Gilberto Maringoni
Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.
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Caminhoneiros e preço dos combustíveis: o mercado que se lixe, por Gilberto Maringoni

Caminhoneiros e preço dos combustíveis: o mercado que se lixe

por Gilberto Maringoni

1. Houve um inexplicável clima de pânico em alguns setores democráticos, neste final de semana. O mote: vivemos uma escalada fascista de massas, vai haver um golpe jurídico-militar e as eleições serão canceladas;

2. A análise contém um pequeno problema: não há comprovação segura para nenhuma dessas assertivas. Há um movimento nacional de massas, de dimensões inéditas e sem centro de comando claro, que está – oh, céus! – sendo encarniçadamente disputado por uma miríade de nuances políticas que vão da extrema direita à extrema esquerda. É do jogo;

3. Nesse quadro, há sim caminhoneiros em profusão – acompanhados por “vivandeiras alvoroçadas” – que bradam “intervenção militar já!” a plenos pulmões. Como demonstrou Maria Caramez Carlotto, em sensato post que reproduzi, não se pode exigir de atores extremamente diversos a leitura da realidade com as mesmas lentes da esquerda. “Intervenção militar já!” tem peso numa sociedade polarizada, mas nem todos parecem ter na cabeça o que isso significa. É muito mais um mantra catártico – como “Fora Temer!” – que busca uma saída mágica para o imbróglio atual. Em uma frase: mesmo quem usa de todos os decibéis de suas cordas vocais para vociferar tal impropério pode ser disputado politicamente;

4. O governo teve grandes dificuldades para fechar a proposta apresentada por Michel Temer na noite de domingo, dado seu nível de comprometimento com o financismo. O usurpador anunciou o atendimento da pauta referente ao preço dos combustíveis e pedágios. Baixou o preço final e aceitou o congelamento do diesel por 60 dias. O caminho anunciado foi o de mercado: garante-se a manutenção da política de preços da Petrobrás – que favorece os acionistas minoritários – através de isenções tributárias que penalizam o Estado e a população. Ou seja, para o golpismo mais valem os interesses dos rentistas da bolsa de Nova York do que os da maioria dos brasileiros.

5. Um dos tentos dos caminhoneiros foi – talvez involuntariamente – atingir não apenas o centro do mecanismo garantidor de lucros estratosféricos para os acionistas da Petrobrás, mas a própria razão de ser do golpe;

6. A intentona deflagrada por Michel Temer e sua quadrilha há dois anos tem como base maior de sustentação o aprofundamento do papel do país como entreposto privilegiado da reprodução ampliada do capital em escala global. Leva ao extremo a percepção de Caio Prado Jr., o Brasil é um negócio. Daí a transformação do Estado de ente público a alavanca impulsionadora de ganhos especulativos. Isso se dá pela política monetária – juros estratosféricos -, pela liquidação de patrimônio estratégico – público e privado – na bacia das almas do rentismo, pela inserção pretendida para o país no mercado mundial e pela entrega de riquezas naturais em penca;

7. A metamorfose da Petrobrás de empresa pública estratégica – não apenas na área energética, mas como ferramenta do desenvolvimento – em guichê do mercado mobiliário planetário é pilar estratégico desse projeto. Para isso foi dado o golpe de 2016;

8. A direita – essa vasta nuvem de diversos ramos do grande capital – hesita nos rumos a tomar. O inigualável Rodrigo Maia já bate pesado no governo, de olho na cadeira mais importante do 3o. andar do Palácio. Aprova-se às pressas medida facultando a eleição indireta de um mandatário. Na bolsa de boatos, volta a correr a ideia de um semipresidencialismo ou outra forma de tapetão parlamentarista. Gorilas de pijama assanham-se. Barata-voa é pouco para classificar cientificamente a situação das forças políticas de sustentação do governo;

9. Por isso, o alarmismo não pode colar. Há os engenheiros de obra pronta a trombetear que “a esquerda não percebeu isso, não viu aquilo”, ou que chegamos a uma situação de derrota popular total. Puro impressionismo. Se vingarem tais avaliações, qual a saída? A tática lemingue: suicidemo-nos todos?

