigentes e restringi-lo aos porões de parasitas, em especial os pobres idosos, numa versão brasileira do filme de Bong Joon Ho.

Neste mesmo bairro da zona sul onde trabalhava a cuidadora do casal em quarentena, as panelas bateram com força nessa quarta-feira, acompanhadas de gritos de “louco”, “miliciano” e “assassino”. Já é um começo, mas o tom deverá subir quando ficar evidente que Presidente da República é um aliado do coronavírus e que o comportamento governamental é criminoso diante de um novo tipo de guerra internacionalmente considerada.

Carol Proner – Doutora em Direito Internacional, membro-fundadora da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia).

Redação

1 Comentário

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  1. Se há uma hora para os que desejam praticar compaixão com Bolsonaro, Trump, Johson e outros lideres (falo do humano e não do político) de governos desta geração do desumanismo em alta, chegou o tempo. Poucos imaginavam ser atualmente a pior hora para ter o peso insuportável de uma simples bic azul. No rescaldo desta epidemia, uma pequena pá plástica, destas chinesas mesmo de 1,99, será suficiente para juntar as cinzas que restarão de reputações, carreiras e vida futuras de alguns destes “líderes”.
    Que tenhamos misericórdia, pois eles já tinham nos dado variadas provas ao vivo e instantâneas, de que não sabem o que fazem, para onde seguir e o que recomendar nestes tempos críticos, complexos e imprevisíveis. Nem em pesadelos suporiam ter de passar por isto. São crias de um mundo e modos que não vão mais caber no pós-coronavírus. Vão ter de tomar medidas contrárias às suas crenças e ideologias. Para os que gostam e respeitam dos feitos e da pessoa do ex-presidente Lula, percebamos como uma proteção do grande drama da vida humana, que ele foi “liberado” de ter de passar, ainda num país tão dividido, desequilibrado e amortecido pela cultura do ódio, por este tempo fora de papeis de tomadas de decisões que “manchariam” sua reputação, pois mesmo com um governante mais comprometido com os mais necessitados, creio que muitos brasileiros ainda entrarão em óbito e a conta é inevitável que sobre em partes a quem está nas vitrines e telas. Vejam só a ironia atual: Lula chegou recentemente da Europa (atual centro da epidemia) com mais um título, medalha e aplausos. Bolsonaro chegou recentemente de Miami (de seu país de sonho) trazendo duas dezenas de pessoas que estão agora infectadas.

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