Brizola e a Soberania Brasileira: poder ‘para’ e ‘pelo’ povo, por Roberto Bueno

Os regimes autoritários são o atestado formal trazido ao plano empírico que explicita a insuficiência política dos donos da força suficiente para impor-se.

Acervo PDT-RJ

Brizola e a Soberania Brasileira: poder ‘para’ e ‘pelo’ povo

por Roberto Bueno

Não há condição para que um povo afirme as suas liberdades senão através de modelo de Estado equilibradamente interventor para além da mera regulamentação em questões estratégicas para o desenvolvimento humano e econômico e, assim, da soberania do país. As liberdades populares dependem da afirmação de seu pacto político básico, a Constituição, e com ela a reafirmação diária da cultura da democracia, pensando o país desde o seu processo histórico de formação, os seus referenciais culturais, priorizando a partir da conjugação destes movimentos o respeito a sua gente.

Este conjunto de políticas foram raramente coordenados por governos brasileiros, e dentre os poucos que se dispuseram realizar, sem exceção, todos sofreram severos ataques por parte do conservadorismo detentor da força econômica conexa com a capacidade de mobilizar armas. Exemplo histórico disto foi o golpe de 1964 contra o povo brasileiro representado na Presidência da República por João Goulart e mais recentemente em 2016 articulando a derrocada ilegal e ilegítima da Presidente Dilma Rousseff. Em ambos os casos a estratégia foi colocar termo a políticas orientadas a mobilizar as riquezas nacionais para aplicação do desenvolvimento do país, afirmação de sua soberania e das condições materiais de seu povo.

Os dias de exitosa articulação de política econômica orientada a afirmação soberania nacional e o desenvolvimento social já parecem distantes para todos hoje envolvidos sob a densa névoa imposta pela elite que caminhou ao longo da história nacional combinando mentalidade colonial com aspirações a subverter a ordem política republicana, ambas traduzidas em sucessivas tentativas de desestabilização de regimes populares não raro concretizadas em articulações objetivas para impor golpes de Estado.

A memória coletiva do povo brasileiro está infestada pela intensidade dos diversos níveis de violência impostas pela elite autoritária contra os legítimos projetos políticos concebidos pelas instâncias populares de poder. Sob alta voltagem o autoritarismo patrocina o regresso a formas pretéritas de existência e organização política com severas consequências na positivação jurídica dos direitos sociais, explicitando a busca de instrumentos eficientes para impor formas de existência degradadas à população. Este é o grupo que potencializa a estrutura de poder contra e pelo avesso do Brasil e sua gente.

A recordação dos dias de triunfo de políticas públicas orientadas pela aspiração de consolidar a soberania nacional e o interesse do povo brasileiro desenha a aspiração de um Brasil para e pelo Brasil e sua gente. Daqueles dias carregamos memória para a construção de mais auspicioso futuro, embora hoje ainda imersos em radical mergulho nas profundezas das tristes raízes do aculturamento colonial não superado, latentes no imaginário. O seu enfrentamento supõe algo mais do que a utilização das tribunas públicas para a denúncia do estado de coisas, o que é necessário, mas não o elemento eficiente para acionar a palanca da recuperação da soberania e das condições para instalação da democracia hoje perdida.

Acionar os freios de emergência na órbita cultura e da estrutura das instituições e, paralelamente, alavancar a ousadia reformista-transformadora, configura instrumento adequado descortinar a superação da brutalidade escravagista em suas diversas formas de aparição na sociedade brasileira. A retomada da intimidade com a cultura nacional é também fortalecedora do pensamento nacionalista que desponta como pavimentadora de apoio às políticas voltadas a garantia da soberania. Este propósito impõe diálogo com os melhores tradutores políticos dos interesses da nossa gente, como o foi Leonel de Moura Brizola (1922-2004), a reclamar atualidade, que em seu momento subiu à tribuna para expressar a sua inquietação com época por ele descrita como “[…] de fome e miséria […],” um tempo de triunfo das forças autoritárias brasileiras.

