Brasil ingressa em sua Idade Média, por Wanderley Guilherme dos Santos

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – O Brasil passou a rodar no “fuso paraguaio”, diz o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. Após um golpe de Estado dado pelo Congresso em conluio com a mídia e ajuda de setores do Judiciário, o País entra em sua “idade média”, com conservadores formando uma “maioria de ocasião” para impor retrocessos em todas as esferas do Poder.

Por Wanderley Guilherme dos Santos

A idade média nacional

No Segunda Opinião

O Brasil desencaixou. Desencaixou e passou a rodar no fuso paraguaio. Lá, como se sabe, depois de peculiar processo, o presidente Fernando Lugo foi impedido, assumindo o vice-presidente. Também não amputaram a Lugo os direitos políticos. Dizem os golpistas de lá, como os daqui, que o processo de impedimento seguiu os trâmites legais, que não houve atentado à Constituição nem violência física. Aqui, como também se sabe, os golpistas mantiveram os ritos, não promoveram violência (as pancadarias de antes e de depois do golpe não contam, claro) e garantiram direitos políticos à presidente impedida.

Dizia o Carlos Marx que a história só se repete como farsa; bela frase, mas um erro rotundo. A Segunda Guerra Mundial reencenou tragicamente a Primeira, as duas resultando da estúpida competição por mercados entre imperialismos expansionistas. A guerra do Vietnã é a da Coréia, só que com inovação tecnológica: a bomba de napalm, despejada sobre populações civis. O golpe brasileiro de 2016 não reprisa 1964, mas o paraguaio de 2002, em sua mais pura essência política: uma condenação sem provas, os legisladores maculando o mandato que detinham; uma concessão de direitos políticos que não possuíam autoridade constitucional para outorgar. Garantir os direitos políticos de Dilma Rousseff é tanto indício de golpe de Estado quanto cassar seu mandato: o de reescrever a Constituição pela força tirânica de maioria institucional.

O país ingressa em sua Idade Média. Os conservadores dominam as instituições do Executivo, do Legislativo e do Judiciário com base em inegável maioria ocasional. Não é por isso, apenas, que são golpistas, mas pelo uso soberbo do poder. Assim como a Idade Média e o absolutismo só foram unânimes pela repressão, o conservadorismo hegemônico só se sustenta pela asfixia da divergência. Asfixia de que não está ausente a chantagem da vida privada de alguns, como bem a conhecem ilustres membros do Judiciário e do Legislativo, e violência nas ruas, com a brutalidade que for necessária.

Só entregarão o poder por via democrática se, multiplicando fogueiras, não puderem evitá-lo.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Mais uma vez: por que só agora, professor?

    Prezados,

    Tivessem os intelectuais da Esquerda, cientistas sociais e políticos, professores, acadêmicos e estudiosos, denunciado amplamente a trama golpista há mais tempo (afinal eles detêm conhecimento e informações privilegiaas) o golpe teria, de fato, se consumado. Por que, vaidosos e auto-suficientes, esses intelectuais perderam tanto tempo fustigando o PT, os governos petistas e seu erros, deixando de atacar os verdadeiros inimigos da democracia?

    Apenas depois do golpe consumado eles passaram a dizer e escrever o óbvio. Pena que tenha sido assim. 

    Retomar o regime democrático é muito mais difícil, penoso e doloroso do que apenas mantê-lo. Mais uma vez a divisão e fragmentação da Esquerda levaram à supressão do Estado Democrático. 

     

  2. Exato como sempre

    O Wanderley Guilherme é alguém que sempre vale a pena ser lido.

    Só gostaria que ele explicasse como o Lula e a Dilma não conseguiram enxergar esta nuvem negra que estava no horizonte há alguns anos e que vinha rapidamente se aproximando.

    Como puderam se enganar tanto nas indicações para o STF e para a chefia do MP?

    Como puderam estar tão cegos ao clima de beligerância dos MPs, PF e das diversas esferas do judiciário contra eles e contra o PT? Bastava entrar em qualquer rede social para ver como este pessoal estava ativo.

    Como a Dilma pode se enganar tanto na indicação do Ministério da Justiça? Eduardo Cardoso é um grande homem, mas com certeza não era adequado para o cargo. E como o Eduardo Cardoso pode não perceber o que estava acontecendo?

    Sinceramente, até eu que não sou político experiente ou cientista político percebi o perigo que se avizinhava. Acho que para que eles não percebessem só poderiam estar cegos pela soberba.

  3. Fuso paraguaio?
    Com todo respeito ao Wanderley, acho que não estamos com moral pra fazer qualquer tipo de distinção com base em organização política.

    Estarão errados os paraguaios, hondurenhos e outros em falar em fuso brasileiro?

    Por outro lado, o pouco que conhecemos da guerra do Paraguai já nos dá a certeza de que somos muito responsáveis pelo que ocorre no país vizinho.

    Somos tão responsáveis e fechamos os olhos pra isso que aceitamos que até hoje os arquivos da guerra estejam lacrados. E nos fazemos de surdos aos protestos de historiadores , até mesmo estrangeiros, que desejam analisar esses arquivos.

