Como a imprensa pode usar a crise política para recuperar a confiança do público

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – Em artigo publicado no Observatório da Imprensa nesta segunda (20), o editor Carlos Castilho sugere o que pode ser uma estratégia para a grande imprensa se reinventar e sobreviver em tempos de jornalismo digital.

Segundo ele, os meios de comunicação precisam sair de cima do muro no que tange o impacto da cobertura da Lava Jato sobre a classe política e a sociedade, e noticiar o caos atual como um período transitório e necessário à construção de um sistema novo.

Dessa maneira – pesquisando e informando o leitor sobre como a crise atual foi criada e para onde ela pode ir –  a imprensa pode ganhar créditos por retirar a sociedade do pessimismo.

“Para que as pessoas desenvolvam esta percepção é necessário que as informações publicadas tenham a perspectiva de que é uma crise de transformação, que implica a implosão de um sistema corrompido e o decorrente período de instabilidade antes da consolidação de um novo modelo partidário”, publicou.

Por Carlos Castilho

Do Observatorio da Imprensa

A política brasileira entre o caos e a disrupção

Trata-se de uma escolha bem complicada mas que estamos condenados a fazer, depois de observar o atual cenário da comunicação politica no Brasil. A palavra caos surge quando vemos que é todo um sistema político-partidário que está sendo implodido pelo impacto de delações premiadas. Disrupção é uma expressão muito nova em nosso vocabulário, oriunda do termo anglo-saxão, disruption e cujo significado é associado à confusa etapa intermediaria na transição de um modelo em crise para outro inovador.

Quando falamos em caos imediatamente nos vem à memória a ideia de confusão, anarquia, crise, desordem, ausência de comando, em suma bagunça geral. Já a palavra disrupção tem um significado menos pessimista embora não menos preocupante porque é uma expressão muito usada pelos adeptos das novas tecnologias para identificar os traumas da transição para a era digital.

O uso de uma ou outra expressão, de alguma forma define o estado de espírito e o posicionamento de quem a usa para definir o atual momento politico brasileiro e na forma como a imprensa o vem descrevendo.

Independente do vocábulo empregado, o fato é que as delações premiadas, concebidas inicialmente como uma armadilha para impedir a continuidade do PT no poder federal nas eleições presidenciais de 2018, acabaram estourando uma verdadeira Caixa de Pandora[1] , que provocou um tsumani no submundo da politica brasileira.

São raros os parlamentares e dirigentes partidários que, na tentativa de escapar de condenações mais duras, estão conseguindo escapar dos detritos morais disparados pela metralhadora giratória de políticos e empresários apanhados na malha da Lava Jato. Isto que o ex-presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, ainda não começou a atirar.

Para os mais desesperados e pessimistas estamos ingressando no caos onde tudo pode acontecer, mas sempre na perspectiva do pior. Para os adeptos da hecatombe politica, estamos quase prontos para mergulhar numa reação conservadora, preocupada na reposição da ordem a qualquer preço.

Já encarar a situação atual como uma disrupção, nos coloca na posição de participantes de um processo de transição, desordenado, imprevisível, potencialmente destrutivo de uma velha ordem, mas preocupado em construir um novo sistema, sem passar por hecatombes ou golpes.  Nesta perspectiva, os adjetivos conservador e progressista perdem boa parte de sua carga emotiva porque a preocupação passa a ser chegar a um novo patamar.

As apostas possíveis

A abertura da Caixa de Pandora da politica brasileira mostrou a intensidade da podridão oculta nas nossas siglas partidárias, corrompidas por um sistema de financiamento de campanhas eleitorais baseado em propinas, caixa 2, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Tudo em nome da nobre causa da representação do eleitor.

O fim deste sistema é hoje uma exigência nacional, gerada por um noticiário jornalístico que desde o início foi enviesado e moralista. Agora está sendo chamado a assumir uma nova postura diante da avalancha de delações premiadas que escancararam o que a maioria da população brasileira já suspeitava. O problema é que os políticos aderiram de forma quase unânime ao salve-se quem puder, enquanto a imprensa não sabe se sobe no mesmo barco ou faz uma escolha pouco confortável.

Apostar no caos, significa apostar numa inevitável reação conservadora, porque as pessoas não conseguem viver muito tempo dentro de uma perspectiva pessimista. Jogar as fichas na disrupção significa admitir a instabilidade e a insegurança como males necessários numa transição para um modelo político-partidário novo, sem que hajam indicadores confiáveis de como ele será. É no fundo, retórica a parte,  uma aposta na nossa capacidade de superar obstáculos sem saber onde chegaremos.

Não há dúvidas de que é um grande e complicado desafio, porque conviver com a instabilidade e imprevisibilidade também não é uma atitude fácil ou tranquila. Mas temos uma oportunidade única para livrar-nos de um esquema de corrupção entranhado há décadas em nossas estruturas político-partidárias. Toda a sujeira que veio à tona com a Lava Jato pode não ser logada para baixo do tapete. Se depender dos políticos com mandato, é isto que vai acontecer porque eles não legislarão contra seus interesses.

Cabe à imprensa e aos cidadãos a responsabilidade de ver a crise atual como a desestruturação de um sistema viciado e não como um apocalipse político. Encarar como uma disrupção, fenômeno comum na história da humanidade porque ocorreu após quase todas as grandes inovações tecnológicas,  tem como corolário uma atitude pesquisadora, interessada em descobrir porque e como as coisas acontecem. Mais do que isto implica um comportamento mais preocupado com a objetividade do que em defender posições adquiridas. É o antípoda da síndrome do conceito rasteiro de caos, onde o passionalismo e o medo predominam. Falei em conceito rasteiro, porque existe uma teoria científica do caos que é uma coisa séria e revolucionária.

Para que as pessoas desenvolvam esta percepção é necessário que as informações publicadas tenham a perspectiva de que é uma crise de transformação, que implica a implosão de um sistema corrompido e o decorrente período de instabilidade antes da consolidação de um novo modelo partidário.

É um desafio especialmente relevante para a imprensa porque pode ajudar a restabelecer a confiança do público nos jornais, revistas e telejornais, condição essencial para estes veículos sobrevivam aos traumas do ingresso na era digital. O que estamos observando,  no entanto, é a grande mídia nacional procurando ficar em cima do muro.

***

Carlos Castilho é editor do Observatório da Imprensa e aluno do pós doutorado no POSJOR/UFSC

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Ou seria ingenuidade mesmo?

    Alguns jornalistas são de uma boa-fé, de uma boa vontade de dar inveja. 

    É mais ou menos como escrever um artigo endereçado ao escopião tentando mostrar o quando seria inapropriado picar o sapo. 

  2. O povo quer, mas a mídia não.
    O BRASIL PRECISA MUDAR, O POVO QUER, MAS, A  MÍDIA EM CIMA DO MURO, NÃO. Temos uma crise de transformação, para quem pensa no futuro do povo brasileiroe das futuras gerações… quem quer mudar?  A quem interessa à mídia não mudar?

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