Carlos Lessa e o seu legado intelectual, por Rodrigo Medeiros

Carlos Lessa e o seu legado intelectual, por Rodrigo Medeiros

O falecimento de Carlos Lessa, ex-reitor e professor emérito da UFRJ, ocorreu no dia 5 de junho. Lessa foi um professor extraordinário e um orador brilhante. O professor deixou um legado de coragem e otimismo com a criatividade do povo brasileiro e as possibilidades do País. Carlos Lessa foi um economista diferenciado, popular, porém erudito em termos de conhecimentos históricos. O professor também participou do processo de redemocratização brasileira nos anos 1980, inclusive como formulador de propostas para um governo democrático. Ele foi também presidente do BNDES, na primeira metade do primeiro governo Lula (2003-2006).

Lessa pertenceu a uma geração de intelectuais brasileiros que se formou sob a influência da escola estruturalista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), com sede em Santiago, no Chile, e cujos destaques eram o argentino Raúl Prebisch e o brasileiro Celso Furtado. Dessa influência, pode-se dizer que surgiu o nacional-desenvolvimentismo, que concebia o processo de desenvolvimento do país a partir do tripé: capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro. Desse tripé nacional-desenvolvimentista, o capital privado nacional se revelou a “perna fraca” da divisão de trabalho pelo desenvolvimento brasileiro.

Em seu clássico livro “Quinze anos de política econômica”, de 1982, o professor Lessa abordou o período do pós-guerra, entre 1948 e 1963. Ainda na introdução do clássico, o professor afirmou que “às profundas transformações na estrutura do aparelho produtivo não corresponderam mudanças acentuadas no aparato institucional”. Juscelino Kubitschek utilizou-se da “administração paralela”, indireta, para planejar e executar o Programa de Metas (1956-1951). O presidente bossa-nova buscou soluções de caráter pragmático para fazer os 50 anos em 5. Ajustes posteriores dos desequilíbrios provocados pela arrancada desenvolvimentista cairiam no colo do seu sucessor. Nesse sentido, o Plano Trienal, elaborado por Celso Furtado, representou a última tentativa qualificada de preparar o terreno para reformas em um próximo ciclo eleitoral, em 1965.

Carlos Lessa abordou aqueles desequilíbrios estruturais como reflexos dos desajustes institucionais e instrumentais da política econômica. As discussões emergentes de então sobre as reformas de base visavam abordar esses desequilíbrios. Segundo ponderou o professor, “os desajustes entre uma estrutura produtiva cada vez mais capitalista e um inadequado mecanismo de financiamento, resultam em pressões encadeadas sobre o sistema monetário, que funciona desse modo como caixa de ressonância no processo inflacionário”. O Brasil viveria posteriormente o seu processo de “fuga para frente” durante o período autoritário, com crescimento econômico, socialização de prejuízos e com desigualdade social extrema.

O professor Carlos Lessa era um otimista com a criatividade do povo brasileiro. Leitor atento dos intérpretes do Brasil, Lessa gostava de citar o potencial “antropofágico” da população. Seu nacionalismo nunca foi xenófobo. Cabia ao Brasil, segundo o professor, dar uma contribuição civilizatória ao mundo. Receptividade ao diferente, alegria no enfrentamento das adversidades do cotidiano, cultura pujante, “antropofágica” e mestiça eram alguns ingredientes dessa contribuição brasileira. O professor passou boa parte da década de 1990 em uma cruzada pela recuperação da autoestima nacional. Ele acreditava que o novo processo de desenvolvimento brasileiro passaria por essa questão, afinal, desenvolvimento se faz com o povo, mobilizando recursos e vontades nacionais. Leitor atento dos intelectuais do extinto Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), o professor Lessa sabia que sem ideologia do desenvolvimento não há desenvolvimento.

O carioca Carlos Lessa, falecido aos 83 anos, deixará muitas saudades e um importante legado intelectual. Sua obra é vasta e merece ser visitada por todos aqueles interessados e apaixonados pelo Brasil. O professor formou gerações que puderam presenciar o seu brilhantismo, o seu vigor intelectual e a sua enorme paixão pelo Brasil.

Rodrigo Medeiros

Rodrigo Medeiros

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