  4. Mestre Wanderley Guilherme

    Mestre Wanderley Guilherme dos Santos, o Brasil nunca saiu da Idadde Média, mantém até hoje sua ‘Policia de Mamelucos”, tala e qual no passado, continuamos sendo a mesma Ninguémdade que Darcy Ribeiro descreveu como poucos, nestes ultimos treze anos acreditava-se que estavamos caminhando rumo a uma democracia, capengando, mas estava indo, ledo engano, eles não esperaram nem a primeira oportunidade, eles a criaram e deram este golpe, tinhamos colocado a cabeça fora da caverna da Idade Média e nos empurram para dentro novamente. Replico a seguir um texto que escrevi recentemente e que espero contribua para o debate:

    Darcy Ribeiro, Reinaldo de Azevedo, Ninguendade, O Golpe, O Povo Brasileiro.

    Ninguendade é uma possibilidade que não pode acontecer, senão a custa do caos e muita violência.

    O
 Brasil 
e 
os 
brasileiros, 
sua 
gestação 
como 
povo, 
é 
o 
que 
trataremos 
de 
reconstituir
 e compreender
 nos
 capítulos
 seguintes. 
 Surgimos
 da 
confluência, 
 do
 entrechoque
 e
 do
 caldeamento
 do
 invasor
 português
 com 
índios
 silvícolas
 e
 campineiros
 e
 com
 negros
 africanos, uns
 e
 outros 
aliciados 
como 
escravos.



    Nessa
 confluência, 
 que
 se
 dá
 sob
 a
 regência
 dos
 portugueses, 
 matrizes 
raciais
 díspares, 
 tradições
 culturais
 distintas, 
 formações
 sociais
 defasadas, se 
enfrentam
 
e 
se 
fundem 

para 
dar 
lugar
 a 
um 
povo 
novo 
(Ribeiro
1970), 
num 
novo 
modelo 
de 
estruturação societária. 
Novo 
porque
 surge 
como 
uma 
etnia
 nacional,
 diferenciada
 culturalmente
 de
 suas
 matrizes
 formadoras,
fortemente
 mestiçada,
 dinamizada
 por
 uma
 cultura
 sincrética e 
singularizada 
pela 
redefinição 
de 
traços 
culturais 
delas 
oriundos.
Também 
novo
 porque
 se vê
 a
 si
 mesmo
 e
 é
 visto
 como
 uma
 gente
 nova,
 um
 novo 
gênero 
humano
 diferente
 de 
quantos 
existam.
Povo
 novo,
ainda,
por que 
é 
um novo
 modelo
 de
 estruturação
 societária,
 que
 inaugura
 uma
 forma 
singular
 de
 organização
 socioeconômica,
 fundada
 num
 tipo
 renovado
 de 
escravismo
 e
 numa
 servidão
 continuada
 ao
 mercado
 mundial.
 Novo, 
inclusive, 
pela 
inverossímil 
alegria 
e 
espantosa 
vontade 
de 
felicidade,
num
povo
tão
sacrificado,
que
alenta
e
comove
a
todos
os
brasileiros. (Darcy Ribeiro 1º e 2º parágrafos da introdução. Pagina 19).

    Reinaldo de Azevedo, em 29 de outubro de 2006 escreveu em sua coluna na Revista Veja um artigo, (link ao final da pagina) em que conclamava a volta da Ninguendade, transcrevo aqui o ultimo paragrafo do significativo texto:

    *Petralhas – fico aqui queimando as pestanas, tentando achar um jeito de eliminar o povo da democracia. Ainda não consegui. Quando encontrar, darei sumiço no dito-cujo em silêncio. Ninguém nem vai perceber… Povo pra quê?

    Este recorte representa objetivamente os interesses e a vontade da maioria da elite paulistana, esta recomendação dele foi inteiramente aceita pelos articuladores do golpe e é base de um pensamento retrogrado e violento que quer retirar direitos do Povo Brasileiro, imaginando que isto ocorrerá em um clima de paz e tranquilidade, é um modo doentio de pensar, no entanto contaminou grande parte da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, é hora de repensarem a **merda diarreica que estão fazendo ou afundarão nela, não existe mais a Ninguendade, ela se foi, mas falarei sobre ela embasado no livro de Darcy Ribeiro.                      