A visão política de Brizola encarnou a encruzilhada da recuperação da soberania e do desenvolvimento nacional orientado ao atendimento das mais urgentes necessidades populares, tais como a educação e a alimentação que já priorizara desde o seu Governo no Rio Grande do Sul e ganharia projeção nacional quando do Governo de Brizola no Rio de Janeiro, ao realizar o grande projeto de Darcy Ribeiro, os CIEPS (Centros Integrados de Educação Pública), com projeto arquitetônico dos edifícios de Oscar Niemeyer. Brizola enfrentou com singular firmeza as sérias ameaças e tentativas de subversão da ordem por parte da elite brasileira que pensa ser associada aos interesses norte-americanos mas não passa de mera preposta-executiva, a exemplo do ocorrido com a crise de 1961 ao organizar a vitoriosa campanha da legalidade que garantiu a posse de João Goulart e, por conseguinte, o triunfo da vontade popular expressa nas urnas mas, sobretudo, na Constituição.

Ao apresentar compromisso efetiva com a defesa do Brasil e de sua gente, Brizola opôs-se as estruturas autoritárias do país, expresso em sua encarniçada relação de conflito com a Rede Globo de Televisão criada com apoio financeiro norte-americano para dar suporte nacional para a implementação de projeto de poder da elite civil-militar golpista de 1964 que deveria durar décadas, tal como ocorre no Brasil a partir do golpe de Estado de 2016. A contradição ideológica provinha das tradições getulistas e passava pela política trabalhista aplicada também por João Goulart além das políticas adotadas pelo próprio Brizola quando Governador do Rio Grande do Sul em desfavor dos norte-americanos aliados da elite nacional ao desapropriar os bens da subsidiária da ITT (International Telephone & Telegraph), tendo previamente em 1959 encampado a subsidiária da American Foreign Power (Bound & Share).

Os regimes autoritários são o atestado formal trazido ao plano empírico que explicita a insuficiência política dos donos da força suficiente para impor-se. Carecem de mistificar as suas formas violentas de domínio político, e para tanto instrumentalizam a mídia corporativa para acobertar as suas práticas antidemocráticas e, no limite, antipolítica, em síntese, prefigura regime que é irretorquível antagonista da democracia, a qual Brizola compreendia ser o “[…] único regime compatível com a dignidade humana”. O homem escravocrata cujo espírito resiste na mentalidade colonial da elite brasileira todavia não foi desmobilizado, malgrado os incrementos do processo de aculturamento que a república ofereceu ao longo da história conjuntamente aos espasmos democráticos de média voltagem experimentados no país nos quais foi colocada em xeque a política e a naturalização da miséria de milhões de vidas em país cuja riqueza é a regra e o obscurecimento da concentração de renda é utilizado como véu que oculta a continuidade da aplicação de política econômica que dá continuidade ao processo de expropriação conjunta do país e de seu povo.

Há no pensamento político nacionalista e soberanista-popular típico de Brizola uma indefectível vinculação com as raízes do povo brasileiro. Aliando pensamento à ação de resistência em defesa da ordem democrática-constitucional Brizola expressou uma das melhores versões humanas do país ao unir a indignação pelo vilipêndio ao povo brasileiro à efetiva reação por defendê-lo de toda a sorte de violências que os regimes autoritários ordinariamente impõem. Sob esta ordem política estão colocadas as condições para emascular o Estado e seu povo da afirmação de sua soberania política e econômica, pois fazê-lo pressupõe a independência do povo com a qual um regime autoritário não pode convergir. O enfrentamento das mais adversas condições de domínio tem ponto de ancoragem e alavancagem nos processos culturais que suscitam o compartilhamento de valores e raízes comuns estimuladoras do sentimento de pertencimento.

Em tempos de recrudescimento neofascista há esforços para naturalizar a condição de pura exploração, sofrimento e, finalmente, da morte do povo mais empobrecido e de setores das classes médias. A naturalização da condição de perecimento desenha os tempos de recrudescimento neofascista em que a coragem para a resistência não raro é classificada como ousadia destemperada, como se o amanhã não estivesse repleto de ainda piores momentos do que os do dia presente, encruzilhada em que o destempero cede passo à ousadia como triunfo da pura razão.

Roberto Bueno – Professor Associado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales / Madrid). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito (UnB) (2016-2019). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM).

