Bolsonaro não inventou o racismo, o racismo inventou Bolsonaro, por Beatrice Papillon

A equação de causalidade entre crimes racistas e o governo Bolsonaro é mais complexa do que pode ser conveniente para se gritar em oposição à ele

Bolsonaro não inventou o racismo, o racismo inventou Bolsonaro
por Beatrice Papillon

É natural a correlação entre o assassinato de um jovem negro no Brasil hoje com a presidência de Jair Bolsonaro, um homem notoriamente racista que, além de insultos diretos, como no caso da comparação de quilombolas com animais, teve a desfaçatez de minimizar a escravidão em plena campanha presidencial. Isto, entre outras desqualificações que ele apresenta como ser humano e homem público, nos aponta um futuro de apreensão pela segurança da população negra no país.

O pacote anti crime lançado pelo Ministro Moro amplia a gravidade do quadro ao autorizar o assassinato de pessoas por agentes do Estado sob justificativas subjetivas que se adaptam ao estilo do ex-juiz de não trabalhar com fatos ou provas. As sentenças (no presente caso, de morte) ficam à critério de seus executores, sem nenhum compromisso com a garantia de direitos. Todos sabemos que jovens brancos de classe média não causam em policiais nenhum “medo, surpresa ou forte emoção”. Está claro contra quem se dirige esta resolução. Somando-se isto ao desmonte das políticas de proteção a trabalhadores e acesso a direitos como educação e saúde, amplia-se em alarmante escala a vulnerabilidade desta população já historicamente excluída.

Por outro lado, a equação de causalidade entre crimes racistas e o governo Bolsonaro é mais complexa do que pode ser conveniente para se gritar em oposição à ele na internet, porque, sim, é verdadeiro o contra argumento de que antes deste governo negros e negras já vinham sendo assassinados em massa no Brasil, um país racista onde um verdadeiro genocídio faz do jovem negro aquele que está sob maior risco. Portanto, a morte do jovem Pedro Henrique Gonzaga, asfixiado por um segurança no supermercado Extra da Barra da Tijuca, não pode ser posta na conta do “Brasil bolsonarista” tão simplificadamente. Além de impreciso, seria bastante covarde eximir tantos outros setores da sociedade, que mesmo com os mais variados perfis políticos e ideológicos (e inclua-se a esquerda), também manifestam o racismo estrutural brasileiro nas suas práticas e discursos. Sejamos honestos, senhoras e senhores, quem pode acusar-se inocente diante deste corpo? Nossa história, passada e presente é banhada em sangue negro por todos os lados.

Bolsonaro não inventou o racismo, mas seguramente foi o racismo que inventou Bolsonaro, sua campanha, sua eleição e, agora, seu governo. Não só as políticas de inclusão e reparação histórica das últimas décadas, mas principalmente o movimento de ocupação de espaços de representatividade e afirmação identitária pelas comunidades negras no Brasil e no mundo incomodaram, e muito, a Casa Grande. Este eleitorado descontente resolveu pescar aquele homem, que não era mais que uma barata a habitar o ralo da ineficácia política, e o alçou ao cume da montanha de lixo que é a sociedade escravocrata brasileira. Ele foi eleito objetivamente para expulsar negros e negras das universidades, dos aeroportos, dos bairros de elite, das capas de revista e dos supermercados da Barra da Tijuca. Sua tarefa é clara, claríssima! E embora se ajuste perfeitamente à função, Bolsonaro é somente a cereja de um imenso bolo de merda que vem sendo servido há quinhentos anos. Ele sozinho não alcança essa “grandeza”.

Mas ainda, o ódio ou ignorância dos que votaram em Bolsonaro não surge do foro íntimo, das idiossincrasias pessoais dos bolsominions. São manifestações de uma estrutura histórico social de que todos nós fazemos parte. Mesmo os que votamos radicalmente contra ele nas eleições estamos inseridos neste contexto e, embora nossos votos expressassem repulsa ao projeto fascista, que outras medidas antirracistas tem sido tomadas por esta nossa oposição? Acusar de racismo o adversário? Culpa-lo pela morte de Pedro Henrique?

Se quisermos realmente combater o racismo brasileiro através de Bolsonaro me parece indispensável compreende-lo como essa representação. Admitirmos que não é ele o inimigo, mas a arma do inimigo. E este, por sua vez está infiltrado como um vírus no organismo social brasileiro. Acessível a todos os corpos, mentes e discursos. Não somente seus eleitores, nem os grupos que o patrocinaram.

Salvador, 18/02/19

Beatrice Papillon é drag queen

Redação

1 Comentário

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  1. Brasil, meu Brasil brasileiro, vou cantar-te nos meus versos:

    ” Este eleitorado descontente resolveu pescar aquele homem, que não era mais que uma barata a habitar o ralo da ineficácia política, e o alçou ao cume da montanha de lixo que é a sociedade escravocrata brasileira. Ele foi eleito objetivamente para expulsar negros e negras das universidades, dos aeroportos, dos bairros de elite, das capas de revista e dos supermercados da Barra da Tijuca. Sua tarefa é clara, claríssima!”

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