    Ninguendade

    Darcy Ribeiro em seu livro “A Formação do Povo Brasileiro”, fala sobre a historia da nossa formação enquanto povo, nos primórdios, a ocupação portuguesa se utiliza da mão de obra indígena escravizando-os e procriando com eles geram uma nova linhagem raça, nesta linhagem, haviam alguns que eram especiais, Os
 brasilíndios,
 ou
 mamelucos
 paulistas, e que
foram
 vítimas
 de
 duas 
rejeições 
drásticas.
 A
 dos
 pais,
 com
 quem
 queriam
 identificar‐se,
 mas
 que
 os
 viam
como impuros
 filhos
 da
 terra.
 A
 segunda
 rejeição
 era
 a
 do
 gentio
 materno.
 Na
 concepção 
dos 
índios,
a 
mulher
 é 
um
 simples 
saco 
em
 que
 o 
macho
deposita
 sua
 semente. Quem
 nasce
 é filho 
do 
pai, 
e 
não
 da 
mãe, 
assim 
visto
 pelos
 índios. Não sendo reconhecido nem por um nem por outro, ele se tornava um ninguém, mas um ninguém especial, pois tinham em sua cultura, características do colonizador e do colonizado, nesta zona cinzenta de ser ninguém, tinham grandes habilidades, sabiam se comportar na mata como os índios e carregavam os valores do pai, isto os transformou em ótimos caçadores de índios para escravização e procriação de mais mamelucos, com o tempo os índios escassearam e foi preciso importar negros para exploração de sua mão de obra, assim como os índios, os negros separados de suas origens e utilizados como mera mão de obra passava a ser ninguém, mais tarde vieram os europeus fugidos da fome e de outras misérias que passavam na Europa e se juntaram as estes grupos que tinham pouco ou nenhum direito, a miscigenação destes grupos gerou novas formas culturais de convivência, ao longo do tempo a Ninguendade criou relações de resistência e sentimento comum, tendo perdido suas raízes, este novo grupo étnico foi orientado pelas forças econômicas a terem um sentimento pátrio para conservar e defender as propriedades e riquezas contidas no território para conservação destas nas mãos destes pequenos grupos, chamados de a Elite Nacional.

    Este novo grupo étnico que formou o povo brasileiro e que se contrapõe a esta “Elite Nacional”, é composto da Ninguendade, estes grupos, ao longo do século XIX e XX começam suas lutas para conquistas de direitos e melhores condições de vida, no inicio do século XXI conseguem chegar ao poder central e instalam um governo popular que tira o país do Mapa das Fome e iniciam reformas para modificarem os perfis do subdesenvolvimento social, os grandes grupos econômicos que detém os meios de comunicação e do poder judiciário, resolveram que não existe Povo brasileiro e que a Ninguendade é um fato absoluto, decidido isto é imperativo acabar com a Democracia, e através de um golpe tentam suprimir as reformas atuais e as conquistadas ao longo dos séculos.

    Acreditar que não existe povo brasileiro é um sandice da elite que não encontra respaldo na realidade e na Democracia.

    A luta contra o golpe é uma luta pela e de afirmação do Povo Brasileiro que não quer voltar a Ninguendade.

    Salve o Povo Brasileiro.

    *Petralha, sinônimo do povo brasileiro organizado em partidos com ideias progressistas que visam o bem estar do povo, o mesmo povo que Reinaldo de Azevedo quer eliminar.

    ** A doença diarreica aguda (DDA) é uma síndrome causada por diferentes agentes etiológicos (bactérias, vírus e parasitos), cuja manifestação predominante é o aumento do número de evacuações, com fezes aquosas ou de pouca consistência. Em alguns casos, há presença de muco e sangue. Podem ser acompanhadas de náusea, vômito, febre e dor abdominal. As formas variam desde leves até graves, com desidratação e distúrbios eletrolíticos, principalmente quando associadas à desnutrição.

    http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/lula-novo-com-culpa-povo/

    Esmael Leite das Silva (Sbc, 08 de julho de 2016)

    1. Curiosa a tradição

      É curiosa a tradição de nossos intelectuais de falar do povo brasileiro, esta entidade abstrata, que concretamente construiu   este imenso pais, com toda sua riqueza humana, cultural e economica, APESAR  de sua elite predadora. Mas esta é uma elite curiosa,depois de patrocinar este golpe, depois de abrir  a caixa de pandora liberando as mas variadas  deformidades sociais, quer ao final  culpar o POVO BRASILEIRO.  E assim voltam os que tanto falam no problema da miscigenação, os que falam na falta de pureza étnica. Afinal esta elite  que se pretende branca e européia, só lembra do povo para justificar sua crueldade insana. Sua tonica é sempre culpar a vítima.  Inclusive o seu mote é vamos destruir o tal do POPULISMO. Traduzindo ,  vamos destruir um governo voltado para o povo.  E  mesmo depois do POVO  manter pelo civilizado ato do voto governos populares, voltamos a ouvir esta mesma ladainha: este povo não sabe votar para justificar o incivilizado golpe.  Pelo voto jamais voltarão. E uma coisa podemos ter certeza, esta elite só permanecerá no poder na base da força e da truculência, pois ela já demonstrou por séculos sua total incompetência.

  5. Não custa lembrar, para

    Não custa lembrar, para manter vivo o otimismo: a Idade Média esperneou o quanto pode, mas um dia acabou e a humanidade deu um pequeno passo adiante. Quanto ao “povo”, é pura bobagem acreditar na sabedoria popular. Eu vejo aqui na periferia que o povão acha que Lula é ladrão. O povão não tem provas, mas fala com a convicção que lhe foi enfiada a marretadas na cabeça pela mídia fascista.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador