Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Caso Banestado 2. Conversa incompleta com o delegado Castilho, por Armando Coelho Neto

Os ministros Fachin e Barroso sentenciaram que o crime de lavagem de dinheiro, na modalidade “ocultar”, tem natureza de crime permanente. Foi no processo de Maluf, quando a alegada prescrição foi rejeitada. Conclusão: o Caso Banestado pode ser, sim reaberto.

Caso Banestado 2. Conversa incompleta com o delegado Castilho

por Armando Rodrigues Coelho Neto

O Caso Banestado tem origem numa tal Conta CC5, que é uma roubalheira que completa 50 anos. Nasceu por volta de 1970, quando o Banco Central do Brasil, em 1969, por meio de uma Carta Circula 5 (CC5), criou conta especial, no Brasil, para brasileiros que moravam no exterior.

Quando o titular voltava ao Brasil, poderia depositar dinheiro em moeda nacional. Retornando ao exterior, poderia sacar dinheiro em qualquer moeda estrangeira, tudo dentro da lei. Passado um tempo, foi permitido que outras pessoas, devidamente identificadas, pudessem depositar dinheiro paro o dono da conta lá fora.

Aí virou bandalha. Bilhões de dólares produto da corrupção, contrabando, tráfico de drogas, prostituição, terrorismo, venda de órgãos, tráfico de mulheres e crianças, abortos clandestinos, sonegação fiscal, turismo sexual, venda de sentença, consultas médicas com e sem recibo, notas calçadas… se foram pelas CC5.

Para frear, em 1996, os depósitos foram limitados a 10 mil reais, mas as remessas ilegais continuaram. Como o Caso Banestado escancarou a safadeza, em 2005, o governo decidiu que para enviar dinheiro era preciso um contrato de câmbio com uma instituição financeira. Dificultou, mas não resolveu.

Os bilhões resultantes das atividades ilícitas acima expostas tiveram como destino principal a agência Banco do Estado do Paraná (Banestado) em Nova York. Em conluio com doleiros americanos, o dinheiro ia para paraísos fiscais e lá permanecia ou retornava até como supostos investimentos estrangeiros.

Sob o título “Banestado. Caro mesmo eram os 200 dólares pagos ao delegado”, publiquei neste GGN um texto sobre o assunto. Falei de crimes não prescritos sem me estender sobre o tema, para não sufocar o leitor com muitas informações, em tempos de tuitadas e textões de bons autores onde já se disse tudo sobre tudo.

Mas, troquei umas ideias com o delegado federal José Castilho Neto, que teve atuação profícua no caso. Curiosamente, ele retomou justamente a questão dos crimes não prescritos. Como esse não é um site jurídico, preciso explicar ao leitor pouco afeto ao tema algo chamado crime permanente.

Diz-se que o crime é permanente quando sua ação perdura no tempo. Seus exemplos mais fáceis de entender são o sequestro e o cárcere privado. Enquanto a vítima estiver com o criminoso, o crime está ocorrendo. Assim, dinheiro fruto da corrupção sobrevive enquanto o dinheiro estiver com o ladrão ou seu representante.

Nesse sentido, para o meu colega Castilho, valeria a pena retomar o rastreamento internacional dos bilhões roubados do país, já documentados no laudo pericial financeiro 675/2002, vinculado ao inquérito policial 207/98, conhecido como inquérito mãe do caso Banestado. Ou seja, a investigação principal.

Também na visão dele, o pedido de retomada poderia se basear no princípio da indisponibilidade da ação penal pública, tendo em vista que ainda existe numerário oculto das remessas feitas por meio das contas CC5. Dinheiro não evapora, muda de bolso, muda de conta, pode até ser lavado e ganhar aparência legal.

Como assim? Explico: sabe aquele restaurante nobre, vazio que vive às moscas, sem clientes, mas que não fecha nunca? É que a função dele não é vender comida. O dinheiro é depositado na conta dele como se fosse produto do trabalho. É assim que o dinheiro que nunca entrou aparece no imposto de renda dele. Se, claro!