10. O nível de adesão popular à greve – levando-se em conta a dramaticidade de incômodos que ela provoca – é algo surpreendente. Essa característica deve merecer mais estudo. Por que a simpatia cresce, com todo o bombardeio midiático contrário?;

11. Já escrevi aqui que, dada a multiplicidade de vínculos e regimes de trabalho dos caminhoneiros, não é de se surpreender a inexistência de porta-vozes unificados ou que sintetizem suas bandeiras. Desse ponto de vista, a categoria – com toda a elasticidade que o termo envolve – forma o contingente dos sonhos dos formuladores da reforma trabalhista, que entrou em vigor ano passado. O resultado é que o governo não tem com quem negociar. Entramos no admirável mundo novo criado pelo mostrengo que destruiu a CLT. Se as categorias se enfraquecem organizativamente, o outro lado passa a não ter segurança alguma nos acordos – acima do legislado – fechados daqui para a frente. Uma parte dos motoristas pode aceitar um pacto e outra não, gerando negociações cada vez mais intrincadas. Liberalismo total vale para os dois lados e tem um pé na anarquia pura e simples;

12. A única saída para as forças progressistas – do centro à esquerda – é buscar uma aliança com os setores democráticos do movimento e disputá-lo. Isso está sendo feito. Mais uma vez, a saída é a formação de uma frente pela queda dos preços e pela defesa da Petrobrás e do Estado como entes públicos;

13. Quanto aos acionistas da Petrobrás, liberalismo neles! O mercado acionário é de alto risco. Por que uma empresa pública tem de dar à malta rentista a garantia de ganhos constantes? Devem valer as regras: no risco, ganha-se ou perde-se, sem choro e nem rastejar de governos sabujos;

14. Por fim, a palavra de ordem “Fora Temer!” não parece ser a mais adequada para o momento. Por pior que seja, o golpista dá alguma previsibilidade ao processo eleitoral daqui até outubro. O foco poderia ser “Fora Parente” e a volta do papel da Petrobrás como motor do desenvolvimento nacional. Isso atinge a engrenagem central do golpe. Ou sua “raison d’être”, como dizem os elegantes.

 (A partir de uma conversa com o sempre irrequieto Artur Araújo)

Gilberto Maringoni – Professor do Bacharelado em Relações Internacionais (BRI). Membro corpo docente da Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais Universidade Federal do ABC (UFABC)

 

Gilberto Maringoni

Gilberto Maringoni de Oliveira é um jornalista, cartunista e professor universitário brasileiro. É professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, tendo lecionado também na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade Federal de São Paulo.

10 Comentários

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  1. Se é o mercado internacional que determina o preço…

    Segundo o Pedro Parente, assim como um padeiro, sozinho, não determina o preço do pãozinho, o qual é determinado pelos demais padeiros e pelos consumidores, o preço dos combustíveis no Brasil é determinado pelo mercado internacional. Ora, se o preço dos combustíveis no Brasil é determinado pelo mercado internacional, como é que os Fasci-Golpistas explicam que o preço do diesel hoje no Brasil, quando o preço do barril de petróleo é cerca de US$ 80,00, seja equivalente ao preço de 2008, corrigido, quando o preço do barril de petróleo era de US$ 140,00?

  2. A ESQUERDA PRESA EM CURITIBA CONTINUA DELIRANDO

     “Há um movimento nacional de massas, de dimensões inéditas e sem centro de comando claro, que está – oh, céus! – sendo encarniçadamente disputado por uma miríade de nuances políticas que vão da extrema direita à extrema esquerda.”

    Desculpa, seu Maringoni, mas não vi nenhuma bandeira do PT, PSOL, CUT ou qualquer outra organização de esquerda no meio do movimento. Pelo contrário, só vi alusão a Bolsonaro e intervenção militar. Se a esquerda está disputando hegemonia deste movimento, então isso deveria aparecer de alguma forma. A única coisa que eu vi foi a FUP com a greve de 2 dias. A FUP pendurou-se no movimento, não está integrada a ele.