Redação

7 Comentários

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  1. Agora a coisa mudou.
    II Parte:
    Essas verdades constitucionais, para os cidadãos (Parágrafo Único do Artigo 1º da Constituição Federal) e bíblicas, para os cristãos (1Tm 3,14-15) que têm que conhecerem, têm que saberem e têm que delas se lembrarem sempre, para que não só aprendam a avaliar as pessoas e a votarem conscientes, em candidatos de sua confiança e comprometidos com a casa do povo e da nação (https://jornalggn.com.br/artigos/por-que-perdemos-nossa-historicidade-por-henrique-matthiesen/ ) mas, principalmente, para que na hora de pedirem conta mensalmente, de todos os membros dos poderes executivos locais, das obras contratadas/executadas e dos serviços públicos prestados e executadas com recursos do povo, que deve ter conformidade, funcionalidade e qualidade, para o seu bem-comum e melhoria da qualidade de suas vidas.
    Essas verdades constitucionais servem também, para que na hora de responsabilizarem os criminosos dos interesses públicos, do povo e do Estado, não esquecerem de incluir os membros responsáveis do Congresso Nacional, dos poderes legislativos estaduais e/ou municipais quando for o caso e, dos tribunais de contas competentes, omissos e coniventes e, outras instituições infratoras, com essas desconformidades como, coautores desses malfeitos e dos crimes constitucionais efetivados, nos competentes processos investigativos e corretivos, de acordo com as leis e as normas específicas para cada caso.
    São atos como esses que nos mostram, segundo a Bíblia Sagrada, as ações e obras do anticristo, obras essas más, iníquas e que promovem aumento das desigualdades quando, deveriam ser voltadas para bem e promoção da vida e fraternidade dos cidadãos, de pleno conhecimento de todos em nosso país e no mundo e, principalmente, pelos políticos, autoridades competentes e religiosos alinhadas (São Mateus 28, 18-20), que concorrem para que tais atos se realizem, mesmo sabendo que essas obras e ações, não seriam boas para a população e para o Brasil (2Tm 3,1-5).
    Essa sabedoria que a Bíblia nos proporciona, mostra também, como identificarmos o anticristo nos dias atuais, pois São João (1 João 2, 18-19 ), em sua profecia de advertência aos cristãos primitivos, nos deixa o exemplo para a atualidade e até o final dos tempos, pois a Igreja de Jesus Cristo (Mt 16, 13-19) que é eterna, nunca o mal prevalecerá sobre ela.
    “Filhinhos, esta é a última hora; e, assim como vocês ouviram que o anticristo está vindo, já agora muitos anticristos têm surgido. Por isso sabemos que esta é a última hora. Eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos.”(1 João 2, 18-19 ).
    São Pedro confirma o que S. João advertiu sobre o anticristo: “Assim como houve entre o povo falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos doutores que introduzirão disfarçadamente seitas perniciosas. Eles, renegando assim o Senhor que os resgatou, atrairão sobre si uma ruína repentina. Muitos os seguirão nas suas desordens e serão deste modo a causa de o caminho da verdade ser caluniado. Movidos por cobiça, eles vos hão de explorar por palavras cheias de astúcia. Há muito tempo a condenação os ameaça, e a sua ruína não dorme.” ( Pedro II 2, 1-3).
    Usem o raciocínio lógico e entenderão tudo isso e, até o porquê dessa pandemia que afeta o mundo e que dentre outras coisas, não é ainda o fim mas, um aviso Divino de que castigo mais grave possa vir, pois, Deus está de olho nos autossuficientes, nos orgulhosos, nos soberbos, nos prepotentes, nos egoístas, nos políticos infiéis ao povo e nos religiosos desviados, todos, indignos do poder que lhes foi permitido para fazerem o bem e justiça imparcial aos seus irmãos e não, para explorarem as pessoas pobres, susceptíveis e ignorantes em sua boa fé e esperança.
    Tanto isso é verdade que, a ciência humana desenvolvida e cantada em verso e prosa, até agora se quer, foi capaz de apresentar a cura ou vacina eficaz para essa Covid-19. Meus irmãos nos desculpem se esse comentário pareça religioso e, em parte é, arrependam-se enquanto é tempo e reconheçam que só Deus é poderoso. Só Ele é o nosso único auxílio e nossa salvação.
    São as nossas considerações e sugestões à matéria.
    Paz e bem.
    Sebastião Farias
    Um brasileiro Nordestinamazônida