Sabe aquele “investidor estrangeiro” que compra título do tesouro nacional? Então, muitos deles se tornam credores do governo, com dinheiro sujo roubado. Aliás, muitos credores desse Brasil coitado são na verdade devedores e os juros pagos a ele saem do bolso do trabalhador que paga imposto em tudo que compra.

Volto ao crime permanente concordando com o delegado Castilho. Os crimes de lavagem de dinheiro iniciados entre 1998 e 1999 ainda estão em andamento. Tecnicamente, pode-se afirmar que são crimes permanentes, que só prescrevem quando cessa a permanência. Aliás, é essa a orientação do STF.

Aqui, também para o leitor comum é bom dar ideia de crime instantâneo de efeitos permanentes. O exemplo clássico é fraudar aposentadoria. O pedido em si já é um crime instantâneo, mas enquanto o fraudador permanecer recebendo, o crime se torna permanente, embora a primeira ação tenha ocorrido bem lá atrás.

Desse modo, com robustas decisões dos tribunais e da doutrina, a especialista em Direito Penal Ana Paula Kosak diz que a lavagem de dinheiro, via atos de ocultar ou dissimular, são ações instantâneas, e a manutenção dessa qualidade é simples desdobramento da conduta inicial. É crime instantâneo de efeitos permanentes.

Em 17/05/2019, o ministro Ricardo Lewandowski disse: “Enquanto os bens ou valores encontrarem-se escondidos ou camuflados por obra do agente, a consumação do delito projeta-se no tempo, pois remanesce íntegra a agressão ao objeto jurídico protegido pelo legislador, em especial a administração da justiça”.

Desse modo, a viabilidade da investigação é absolutamente admissível, “pois, diferentemente das remessas feita via dólar-cabo, as remessas feitas via CC5 são completamente rastreáveis, desde a conta inicial em território nacional até a conta final de empresas ‘offshores’ em paraísos fiscais”, assegura o delegado Castilho.

Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso sentenciaram que o crime de lavagem de dinheiro, na modalidade “ocultar”, tem natureza de crime permanente. Foi no processo do ex-deputado federal Paulo Maluf, quando a alegada prescrição foi rejeitada. Conclusão: o Caso Banestado pode ser, sim reaberto.

Cabe reafirmar que nem todo dinheiro enviado por contas CC5 para o exterior se deu de forma ilegal ou é produto de crime. Pode inclusive haver homônimos, mas no dossiê Banestado consta, em valor desatualizado, o envio de R$ 1.646.588,69. Remetentes Luís Roberto Barroso, com CEP 22620-350 (Tijuca/Rio de Janeiro).

Repito: não faço parte do discurso autorizado pelas elites nacionais para dizer nada. Sou mero palpiteiro. Já Bonner, Moro, esses sim são expoentes credenciados. Assim, é possível que o que dizem o delegado Castilho e procurador Celso Três tenham o mesmo peso das denúncias feitas pelo The Intercept. Deram em quê?

O viés moralista que norteou o golpe de 2016 e a fraude eleitoral de 2018 é mais podre e aterrorizante do que se possa imaginar. Minha conversa com o delegado Castilho ficou incompleta, e já não sei se vale a pena chafurdar no dossiê CC5 a capivara das elites brasileiras, que a todo custo quer provar que o corrupto sou eu…

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalistas, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

4 Comentários

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  1. O petismo tinha a faca e o queijo na mão para esfregar na cara da elite e oligarquia Patropi toda essa patifaria, porém, se omitiu e pagou o pato da corrupçao sozinho.

    Isso é masoquismo ou conveniência!!!

  2. Muito bom!
    Informação importante para os que querem saber a verdade!
    Não podemos ter mais dúvidas que a verdadeira ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA É A DOS TUCANOS X EXJUIZECOLADRÃO X REDE GLOBOSTA!

    ESSA É FORTE: …”mas no dossiê Banestado consta, em valor desatualizado, o envio de R$ 1.646.588,69. Remetentes Luís Roberto Barroso, com CEP 22620-350 (Tijuca/Rio de Janeiro)”….

    EU ACREDITO:

    …”o que dizem o delegado Castilho e procurador Celso Três tenham o mesmo peso das denúncias feitas pelo The Intercept.” …

    ESPERO outros tantos textos assim: elucidativos!

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