Com delação premiada e pena negociada, Direito Penal também é lavado a jato

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa

No Consultor Jurídico

A “barganha e a justiça criminal negocial”, como manifestações dos espaços de consenso no processo penal, vem (pre)ocupando cada vez mais os estudiosos, mas também os atores judiciários. A tendência de expansão é evidente, resta saber que rumo será tomado, se seguirá o viés de influência do modelo norte-americano da plea bargaining; o italiano do patteggiamento; o prático-forense alemão (cuja implantação evidenciou o conflito do law in action com o law in books). Ampliaremos o tímido (mas crescente) modelo brasileiro introduzido pela Lei 9099/95  (transação penal e suspensão condicional) até chegar na Lei 12.850/13 e a colaboração premiada. Que rumo tomar? Quais os limites? Que vantagens e inconvenientes isso representa? São questões importantes a serem ponderadas.

A expansão dos espaços de consenso decorre de fatores utilitaristas e eficientistas, sem falar na evidente incompatibilidade com o Princípio da Necessidade (nulla poena sine iudicio), mas é uma realidade que se impõe diante da insuficiência estrutural do poder judiciário (sustentam os defensores do viés expansionista). Mas a aceleração procedimental pode ser levada ao extremo de termos uma pena sem processo e sem juiz? Sim, pois a garantia do juiz pode ficar reduzida ao papel de mero ‘homologador’ do acordo, muitas vezes feito às portas do tribunal (nos Estados Unidos, acordos assim superam 90% dos meios de resolução de casos penais).

A negotiation viola desde logo o pressuposto fundamental da jurisdição, pois a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. Isso significa uma inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser dominada pelo tribunal, que erroneamente limita­se a homologar o resultado do acordo entre o acusado e o promotor. Não sem razão, afirma-se que o promotor é o juiz às portas do tribunal.

O pacto no processo penal pode se constituir em um perverso intercâmbio, que transforma a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança. O furor negociador da acusação pode levar à perversão burocrática, em que a parte passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar‑se em uma complexa e burocrática guerra.

Tudo é mais difícil para quem não está disposto ao “negócio”.

O acusador público, disposto a constranger e obter o pacto a qualquer preço, utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão, solicitando altas penas e pleiteando o reconhecimento de figuras mais graves do delito, ainda que sem o menor fundamento.

A tal ponto pode chegar a degeneração do sistema que, de forma clara e inequívoca, o saber e a razão são substituídos pelo poder atribuído ao Ministério Público. O processo, ao final, é transformado em um luxo reservado a quem estiver disposto a enfrentar seus custos e riscos, conforme a doutrina de Ferrajoli.

A superioridade do acusador público, acrescida do poder de transigir, faz com que as pressões psicológicas e as coações sejam uma prática normal, para compelir o acusado a aceitar o acordo e também a “segurança” do mal menor de admitir uma culpa, ainda que inexistente. Os acusados que se recusam a aceitar a delação ou negociação são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesarão todo o rigor do direito penal ‘tradicional’, onde qualquer pena acima de 4 anos impede a substituição e, acima de 8 anos, impõe o regime fechado.

O panorama é ainda mais assustador quando, ao lado da acusação, está um juiz pouco disposto a levar o processo até o final, quiçá mais interessado que o próprio promotor em que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível. Quando as pautas estão cheias e o sistema passa a valorar mais o juiz pela sua produção quantitativa do que pela qualidade de suas decisões, o processo assume sua face mais nefasta e cruel. É a lógica do tempo curto atropelando as garantias fundamentais em nome de uma maior eficiência.

No Brasil, a tendência de expansão é evidente e a preocupação, crescente. Dos limites tímidos da transação penal e suspensão condicional do processo, caímos no outro extremo: o amorfismo da colaboração (leia-se: delação) premiada e a Lei 12.850/13.

Essa semana foi noticiada uma sentença penal condenatória na operação “lava a jato” em que alguém — beneficiado pela delação premiada (ou seja, pena negociada) — é condenado a 15 anos e 10 meses em regime de “reclusão doméstica” ou “prisão domiciliar”. Depois vem um regime “semiaberto diferenciado”(??) e uma progressão para o regime aberto após dois anos. Tudo isso sob o olhar atônito do Código Penal, que não se reconhece nessa ‘execução penal a la carte’.

Mas isso é outro Direito Penal? Com certeza. E outro processo penal também.

Mas o que é esse “outro”? A serviço de quê(m) ele está? Quais seus limites de incidência? Por mais que se admita que o acordo sobre a pena seja uma tendência mundial e inafastável, (mais) uma questão que preocupa muito é: onde estão essas regras e limites na lei? Onde está o princípio da legalidade? Reserva de lei? Será que não estamos indo no sentido negociação, mas abrindo mão de regras legais claras, para cair no erro do decisionismo e na ampliação dos espaços indevidos da discricionariedade judicial? Ou ainda, na ampliação dos espaços discricionários impróprios do Ministério Público? Fico preocupado, não apenas com banalização da delação premiada, mas com a ausência de limites claros e precisos acerca da negociação. É evidente que a Lei 12.850/13 não tem suficiência regradora e estamos longe de uma definição clara e precisa acerca dos limites negociais.

A delação premiada, enquanto forma de consenso sobre a pena, precisa ser objeto de uma problematização muito mais complexa (para além da simples recusa, pois ela está aí), como por exemplo:

a) Quais os limites quantitativos e qualitativos acerca da pena? Como fixar uma pena de 15 anos em regime de prisão domiciliar? E as penas acessórias? Qual o critério para fixação dos valores (milionários) a serem restituídos (ou pena pecuniária)?

b) Até que momento pode ser efetivada? Apenas na fase pré-processual? Após a denúncia mas antes da instrução? A qualquer momento (então não haverá a aceleração procedimental característica)?

c) Que consequências procedimentais ela gera em termos de aceleração e limitação da cognição?

d) Uma vez feita, mas por qualquer motivo não efetivada ou descumprida, como vamos lidar com a confissão já realizada? E o pré-julgamento, como fica? O juiz que teve contato com a confissão/delação deve ser afastado ou continuaremos com a ilusão de que não há quebra da imparcialidade, de que o juiz pode dar um rewind e deletar o que ouviu, viu e leu?

e) Nos casos penais de competência do tribunal do júri, como se dará o julgamento? Haverá júri e os jurados poderão não homologar a delação? E a íntima convicção, como fica? Haverá quesitação sobre a delação? Ou com a negociação usurparemos a competência do júri?

f) Havendo assistente da acusação, poderá se opor a negociação sobre a pena? Qual o espaço da vítima no ritual negocial? Ela poderá estabelecer ‘condições’ ou será ignorada (como ocorre na transação penal oferecida pelo Ministério Público nas ações penais de iniciativa privada)?

g) Existe um “direito” do imputado ao acordo ou ele é um poder discricionário do Ministério Público?

h) Qual o nível e dimensão de controle jurisdicional feito? Qual o papel do juiz no espaço negocial sem que ele deixe de ser ‘juiz’ (ou seja, imparcial)?

Muitas são as perguntas não respondidas pelo sistema jurídico brasileiro, chegando-se a uma elasticidade absurda (e decisionismo igualmente absurdo) de fixar uma pena de 15 anos de reclusão a ser cumprida em regime de recolhimento domiciliar, absolutamente fora de tudo o quem temos no Código Penal brasileiro.

Mas, antes de pensarmos que ‘legislar’ é a solução para tudo isso, faço mais um questionamento: já foi elaborado um sério e profundo ‘estudo de impacto carcerário’ da expansão do espaço negocial? A expansão da possibilidade de concretização antecipada do poder de punir por meio do reconhecimento consentido da culpabilidade, não representará um aumento significativo da nossa já inchada população carcerária? Como o sistema carcerário sucateado e medieval que temos irá lidar com isso? Pois é, parece que mais uma vez legislaremos primeiro, para ver o que vai ocorrer depois…

Dessarte, estamos entrando — sem muito rumo ou prumo — em terreno minado, (em grande parte) desconhecido e muito perigoso para o processo penal democrático e constitucional.

 

Aury Lopes Jr é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.

Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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  1.  http://emporiododireito.com.

     http://emporiododireito.com.br/para-entender-a-logica-do-juiz-moro-na-lava-jato-por-alexandre-morais-da-rosa-2/

    Para entender a lógica do Juiz Moro na Lava Jato – Por Alexandre Morais da Rosa

    Alexandre Morais da RosaColunas e ArtigosHot Empório  

    Por Alexandre Morais da Rosa – 07/03/2015

    O Juiz

    As tentativas de desacreditar o juiz Sergio Fernando Moro em face de seus vínculos familiares e pretensões ocultas não são republicanas. Algumas matérias beiram o sensacionalismo. Moro passou no concurso público para juiz federal, trilhou sua carreira e conta com inamovibilidade e garantias que todos os magistrados em uma democracia precisam ter. O que podemos discutir são as premissas do seu modo de pensar e também suas decisões. Resvalar para sugestões de bastidores é complicado, até porque existem as exceções de suspeição e impedimento que pode(ria)m ser opostas pelos acusados. Além do que, Moro é Professor de Processo Penal na UFPR, tendo sido juiz convocado no STF. Lamentavelmente, no Brasil, quando a compreensão do magistrado é diversa da nossa, muitas vezes, ao invés de discutirmos o conteúdo, parte-se para as qualidades do personagem.

    Este breve artigo pretende demonstrar que Sergio Fernando Moro é coerente com o que pensa no tocante aos pressupostos de aplicação do Direito Penal e Processual Penal. Embora o subscritor pense profundamente diferente em muitos pontos, não pode deixar de reconhecer a sofisticação da abordagem de Moro e também sublinhar que os textos e decisões que publicou no decorrer de sua vida, como juiz e professor, mostram sua coerência teórica.

    O contexto de corrupção no Brasil

    A corrupção e os desmandos no Brasil não são novidade. Boa parte da magistratura brasileira está preocupada com a situação e pretende, de bom grado, realizar a Justiça Social, tendo o foco no combate à corrupção. Em artigo reproduzido pela CONJUR, denominado Considerações sobre a Operação Mani Pulite, em 2004, Moro discorreu sobre os erros e acertos da operação mãos limpas na Itália, sublinhando que “é impossível não reconhecer o brilho, com as limitações, da operação mani pulite, não havendo registro de algo similar em outros países, mesmo no Brasil. No Brasil, encontram-se presentes várias das condições institucionais necessárias para a realização de ação judicial semelhante.” Daí que se pode perceber a sua legítima vontade de dotar o Poder Judiciário de mecanismos aptos ao combate mais rigoroso contra a corrupção. Sua atuação, então, tem sido marcada pela construção de mecanismos legais e compreensões teóricas capazes de proporcionar um combate sério à corrupção. Já que, diz Moro, “a gravidade da constatação é que a corrupção tende a espalhar-se enquanto não encontrar barreiras eficazes. (…) um ambiente viciado tende a reduzir os custos morais da corrupção, uma vez que o corrupto costuma enxergar o seu comportamento como um padrão e não a exceção.” Não parece, portanto, ilegítima a pretensão de Moro em combater a corrupção, tendo em vista o resgate da legitimidade do Estado Democrático de Direito e do Sistema Judicial.

    Os mecanismos processuais

    O processo penal brasileiro e sua leitura constitucionalizada é um caos na doutrina e jurisprudência. Não se sabe, ao certo, quais são os limites aplicáveis, por exemplo, da presunção de inocência e do direito de não produzir prova contra si mesmo. Assim é que Moro, a partir do direito comparado, especialmente o dos EUA, promoveu a construção de seu sistema de aplicação do direito. Tanto assim que em artigo denominado “Colheita compulsória de material biológico para exame genético em casos criminais” (Revista dos Tribunais n. 853, novembro de 2006, p. 429-441), de maneira sofisticada, disse que “é possível concluir que não há base normativa no Direito Brasileiro para um pretenso direito genérico de não produzir prova contra si mesmo. Há, sim, um claro direito ao silêncio, que está contido nesse âmbito mais genérico, mas que com ele não se confunde. Por outro lado, não existem bons argumentos jurídicos, históricos, morais ou mesmo advindos do Direito Comparado que justifiquem a extensão do direito ao silêncio a um direito genérico de não produzir prova contra si mesmo.” Logo, de largada, na sua compreensão, não se sustenta a extensão que boa parte da doutrina confere à presunção de inocência (conferir aqui também) e ao direito ao silêncio, nem o de produzir prova contra si mesmo, dado o interesse coletivo, autorizando, assim, que se possa repensar as táticas processuais para obtenção de informações, especialmente via delação premiada.

