Do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social
Aqueles com poder dentro do sistema são os primeiros a projetar mecanismos para se protegerem durante uma crise. Sempre que há uma crise financeira, por exemplo, a causa real do colapso não é abordada; o que é colocado às pressas sobre a mesa é um enorme resgate financeiro para aqueles que provocaram a crise em primeiro lugar. À medida que a pandemia global se desenrola, os governos mais uma vez reservam grandes somas de dinheiro para os interesses de autoproteção do capital, enquanto os bancos centrais – seguindo a liderança do Federal Reserve dos EUA – cortam as taxas de juros para entregar liquidez às bolsas de valores. Assim, os ricos podem garantir a saúde de seus investimentos, em vez de garantir a saúde das pessoas. Os recursos do povo, que neste período raramente são destinados ao bem público, são rapidamente disponibilizados para salvar o setor privado.
Os estados com orientação socialista (de governos nacionais como na China a governos estaduais como em Kerala) mobilizaram todos os recursos disponíveis – independentemente de perdas econômicas – para conter a pandemia. A OMS chamou a atuação da China de “o esforço de contenção de doenças talvez mais ambicioso, ágil e agressivo da história”. Enquanto isso, o Estado da ordem burguesa falhou totalmente em usar seus recursos e falhou em preparar um plano racional para eles; as taxas de mortalidade da Itália e Estados Unidos da América são catastróficas, um crime político contra a humanidade.
Nos últimos trinta anos, desde a queda da URSS e o enfraquecimento da esquerda global, forças progressistas estão em desvantagem. Os governos, ansiosos por agradar os interesses dos bilionários, cortaram impostos e aplicaram medidas de austeridade, privatizaram bens públicos preciosos e desregulamentaram a indústria e o comércio. Em nome da eficiência, o Estado burguês intensificou a luta de classes, atacando sindicatos e organizações de esquerda, tentando fragmentar seus reservatórios. O crescimento de organizações não-governamentais (ONGs), frequentemente apoiadas pela plutocracia, minou a esquerda política, pois desviou a atenção das pessoas da totalidade de seus problemas para campanhas de uma única questão; uma pessoa se interessa pelo fornecimento de água, outra pela educação, mas nenhuma entidade atrai pessoas para um ataque frontal ao sistema como um todo – principalmente contra o capitalismo.
Uma consequência do enfraquecimento da esquerda em um período de luta de classe intensa e o desenvolvimento de um ataque midiático que vendeu mercadorias como sonhos foi que a esquerda foi forçada a dedicar considerável energia a lutas de curto prazo. O alívio contra o regime de austeridade veio acompanhado de lutas contra a crescente brutalidade dos processos capitalistas de produção e da violência estatal. Sem as forças de esquerda desempenhando um papel alinhado ao sentimento popular contrário aos cortes e à violência, à brutalização do trabalho e ao empobrecimento dos trabalhadores, o impacto do neoliberalismo e da globalização na classe despossuída e operária teria sido muito pior. Uma esquerda enfraquecida, impulsionada pela realidade e concentrada no curto prazo produziu muitos programas para uma abordagem socialista das várias crises; esses programas tinham elementos importantes que requerem estudo. Onde a esquerda esteve no governo, experimentou novas abordagens à crise endêmica do capitalismo e procurou mobilizar seus recursos para o bem social e desenvolver ações públicas para transformar a sociedade e avançar na luta de classes.
À medida que a pandemia global escalava além das fronteiras da China, ficou claro que as sociedades que haviam minado suas instituições públicas sofreriam imensamente com o vírus. O governo chinês utilizou recursos consideráveis para testar sua população, estabelecer com quem os pacientes infectados haviam estado em contato, tratar e monitorar pacientes, atender às necessidades das cidades fechadas e garantir que a sociedade não sofresse desnecessariamente com as interrupções. Dos Estados Unidos à Índia, passando pelo Brasil, no entanto, a evisceração das instituições públicas – particularmente instituições de saúde – deixou a sociedade vulnerável. A privatização das faculdades de medicina leva os recém-formados a cobrar caro pelos seus serviços, como forma de quitar suas dívidas, ao passo que a privatização dos hospitais provoca cortes no excedente ou aumento da capacidade; nesses hospitais, todas as camas e máquinas são tratadas como bens imobiliários para maximizar a cobrança de aluguel. A medicina just-in-time para ganho privado tornou-se a fórmula.
