Brasil: essa força estranha, por Geniberto Paiva Campos

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

no Desenvolvimentistas

Brasil: essa força estranha, por Geniberto Paiva Campos

(…) ” Tive uma boa relação pessoal com Fernando Henrique Cardoso quando era presidente da república e eu primeiro ministro da Itália. Considerava-o um homem inteligente. Também conheci Serra. Não entendo como personalidades deste porte não percebam que o Brasil está na rota do desastre.” – Massimo D’Alema – Carta Capital, nº 899 – abril, 2016

1. OS DOIS BRASIS

Publicado em 1957, o livro do sociólogo francês Jacques Lambert “Os Dois Brasis” contribuiu para alimentar a polêmica sobre o subdesenvolvimento econômico do Brasil, ao enfatizar sérias diferenças regionais. Fazendo comparações reunindo as regiões sul/sudeste e norte/nordeste, entre as quais, à época, predominavam flagrantes desigualdades, o livro de Lambert mostrava como o sistema capitalista promovia estas desigualdades entre os países, no plano internacional, e internamente, através das gritantes diferenças na capacidade de produção de riquezas e no potencial de desenvolvimento entre as diferentes regiões.

Embora tenha havido a atenuação dessas desigualdades devida à continuidade do processo de industrialização, urbanização acelerada, acesso à educação e alocação de mão-de-obra no setor terciário da economia, integração ao processo de globalização, nas regiões “atrasadas” o conceito dos “dois brasis” permanece válido no atual, tumultuado, cenário político do país. Não mais para definir desigualdades estruturais profundas, vigentes o Brasil no século passado, mas para designar correntes de pensamento político – ideológico, predominantes no contexto partidário, entre os intelectuais, no ambiente cultural e no mundo acadêmico. Agora relacionados a valores intangíveis, fundamentais para o permanente aperfeiçoamento das relações sociais, econômicas e culturais, itens imprescindíveis para a construção de uma sociedade democrática e civilizada.

Democracia, liberdade de expressão, direitos humanos, inclusão social e econômica, acesso à educação, políticas públicas voltadas para ações afirmativas, promoção da igualdade através da distribuição de renda. E, não menos importante, o sagrado direito à informação verdadeira e factual. Enfim, o reforço do papel do Estado no equilíbrio das tensões sociais e econômicas entre os diversos grupos de atores políticos, trabalhando na construção de uma sociedade mais justa e democrática. Esta seria a pauta do Brasil 2. Enquanto a pauta do Brasil 1 adotaria integralmente o projeto neoliberal, exatamente contrário aos valores defendidos pelo outro Brasil.

Este conceito atualizado dos Dois Brasis poderá soar, para muitos, como uma simplificação sociológica grosseira. Mas é através desse simbolismo que poderemos entender a atual crise que assola o país. Potencialmente capaz de nos conduzir a sérias situações de impasses e conflitos, impossíveis de serem resolvidos ou superados pela ação Política. Desde que os dois lados em divergência se imaginam sair vencedores em situação tão complexa. Onde soluções negociadas de forma inteligente, poderiam equivocadamente, assumir contornos de derrota. E, para o lado que erroneamente se imagina vencedor, adotar a solução destrutiva para o conflito. Isto é, a eliminação do adversário/inimigo. É para este tipo de desfecho que o país caminha?

Antes que a situação assuma contornos irreversíveis, torna-se importante – e urgente – abrir caminhos de negociação e entendimento para se chegar a soluções positivas e propositivas. No interesse do país. Superando teimosias dos dois lados em confronto.

2. A FORÇA ESTRANHA QUE IMOBILIZA O BRASIL

Decorridos quase dois anos de impasse político, com sérios reflexos na economia, começa a se esboçar uma tendência preocupante, na medida em que o Brasil 1 (Neoliberal), após formar maiorias no Congresso Nacional, e contando com a estranha passividade do poder judiciário brasileiro, venha a se julgar apto a utilizar a solução destrutiva para o impasse político. O que poderia gerar novos e violentos conflitos, adicionando sérios riscos para a Paz Social e para a Democracia. Cujo desfecho é impossível prever. Mas seria correto supor que as Forças Armadas, poder moderador, seriam convocadas para manter a ordem, conforme está definido na Constituição vigente. Aliás, é norma constitucional desde a proclamação da República, em 1899.

Como então, deveríamos analisar o atual período democrático, iniciado em 1985 com a Nova República, se, apenas 31 anos depois, tiver como desfecho um Golpe de Estado, travestido de legalidade? Aceitar que os brasileiros ainda não estariam preparados para vivência da Democracia em sua plenitude? Atribuindo este despreparo às forças estranhas, anteriormente denominadas forças ocultas, sempre presentes em nossa história política?