    E sua preocupação, dado que magistrado Federal e responsável pela Vara de Combate aos crimes de lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro nacional, em Curitiba, criada, anote-se, com a pretensão de especializar a atuação contra os aludidos crimes, sempre foi no sentido de dotar a legislação de mecanismos adequados para tanto. Ciente das dificuldades probatórias da conduta de lavagem de dinheiro e dos limites legais, a partir da experiência dos EUA e da Espanha, bem assim da normativa brasileira, em artigo de 2008, conclui que “a) o processo por crime de lavagem é independente em relação ao crime antecedente; b) não é necessário provar todos os elementos e circunstâncias do crime antecedente no processo penal por crime lavagem, mas apenas que o objeto deste  tem origem em crime antecedente; c) todos elementos do crime de lavagem, inclusive a origem criminosa dos bens, direitos e valores, podem ser provados através de prova indireta, desde que convincente o suficiente para afastar qualquer dúvida razoável; d) a conexão instrumental entre crime antecedente e de lavagem não implica, necessariamente, unidade de processo e julgamento.” Anteriormente já havia participado da coletânea “Lavagem de Dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp”, discorrendo sobre o dolo (eventual) e a denominada “cegueira deliberada”, citando julgados dos EUA, sustenta: “Alguns acusados de crimes de lavagem perante o autor deste artigo, por exemplo, operadores do mercado de câmbio paralelo – os doleiros brasileiros, chegaram mesmo a admitir em seus depoimentos judiciais sua atividade ilícita no mercado paralelo e mesmo a realização de fraudes financeiras para ocultar a identidade ou transações de seus clientes. (….) Atitude da espécie caracteriza indiferença quanto ao resultado do próprio agir. (…) Portanto, muito embora não haja previsão legal expressa para o dolo eventual (…) há possibilidade de admiti-lo diante da previsão geral do art. 18, I, do CP e de sua pertinência e relevância para a eficácia da lei de lavagem, máxime quando não se vislumbram objeções jurídicas ou morais para tanto.”

    A delação premiada e o processo como jogo

    Tenho defendido que se possa compreender o processo a partir da teoria dos jogos (aqui). E, no que toca à prisão cautelar, afirmei que a partir da teoria dos jogos (do dilema do prisioneiro) as medidas cautelares (prisão temporária e preventiva, por exemplo) podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou táticas de aniquilamento, já que a prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra com tática de aniquilação uma vez que os movimentos da defesa estarão vinculados à soltura, com pressão psicológica e midiática. A ausência de informações do acusado segregado cautelarmente, a existência de boatos e informações desencontradas, aliás, é um dos pressupostos do dilema do prisioneiro. Aprofundo essa questão no livro “A teoria dos Jogos aplicada ao processo penal”, publicado em Portugal e no Brasil.

    Aí é que inspirado nas delações realizadas na operação Mãos Limpas, especialmente da prisão de Mario Chiesa, instado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, utilizou-se a mesma tática, ou seja, a prisão preventiva como mecanismo facilitador das delações premiadas. Como sublinhou no texto antes referenciado, “sua colaboração (Mario Chiesa) inicial gerou um círculo virtuoso que levou a novas investigações, com outras prisões e confissões. A estratégia adotada pelos magistrados incentivava os investigados a colaborar com a Justiça.” Convencido, portanto, das finalidades democráticas do processo e de que a delação premiada não encontra óbice moral, ao contrário do que pensamos (aqui), entende que o delator não “está traindo a pátria ou alguma espécie de ‘resistência francesa’. Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio.” Mais adiante sustenta que: “Por certo, a confissão ou delação premiada torna-se uma boa alternativa para o investigado apenas quando este se encontrar em uma situação difícil. De nada adianta esperar ato da espécie se não existem boas provas contra o acusado ou se este não tem motivos para acreditar na eficácia da persecução penal. A prisão pré-processual é uma forma de se destacar a seriedade do crime e evidenciar a eficácia da ação judicial, especialmente em sistemas judiciais morosos.”

