Com a direita no poder, a velha luta de classes está escrachada, por Eleonora de Lucena

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Repórter especial da Folha, a jornalista Eleonora de Lucena sustenta, em artigo publicado pelo jornal nesta terça (26), que a tomada do poder por um grupo político que representa os interesses das elites econômicas escancara a “velha luta de classes”, pois retirar direitos conquistados nos últimos anos não será tão fácil quanto faz parecer a gestão do interino Michel Temer (PMDB).

“O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência”, escreveu.

Para Eleonora, a esquerda “precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento. A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.”

Por Eleonora de Lucena

Escracho

Na Folha

A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.

Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.

Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social geram lucros.

Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.

Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.

Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.
Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.

Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.

O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.

O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.

Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.

Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.

A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.

ELEONORA DE LUCENA, 58, jornalista, é repórter especial da Folha. Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010, escreve livro sobre Carlos Lamarca
 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

12 Comentários

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  1. Apreço pela biografia

    A corajosa e digna Eleonora de Lucena tem apreço pela sua biografia, não se omitiu dentro da própria Folha. Hora dessas, Otavinho está parindo colorido. Esse artigo de hoje está bombando nas redes sociais. 

  2. Reflexoes

    Precisas e preciosas reflexões de Eleonora de Lucena. Admirável saber que que tem origem neste despudorado pasquim paulistano, envolvido nas mais profundas tramoias golpistas  em curso. Ato de diversionismo ? Novos rumos? Reconciliação com o jornalismo antes de findar?

  3. Se isso que tomou o poder

    Se isso que tomou o poder foram os RICOS…

    Tenho que concluir: RICO É BURRO!

    Ter dinheiro, pragmatismo e esperteza não lhes conferiu inteligência…

    Por enquanto os SONEGADORES DO CART SE DERAM BEM…

  4. A esquerda está ocupada em

    A esquerda está ocupada em fazer discurso contra funcionário público concursado de médio escalão, enquanto o Temer se apossa dos cargos comissionados e de livre provimento político. 

    Na ação só nos resta Erundina e Suplicy.

  5. Ou o povo vira o país de
    Ou o povo vira o país de cabeça para baixo,
    Ou aceitao eterno papel de gado de corte, não há meio termo nesse momento.

  6. Alberto Villas, pelo Facebook

    Alberto Villas – 1 h · 

    Gostaria de saber o que um Merval Pereira, um Nelson Motta, um Fernando Gabeira, um Ferreira Gullar, um Augusto Nunes, um Reinaldo Azevedo pensam quando lêem um artigo assim, como o da Eleonora de Lucena, hoje na Folha.

     

  7. “Não vai ser um passeio a

    “Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. “

    Não vai ser não… Já É.

    Nosso povo bovino está muito feliz, ruminando e vibrnando com o fim do país !!!

    Povo de caráter Frco !!! Ainda esá sofrendo pouco perto do que merce !!!

  8. Não sou de elogiar a Folha
    Mas esse artigo de Eleonora é um tijolaço na mídia coxinha.

    Acho que terá pouco efeito prático. Seria como dizer ao Fernandinho Beira-Mar que o que ele faz é muito feio. Para ele, como para Otavinho, esse tipo de crítica não muda nada.

    O ponto é que ela tem razão: a elite suicida porque iletrada e gananciosa, e que nunca percebeu o Brasil como uma nação, levará o país à morte.

  9. Um resumão da tolice de nossa burguesia.
    Mais um texto para se guardar e mostrar aos mais desavisados.Um resumão da tolice de nossa burguesia.

    E eu que estava procurando uma alcunha para a dupla Temer-Serra e a nobre jornalista me apresenta esta: “grupos fossilizados de oligarquias regionais”. Sem mais.

     

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