(Seria realmente correto deixar seguir o desenrolar hipócrita desse ritual grotesco, apelidado de “processo de impeachment”, já cumprido com estrondoso “êxito” na Câmara dos Deputados e iniciado há pouco no Senado? Cujo desfecho qualquer adolescente pode prever? No qual um ritual mambembe, mal encenado, colocou a mais alta autoridade política do país no porão e no pau-de-arara simbólicos. Profundezas onde o que menos se discute é a verdade factual e o Direito? Onde o olhar de controle do judiciário se limita a medir a profundidade correta do porão e a altura adequada da barra transversal do pau-de-arara metafóricos – e claro, a correta voltagem dos choques elétricos – para que tudo esteja funcionado como manda a Lei? Por favor, nos poupem desse vexame! O Estado de Direito virou pó, é bom lembrar. Sem trocadilho.)

3.COMO FAZER PARA SUPERAR O IMPASSE?

Com tantas interrogações, não seria tarefa das mais fáceis indicar, mesmo especulativamente, soluções viáveis para a crise. Levando em consideração que o poder judiciário deverá permanecer omisso do seu papel institucional, cujas razões seriam difíceis estabelecer no momento, caberia aos poderes executivo e legislativo assumir a iniciativa das negociações políticas. Buscando discernir as verdadeiras causas do impasse. E procurando, nas possíveis saídas, criar elementos de auto regulação e de autoproteção para tornar menos vulnerável o exercício do dia-a-dia do governo, no âmbito executivo. Desde que o “presidencialismo de coalizão” vem se mostrando incapaz de superar as crises – reais e as artificialmente criadas – seria, talvez, mais sensato optar por um sistema de governo compartilhado – de fato e de direito – não somente mais estável, mas com capacidade de resposta aos desafios impostos por um complexo cenário político, social e econômico, no âmbito interno, e pela difícil conjuntura econômica internacional. Afinal, por quanto tempo ainda o caudilhismo político – machista e heroico – subproduto do autoritarismo presidencialista sobreviverá na América Latina, desafiando os novos tempos?

Nessa linha de raciocínio, surge a mudança do sistema “presidencialista” de governo como um passo adiante na saída da crise. Mesmo não sendo conjecturada como solução definitiva, a adoção do parlamentarismo, pode ser lembrada como medida viável e exequível, a qual poderia criar diques de contenção efetiva para as recorrentes situações de conflito político institucional, naturais geradores de crises no presidencialismo. O sistema parlamentarista passaria a ser testado como uma condição que daria estabilidade e eficiência administrativa a futuros governos.

Sabemos não ser fácil a adoção dessa ideia, sequer o debate sobre o assunto. Mas frente à gravidade da crise, poderá ser um caminho a ser cogitado. E percorrido com serenidade e alguma esperança. Nenhum país da América Latina adota o Parlamentarismo. E a AL é uma região de crises, facilmente manipuláveis por interesses escusos. Recentemente, em dois países do continente: Honduras em 2009 e o Paraguai em 2012, ocorreram intervenções em seu processo político. Com destituições de presidentes constitucionais, legitimamente eleitos pelo voto popular (leia-se golpes políticos). Nestes dois países o processo golpista ocorreu sem que fosse disparado um tiro sequer; sem tanques ou soldados na rua. E contra os dois presidentes foram levantadas as mais estapafúrdias acusações. Agora, o mesmo está ocorrendo no Brasil. Chama a atenção nesse curto período de sete anos, a presença do mesmo titular da embaixada americana nesses países. Mera coincidência? Paranoia ou delírio persecutório imperialista em pleno século 21? Mero registro, apenas. Mas vamos reconhecer: houve mudanças e aperfeiçoamento dos roteiros. Agora “pacíficos”. Mas brutais e eficientes. Nem Hollywood faria melhor. Mas é recomendável estar mais atento a esses fatos. Afinal, os objetivos espúrios são os mesmos.

Fica, portanto, lançado o repto aos verdadeiros democratas brasileiros. Aos que não pretendem fazer apostas temerárias (novamente sem trocadilho) na instabilidade política e no caos. E que enxergam nos sistemas políticos estáveis, condições necessárias para a construção de uma sociedade civilizada. E, talvez, tenhamos, enfim, um percurso histórico de crises, lutas, sacrifícios e sabedoria política na resolução de impasses que nos permitem assumir, plenamente, a condição de “país sério”. Para alegria do general De Gaulle.