    Embora discorde sobre a legitimidade da delação premiada, não posso negar que existe previsão legal, bem assim de que ao contrário do que muitos dizem, haveria compreensão desprovida de base legal pelo magistrado condutor. Pontuei em outros artigos, com Aury Lopes Jr, também com base na legislação, especialmente a normativa internacional (aqui), a confusão entre o juiz que defere as cautelares, participa da delação e o que proferirá a decisão final (aqui), sublinhando que a delação premiada é um mecanismo processual perigoso diante dos nefastos impactos que pode causar (aqui). Deixei claro que há uma lógica de pensar utilitária e pragmática, incompatível, ao meu ver, com o modelo brasileiro (aqui). Também discordo com o acolhimento da possibilidade de o juiz produzir prova e da compreensão de Verdade Real sufragadas por Moro (no texto Sobre o elemento subjetivo no crime de lavagem, p. 125). Mas nem por isso posso aceitar a afirmação de que se trata de uma aplicação de direito penal do inimigo, como foi sugerido recentemente (aqui), até porque com sua lógica o delator passa a ser protegido. A leitura promovida por Moro do sistema processual é possível, embora não compartilhada pelo subscritor em muitos institutos, como deixei assentado no plano das ideias nos artigos anteriores. Todas as suas decisões estão fundamentadas e há Tribunais constituídos no país para impugnação. A coerência de seu modo de pensar não é compatível com o que penso de processo penal e, todavia, a noção de Moro é a majoritária.

    É verdade que a instabilidade decorrente dos boatos e guerra de notícias plantadas gera o caos de informação e o uso político em momento histórico de lutas políticas. Entretanto, o próprio Moro aponta que a participação da opinião pública é importante para se evitar que a força política e midiática impeça a responsabilização dos agentes violadores das regras, tática que até o momento conta com grande respaldo. Não se sabe até quando. A questão que não se pode controlar, de fato, é a proporção que as informações são manipuladas por terceiros. Para finalizar, cabe dizer que Moro é corajoso e defende, na sua leitura, a legalidade. Podemos concordar ou discordar, mas não podemos resvalar em críticas pessoais. Devemos apostar no Direito e nas Instituições, as quais devem confirmar ou rever as decisões, sem que a mídia possa tomar o lugar do julgamento conforme o Direito. Criticável portanto é o julgamento pela mídia e não o julgamento com a mídia. Direito de informação não transfere o lugar da Jurisdição para o Jornal Nacional. O que não podemos fazer é tornar os magistrados em mocinhos ou bandidos. A diversidade de opiniões é própria da Democracia e a construção do Direito Processual Penal democrática é tarefa que não termina. Concordando ou criticando, devemos superar a visão pessoalizada da aplicação do Direito. O combate à corrupção é tarefa de todos nós e os limites da legalidade também. A história recente das operações da polícia federal demonstra que muitas vezes a volúpia em condenar se transforma em nulidade. E, de uma hora para outra, quem posava de mocinho, transforma-se em vilão. Pela mesma mídia, já que a corrupção virou produto a ser vendido na grade da programação.

    alexandre-colunista

     

    Alexandre Morais da Rosa é juiz de direito do TJSC. Doutor em Direito (UFPR). Professor da UFSC e UNIVALI. [email protected]

     

  2. “Entretanto, o próprio Moro

    “Entretanto, o próprio Moro aponta que a participação da opinião pública é importante para se evitar que a força política e midiática impeça a responsabilização dos agentes violadores das regras, tática que até o momento conta com grande respaldo.”

     

    Por preguiça vou perguntar só sobre isso:

    O que o faz pensar que a opinião pública está isenta de contaminação da força política e midiática como se ela não fosse consequência  direta dessa força?

     

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