  2. Agora a coisa mudou, Roberto.
    I Parte:
    O anticristo é identificado por sua autossuficiência, egoísmo, soberba e materialismo e, suas obras más contra os mais pobres, fracos e injustiçados. Ele luta contra os preceitos cristãos de amor ao próximo, de fraternidade, de caridade, de misericórdia e de solidariedade e que, tem como estratégia fomentar a divisão, a desorganização, o ódio e o preconceito.
    É, em nosso país, o produto dessa orientação estrangeira e religiosa nociva que tem uma estratégia materialista e sede de poder político, veja o link: https://jornalggn.com.br/diplomacia/agenda-evangelica-fundamentalista-de-trump-foi-estrategia-transnacional-na-america-latina/, aliada a ideologia neoliberal em decadência, comprova que sua existência e atuação no Brasil, reforça as ingerências e interesses externos há muito, denunciados pela imprensa popular
    ( https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/golpe-como-elemento-da-guerra-hibrida/), informações essas, que nos mostram que tudo isso, são ataques frontais à soberania, à unidade, à segurança e à CF do Brasil e, especialmente, aos ART. 3°, 4º e 5º da CF, dentre outros, que poucos cidadãos ou mesmo ninguém, dá-lhe a devida importância. A essa engrenagem de dominação e contra os interesses do povo e do Brasil, segundo a imprensa, além inspirar encorajar os articuladores do golpe de 2016 ( https://sensoreconomicobrasil.blogspot.com/2016/07/o-golpe-de-2016-de-novo-os.html ).
    formados por parcela significativa dos parlamentares conservadores, da elite e de empresários inconsequentes, de membros da imprensa conservadora alinhados, militares omissos e cegos aos ataques à CF, de membros aéticos dos 03 poderes e de algumas instituições públicas, de organizações populares e religiosas coloridas a serviço e simpáticas ao golpe, etc, todos oportunistas e envolvidos nesse mesmo projeto de poder e dominação política, para dar sequência do que a história de forma resumida mas, testemunhada pela imprensa e pela internet ( https://jornalggn.com.br/brasil/links-para-a-historia-do-brasil-de-1894-a-2018/ ).
    Associa-se a eles, a operação lava-jato, que em 2015 já dava sua contribuição à estratégia (http://www.fiesp.com.br/siniem/noticias/impacto-da-lava-jato-no-pib-pode-passar-de-r-140-bilhoes-diz-estudo/ ), já preparando o terreno para golpe de 2016, confirmado pelo seu maior beneficiário ( https://ipolitica.blog.br/temer-diz-que-processo-de-impeachment-contra-dilma-foi-golpe/ ) e, interferindo após o pós-golpe de 2016, nas eleições de 2018 para manutenção do projeto golpista e, mais uma vez, confirmado por seu maior beneficiário (https://www.cartacapital.com.br/politica/temer-volta-a-defender-que-bolsonaro-e-continuidade-de-seu-governo/?), lembrem-se, disso.
    Tudo isso, é mais grave ainda, porque, há morosidade do Poder Judiciário ao tomar atitudes jurídicas legais com agilidade e tempestivamente, contra os desrespeitos e desconformidades constitucionais, prejudicando assim, a justiça imparcial e, por outro lado, o Congresso Nacional e os Poderes Legislativos estaduais e municipais que representam o povo e o Estado brasileiro mas, infelizmente, são quem aprovam e legitimam essas estratégias e Políticas Públicas que beneficiam as elites, os patrões e o capital improdutivo nacional e estrangeiro, prejudiciais aos trabalhadores, ao povo e ao país e, pior ainda, por serem eles também fiscal constitucional do povo, são por isso, tão culpados por permitirem essas desconformidades constitucionais, tanto quanto quem executam as Políticas Públicas e seus desdobramentos, com desconformidades e prejuízos para todos os cidadãos.
    São as nossa considerações e sugestões à matéria.
    Paz e bem.
    Sebastião Farias
    Um cidadão brasileiro nordestinamazônida

  3. Coerência e coragem de Leonel Moura Brizola expressa muito da nossa cultura popular.
    Está registrado dignamente na história brasileira.
    É nosso patrimônio.
    Tempos lindos que me inspiram cotidianamente.
    Tarefa do engenheiro, campeiro, foi cumprida com o respeito que o povo merece.
    Bom e merecido descanso “tio Briza”.

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