(*) Do Instituto Lampião – Reflexão e Análise sobre a Conjuntura

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Boa ponderação. Não creio que
    Boa ponderação. Não creio que tenhamos condições, do ponto de vista partidário – do que chamamos de “partidos” no Brasil, genericamente – para a implantação do Parlamentarismo por aqui. Estaríamos adotando um “remédio para a instabilidade” que, na minha leiga opinião, nos jogaria em instabilidade contínua. O que hoje são “soluços de ingovernabilidade” tornaria-se um “fechamento de glote” a cada duas semanas…
    Por outro lado, talvez, como bem sabemos, como adultos só consigamos aprender com a aplicação e exercício – vivência – de uma nova prática e dinâmica políticas.
    Tenho dúvidas. Muitas, a respeito.
    Muito bom o post.

  2. O que falta é massa

    O que falta é massa crítica.

    Vê-se a classe média diplomada completamente idiotizada ainda pelo bestialógico de guerra fria ao passo em que a Universidade mostra-se completamente inútil diante do rebaixamento do debate público promovido pelos meios de comunicação.

    Ora, que se teste, então, os limites do tal Presidencialismo de coalizão. Que a maioria do Congresso aprove ou vete o que quiser, que exerça seu poder e que as informações cheguem ao eleitor em 2018!

    …Mas, não… o olho grande no Executivo e o espírito golpista ainda falam mais alto.

    E aí danam-se a falar de “erros” d governo. O jogador toma na canela na cara, na cara do juiz mas a “culpa” é dele…

    Segue outra metafora.

    Por Wandreley Guilherme dos Santos.

    A HORA DA LONGA RESISTÊNCIA

    5 de maio de 2016Segunda Opinião

    Por ação e omissão o Supremo Tribunal Federal é a mais recente instituição recrutada pelo cronograma do golpe de Estado patrocinado pela coalizão satânica entre o Legislativo e o Ministério Público. A expressão “satânica” não é arroubo retórico nem irritação partidária. Não custa repetir, reconheço no surgimento e crescimento do Partido dos Trabalhadores a mais importante novidade na história brasileira, fazendo com que a classe trabalhadora estreasse no mercado de consumo de bens de segunda e terceira necessidades e, por sua própria conta e risco, na competição política. O argumento de que sua liderança natural foi substituída em grande parte por oportunistas da classe média tradicional – médicos, advogados, professores, funcionários públicos – não passa de esplêndida ignorância de advogados, professores, médicos e funcionários públicos que interpretam e representam esplendidamente as classes dominantes. Vai aí de graça: um projeto político não se define pelo nome dos que o servem, mas pelo de seus senhores.

    Como partido, o PT absorveu as taras e virtudes dos partidos nacionais, que são diferentes das que afetam os partidos gastronômicos franceses, gêmeos vitelinos americanos, fleumáticos e escandalosos ingleses ou come-quieto alemães. Quem não tem paciência ou talento para o jogo, em que me enquadro, escolhe um lado e acompanha a partida. Mínima alfabetização no esporte permite distinguir entre falta dura e entrada desleal, entre equívoco de arbitragem e roubo escancarado. Revoltantes em especial quando comprados por “cartolas” assíduos no setor de camarotes dos estádios em benefício de pernas de pau contra times de melhor qualidade. Zagueiros rombudos a cometer penalidades máximas não marcadas, gols em impedimento e justos pedidos de prorrogação indeferidos desmoralizam o esporte e afastam os admiradores. Pernetas e sopradores de apito perdem carisma e enlameiam as túnicas celestes. Transformam-se em anjos decaídos, satânicos.

    Legislativo, juízes e promotores, procuradores e servidores públicos, para nada dizer de grandes conglomerados econômicos, agentes do endeusado sistema capitalista, enfezaram-se sem remissão em conluio pela delinquência contra os bárbaros que vieram da senzala e seus intérpretes. Primeiro serão estes, depois aqueles. A extraordinária imobilidade muscular da face do deputado que presidia a Câmara e a do senador- relator do pedido de impedimento da presidente Dilma Rousseff, enquanto ouviam as mais desconcertantes demonstrações de inépcia do processo, transmitiam olímpico achincalhe, sem faltar um sorriso de vitória e tripudio no fundo dos olhos do senador-relator. Faltava o Supremo Tribunal Federal entrar no minueto farsesco. Mudo, solene e borrado, presidiu com cara de paisagem ao mais violento estupro constitucional assistido da história recente. Aí, em descarada confissão, desfaz-se do sócio minoritário da empreitada, o deputado-ex-presidente, assim obtendo no câmbio negro passaporte aviado para a cerimônia final de linchamento. Tudo conforme a lei, a soberania e o funcionamento normal das instituições.

    Toda resistência é legítima. Hora de começar.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador