Celso Amorim: independência da diplomacia brasileira ajudou a “pensar o impensável”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Obama fez por merecer o Nobel da Paz

Por Celso Amorim

Na CartaCapital

O que as negociações entre os países membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha e o Irã; o clamor dos parlamentos europeus pelo reconhecimento do Estado da Palestina; e o restabelecimento dos contatos diplomáticos formais entre os Estados Unidos e Cuba têm em comum? Resposta: todas essas ações vão no mesmo sentido de iniciativas diplomáticas dos governos Lula e Dilma, duramente criticadas pela mídia brasileira. Desnecessário recordar a ira com que foi recebida a Declaração de Teerã, erradamente vista como um gesto de complacência com o regime dos aiatolás e de contestação a Washington. O reconhecimento do Estado Palestino, em um momento em que as negociações de paz estavam paralisadas em decorrência da decisão israelense de permitir novas construções em Jerusalém Oriental, foi vista por muitos como evidência de atitude hostil a Israel. Críticas semelhantes foram levantadas em relação às medidas de aproximação com Cuba, especialmente ao financiamento à construção do porto de Mariel. Poucos perceberam, até muito recentemente, que, além de colocar as empresas brasileiras em posição vantajosa, no momento em que a economia cubana se abrisse de verdade para o mundo, ajudar Havana a ter um porto de grande dimensão era também um incentivo à maior integração da Ilha no comércio internacional.

No final de 2010, fui portador de uma carta do presidente Lula a Raúl Castro, que continha duas mensagens essenciais. Uma delas tratava da globalização econômica: um fenômeno cujos excessos deveriam ser certamente corrigidos, mas um processo em si mesmo inexorável. O Brasil se declarava disposto a ajudar Cuba a inserir-se de modo positivo na economia mundial. Mariel era parte desse quadro e por essa razão, entre outras, tinha o apoio político do governo brasileiro. Naquele momento de mudanças, o Brasil ofereceu-se também para transmitir sua experiência em programas de apoio à pequena e média empresa, inclusive como forma de amortecer as tensões sociais que poderiam advir da reforma da máquina estatal cubana na direção de um sistema mais voltado para o mercado.

A outra mensagem consistia, em tom respeitoso da soberania cubana, a estimular que o processo de reformas chegasse também ao campo político, especialmente na dimensão relativa ao tratamento dos direitos humanos. Sugeri, na longa conversa que tive com Raúl, que Cuba se abrisse ao diálogo com as instituições ligadas à ONU que se ocupam do tema. Posso dizer que fui ouvido com atenção e interesse pelo presidente cubano. Curiosamente, nesse contexto, ele tomou a iniciativa de mencionar a situação do cidadão norte-americano Alan Gross, preso por espionagem e cujo julgamento – temia-se – poderia levar à pena capital. Raúl nada propôs de concreto, mas o simples fato de levantar tema tão delicado me pareceu significativo. Haveria ali um convite para algum tipo de mediação (algo que o governo cubano sempre descartou, por considerar que as relações com os Estados Unidos constituíam tema essencialmente bilateral)? Nunca tive a oportunidade de conferir.

O reatamento diplomático entre Washington e Havana, que – esperamos todos – levará ao fim do anacrônico e injusto embargo – tem sido corretamente saudado como um fato histórico, que põe fim ao último resquício da Guerra Fria. Tanto Barack Obama quanto Raúl Castro merecem ser louvados pela atitude corajosa, que quebrou paradigmas e preconceitos de ambos os lados. Raúl e Obama se tornaram merecedores do Prêmio Nobel da Paz, da mesma forma que outras duplas de estadistas, que contribuíram para a solução pacífica de conflitos aparentemente insuperáveis. Ambos “pensaram o impensável”. Esperamos que a mesma atitude de engajamento, em vez de confrontação, prevaleça em relação a outras disputas que ameaçam a Paz Mundial, como a relativa ao programa nuclear iraniano e ao conflito árabe israelense.

A propósito das incompreensões em relação a nossas iniciativas, recordo um diálogo que tive com Bill Richardson, ex-governador democrata do Novo México e posteriormente pré-candidato a presidente dos Estados Unidos. Éramos, Richardson e eu, embaixadores junto às Nações Unidas e o Brasil servia como membro não permanente do Conselho de Segurança. Lembrando uma conversa que tivera anos antes com o então Assessor de Segurança Nacional, Tony Lake, disse-lhe que o bom aliado não é o que diz sempre sim, mas aquele que, partindo de valores idênticos ou similares, é capaz de discordar e – dessa forma – contribuir para uma visão mais ampla de determinada situação (na época, 1999, discutíamos o Iraque). Richardson, a quem não faltava bom humor, por vezes com uma ponta de cinismo, não titubeou: “É, mas eu acho que nós preferimos aqueles que dizem sempre sim”. Muitos dos críticos da atual política externa brasileira prefeririam que disséssemos sempre sim. O que eles não percebem é que, ao agir com independência, sem fugir a seus valores, a diplomacia brasileira ajuda a formar visões que, por vezes – como agora –, se concretizam.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

13 Comentários

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  1. Linha partida

    Celso Amorim ainda deve explicações sobre os “dedos queimados” evocados por ele no rescaldo da Declaração de Teerã pouco antes do toque de retirada geral da diplomacia brasileira das negociações com o Irã e em seguida de todas as frentes.

    A que classe de pressões fomos submetidos e por quem, com que nos ameaçaram, que ganhamos em troca de enfiar a viola no saco? Em que medida essas pressões e ameaças mantidas em segredo influenciaram toda a nossa política externa desde então?

  2. Infelizmente é mero discurso

    Infelizmente é mero discurso vazio. O BRASIL ESTEVE COMPLETAMENTE POR FORA DESSA AÇÃO. Os EUA não tiveram a gentileza de avisar o Brasil, maior Pais latino americano e que deveria ser o MEDIADOR dessa demarche, não o Vaticano, o Brasil tem massa critica para ser ATOR de primeira grandeza e não anão diplomatico.

    Mas o BRASIL por causa de uma politica externa IDEOLOGICA perde todas as condições de mediação, o Brasil não opera na REALPOLIK, opera na politica externa do companheirismo ideologico, o que torna nossa diplomacia  mera extensão de uma igrejinha demagogica fracassada, não tem neutralidade como intermediario, nossa DIPLOMACIA TEM LADO e o Ministro Amorim é um dos autores dessa cartilha que só deu prejuizos ao Brasil.

    1. Sei que não é bom fazer

      Sei que não é bom fazer comentários ad hominen e afins, mas todos os textos/comentários que eu já vi desse cara aqui (coincidência ou não, pois não vejo com frequência o site mas todos os textos sobre EUA era o mesmo bla bla bla) só falta mostrar aquela foto do puxassaco que sai na radiografia segurando o do Patrão, no caso os EUA.

      Eu já vi amaericanófilo antes, mas esse superou até o Constantã e o Olavo Sidi Muhammad de Carvalho. Nem os norte-americanos que eu conheço adulam (a maioria critica ou tem uma visão crítica do país deles) o país deles dessa forma, hahahahahaha.

    2. Motta, agora quem não

      Motta, agora quem não entendeu lufas o que se passou foste tu e a maior parte da imprensa. A mediação do Vaticano foi uma forma do Obama de reatar relações com Cuba colocando muitas pessoas que eram contra sem poder falar muito.

      Lembrebrem-se todos que a maior parte da comunidade Cubana em Miami são católicos, principalmente os mais velhos, e pessoas mais velhas quando veem a vida no fim geralmente se apegam a religião, logo indo a igreja todos os domingos, se confessando e toamando comunhão, fica meio difícil contrariar o Papa, e principalmente um Papa que fal espanhol.

      A Santa-Sé, por dever de ofício, envia cartas para países em conflito exortando os mesmos a paz, talvez se houvesse um contador de cartas enviadas por todos os Papas se veria que isto é uma sistemática que provavelmente se intensificou após a ida de Bento XVI a Cuba.

      Tem mais outra, tanto Fidel como Raul estudaram em um colégio jesuita, que por um acaso é a mesma ordem do Papa Francisco (o primeiro Papa jesuíta da história).

      Todos os últimos presidentes norte-americanos sabiam que as relações diplomáticas deveriam ser reatadas, porém sempre havia o risco de perder votos na Flórida, e nada melhor do que seguir uma proposta do Papa para minimizar a perda de votos nos católicos norte-americanos.

      Pode contar, se em algum dia for permitido a existência de escolas confessionais em Cuba, certamente começará com uma escola católica e da ordem dos jesuítas!

  3. O melhor ministro das relações exteriores

    …que tivemos! O Brasil de Lula teve, sim, uma política externa ousada e muito bem sucedida. Dizer que não é tentar tapar o sol com a peneira. Com Dilma, a coisa patinou ao tempo de Patriota, mas depois tomou o rumo certo. Esse foi um dos maiores feitos do PT: a adoção de uma política externa de não alinhamento automático aos EUA, com a disposição de funcinar como protagonista, de dizer a que veio. Esses comentaristas babacas que agora criticam nossa política externa, mas apoiam a iniciativa de Obama, nunca conseguirão admitir que estivemos na vanguarda e que Mariel, usado de forma ideológica e vil durante a campanha eleitoral, foi um acerto confirmado pelo desenrolar dos fatos.  

     

  4. Discordo do Nobel de Obama.

    Nunca fizeram nada de graça e nunca farão os EUA. Não chegaram a ser o que são por serem ingênuos. Só os patetas colonizados deixam de ver o sentido histórico. O contexto internacional do qual o Brasil foi e está sendo jogador ativo ajudou a chegar em algo que já não tinha nenhum sentido faz muito tempo, se é que algum dia teve. Porto de Mariel, Canal da Nicarágua, Unasul fazendo a OEA perder importância para os países sulamericanos, Banco dos BRICS, ofensiva na Ucrânia, isolamento dos EUA (e Israel) na ONU sobre a questão de Cuba, aproximação mais intensa da China (e Russia) aos países sulamericanos, mudanças no comercio mundial e nos rumos da globalização, bolhas economicas se desfazendo em periodos mais curtos, etc. Vai longe a lista. Só quem ainda vive a bipolaridade da Guerra Fria do Século XX não consegue ver isso. O mundo muda, tudo muda, mas discordo que Obama mereça algum Nobel. A se medir os pratos da balança, ainda ficou devendo muito. 

  5. Bom artigo. Mas se a intenção

    Bom artigo. Mas se a intenção foi informar o grande público, faltou informação. Se a intenção foi esclarecer aqueles que só enxergam o alinhamento do tipo ou está com os EEUU ou está contra, perda de tempo.

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