    Agora se você tem dúvida, pega uma bandeira vermelha e vai até a beira da estrada onde eles estão pra ver o que acontece.

  3. Perda de tempo.

    Eu ia comentar, mas quando começo a ler um comentarista que escreve algo como, da direita a esquerda, colocando-se ele como se estivesse fora da disputa pela narrativa eu logo penso: não é um cara sério.

    Ninguém, eu repito, ninguém ou nenhum de nós conseguirá determinar um daignóstico correto dentro do olho do furação.

    A maior possibilidade de acerto analítico em questões desse naipe está diretamente ligada ao passar do tempo!

    O resto, o que todos nós fazemos aqui é disputar a narrativa dos fatos, como tentou dizer o autor do texto, mas cinicamente fazendo o mesmo e tentando nos dizer que susa análise está acima desse conflito.

    Conversa fiada.

    Agora, o pior de tudo, mas o pior de tudo mesmo é a recente(?) defesa de temer porque ele garanta alguma estabilidade para as eleições.

    Meu zeus, o que é isso????? Não dá para respeitar uma posição dessas…simplesmente não dá!

    Então, para não continuar minha perda de tempo (ou para evitar um sonoro palavrão) indico o texto do Wilson Ferreira: https://jornalggn.com.br/blog/wilson-ferreira/o-roteiro-da-greve-dos-caminhoneiros-um-filme-ja-visto-por-wilson-ferreira

     

    1. esse texto aí do Wilson

      esse texto aí do Wilson Ferreira é muito bom, pô, show de bola, não é por nada não, mas eu já venho falando isso desde o dia 24.. agora, além dessa trajetória pré traçada pelos golpistas, vejo aí a forte presença do imponderável.. eles arriscam bastante, flertam com o perigo.. acho que tem pelo menos uns 25% de chance do caldo entornar e o caos virar revolução.. lamento muitíssimo que a esquerda se negue a se preparar para esse cenário, enfim..

      1. Caro José,

        Grato pela sua atenção.

        Olha, eu acredito que o gênero humano se movimente com a seguinte lógica: acontece com todo mundo, menos comigo.

        O capitalismo e suas fraturas e reciclagens é exacerbação dessa noção caótica (aparentemente caótica, mas que guarda relação com nosso auto-proclamado sucesso evolutivo).

        Todas as vezes que eles “arriscaram”, ele ganharam, e quando perderam, sempre houve uma parcela dentre eles que não perdeu tanto assim.

        Isso não quer dizer que eu ache que é capitalismo e ponto final!

        Mas eles acreditam nisso, e pelo menos recentemente, eles têm certa razão.

        Por isso eles (no Brasil) imaginam que, qualquer que seja o resultado, até com Lula Livre e presidente, eles ganham!

        Quanto mais com a explosão de violência.

        O controle da pauta não é nosso, é deles, então…

      2. Se o caos virar revolução,

        Se o caos virar revolução, fique tranquilo: será uma revolução fascista.

        Explico minha ironia: a classe de caminhoneiros e as outras que apoiam oficialmente a greve são basicamente a nata do reacionarismo nacional. Se quiserem entornar o caldo, vai ser pra tomar conta do país, piorando consideravelmente a situação dessa republiqueta.

        E esqueça nosso delírio de esquerda nacional. Nunca existiu. Lula por exemplo, mesmo sendo de esquerda, está longe de ser revolucionário ou marxista. E ele é o maior expoente da esquerda no Brasil! Se existe uma esquerda no Brasil, ela é semelhante à nossa elite econômica: não passa de um 1%.

        O brasileiro médio é um ser de direita, retrógrado e com mentalidade colonial. Ele não quer digninade humana ou socialismo, ele quer dinheiro e revólver. Temos que aceitar nossa realidade: o Brasil, como sociedade progressista e justa, é um projeto para mais de 100 anos.

  4. eu espero, sinceramente,

    eu espero, sinceramente, torço, de coração, para que setores da esquerda consigam se aproximar do movimento, mas acho muito difícil..

    .. outra coisa, o movimento dos caminhoneiros é terrorista..

    .. podem até não gostar que fale isso, mas qual o resultado final de 15 dias de desabastecimento?

    Mais outra coisa, existe uma instrumentalização, não sei se a esquerda consegue romper isso, mas se analisarem os movimentos dos caminhoneiros e dos PM’s em 2017, encontrarão lideranças comuns, isso é muito, muito preocupante..

    Esse movimento tem potencial para desmembrar o país, porque mostra uma concentração muito grande fascistas no sul..

  5. Prefiro a analise do

    Prefiro a analise do Maringoni do que a do Fornazieri, que me parece um pouco afoito. Muita calma nessa hora. E se é fato que como em 2013, um movimento que é difuso e confuso está sendo disputado politicamente, é mais fato ainda que se naquele a Globo ganhou, neste de agora perdeu. Pelo menos por enquanto, já que a tentativa de jogar a opinião pública contra a greve fracassou, como vemos.

    Sendo assim, o momento é de cautela e analise como coloca o Maringoni. O que nós estamos vendo é a extrema-direita e os “sem ideologia” se estapeando com o tal centro (Globo incluída) e o golpismo temerista.

    Se alguns pregam intervenção militar, ou seja o golpe dentro do golpe, é preciso antes de ficar histérico, observar o comportamento das Forças Armadas, para saber do perigo real disso acontecer. Não vi aqueles linha-dura, tipo o Mourão falando nada. E os twiters do Vilas-Boas são protocolares

    Me parece que os militares que não querem governar. Porque isso exige não apenas colocar ordem no caos, com tanques na rua. Precisa adiminstrar um país desse tamanho. Os militares tinham um plano de governo em 64, e o colocaram em prática. 

    Por incrivel que parece a inércia favorece a esquerda. Se nada acontecer e as eleições se realizarem ganha alguém da oposição. E quando chegar a hora o pessoal vai ver que oposição mesmo é o PT e o Ciro. O “oposicionismo” do Bolsonaro e da Marina se desmancharam no ar.

    1. Os EUA, e não os Militares, tinham plano de governo em 64
      “COMETE O MESMO
      ERRO RECRUTA ZERO 28/02/2007 20:47 “(…)  Quando a instituição militar foi ou será forte sem o apoio econômico de grupos? Desde quando na história encontramos documentados, a caracterizar os militares como o poder maior que o própio estado? Aonde? Antes do conceito e formações dos países acontecerem, os exércitos sempre foram usados por grupos econômicos de poder, antes até mesmo, do início das formações dos estados territóriais no Séc. XVIII em diante.

      Portanto, essa turma de cultura do achismo deve sempre ter como resposta o silêncio, principalmente quando compromete o conceito de estado, ainda “NÃO” superado em nenhum lugar do plâneta terra! Até conseguirmos um avanço ou substituição do conceito de estado, temos que estudar os fatos e toda as suas variante e fenômenos envolvidos. São essas cabeças que realizam as tranformações complexa no processo civilizatório e nunca a maioria das pessoas comuns que vivem no falatório tendencioso, essas apenas tomam partidos e serão sempre usadas como massa de manobra de arquibancada.

      Nunca esqueça militar é conceito de formação de grupos a serviço do estado, conforme a sua cultura e intersse dominante do território estabelecido. Observem que não deixam de serem civis perante as leis, respondem criminalmente em dose dupla pela função de servidor público, apenas isso e nada mais, o resto é provocação e balela!

      Ninguém fala por nenhuma instituição de estado unilateralmete, somente o poder central, portanto quaisquer comentário de pessoas ou grupos são apenas de canalhas provocadores, não responda. Comete o mesmo erro, do post quando acusa apenas um lado da questão de estado, os funcionários militares sem incluir as variantes econômica gerenciadas pelo poder dos civis.”

       http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/02/374338.shtml

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