O fracasso do sistema de saúde sob a austeridade é agora claramente visível. O mesmo pode se dizer do fracasso total em estabelecer instituições para cuidar dos vulneráveis em tempos de emergência, e o fracasso universal em nutrir uma cultura de ação pública que levaria as organizações de trabalhadores e os grupos sociais a ajudar a sustentar comunidades no meio da crise. Esse fracasso do Estado e da sociedade em países que assistiram ao neoliberalismo e à austeridade canibalizar recursos públicos não poderia ser justificado pela ira do próprio vírus; por que os países com Estados mais robustos e com uma tradição de atuação pública têm conseguido reduzir o vírus com mais eficácia?
Uma das principais realizações dos muito ricos foi deslegitimar a ideia de instituições estatais. No Ocidente, a atitude típica tem sido atacar o governo como inimigo do progresso; encolher instituições governamentais – exceto militares – tem sido o objetivo. Qualquer país com uma estrutura robusta de governo e Estado foi caracterizado como “autoritário”. Mas essa crise abalou essa visão. Países com instituições estatais intactas que foram capazes de lidar com a pandemia – como a China – não podem ser facilmente descartados como autoritários; chegou-se a um entendimento geral de que esses governos e suas instituições são eficientes. É impossível seguir afirmando que essa forma de Estado burguesa esclerosada e oca é mais eficiente que um sistema de instituições estatais que vão se aperfeiçoando em um processo de tentativa e erro.
O que aprendemos não apenas da China, mas também de Cuba, Venezuela e do estado indiano de Kerala, é que, se uma sociedade é organizada por suas organizações populares (sindicatos, associações de mulheres, estudantes, jovens e cooperativas), então há capacidade para ação pública. Uma sociedade organizada é aquela que desenvolve a capacidade das pessoas de aprender a agir coletivamente em tempos normais – mas ainda mais quando em uma crise. O projeto socialista é desenvolvido apenas parcialmente pelas instituições do Estado; a outra parte – a mais vital – é que a sociedade seja organizada, energizada e preparada para o trabalho cotidiano e extraordinário da construção social.
À medida que a pandemia global crescia, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Assembleia Internacional dos Povos (IPA), uma plataforma de mais de duzentas organizações de quase cem países, abriu uma discussão sobre a crise e sobre as situações mais urgentes e as necessidades imediatas para a classe trabalhadora global. O documento que produzimos inclui um programa de dezesseis pontos, baseado na experiência de luta e governança que emergiu desses movimentos, sindicatos e partidos políticos. Mais que um debate sobre cada política e ponto separados, o programa inicia um debate sobre a própria natureza de como entender o Estado e suas instituições.
- Suspensão imediata de todos os tipos de trabalho, com exceção do setor médico e logístico essencial e dos funcionários necessários para produzir e distribuir alimentos e artigos de necessidades básicas, sem nenhuma perda de salário. O Estado deve arcar com o custo dos salários durante o período de quarentena.
- Os serviços de saúde, abastecimento de alimentos e segurança pública devem continuar funcionando de maneira organizada. As reservas de grãos de emergência devem ser imediatamente liberadas para distribuição entre os pobres.
- Todas as escolas devem suspender as aulas.
- Socialização imediata de hospitais e centros médicos, para que não tenham que se preocupar com seus lucros à medida que a crise se desenvolve. Esses centros médicos devem estar sob o controle de uma coordenação centralizada da campanha de saúde do governo.
- Nacionalização imediata das empresas farmacêuticas e cooperação internacional imediata entre elas para encontrar uma vacina mais simples e dispositivos para testes mais simples. Eliminação da propriedade intelectual no campo da medicina.
- Fazer o exame do coronavírus em todas as pessoas. Mobilização imediata de kits de teste, recursos e apoio às equipes médicas que estão à frente desta pandemia.
- Aceleração imediata da produção de materiais necessários para enfrentar a crise (kits de teste, máscaras, respiradores).
- Fechamento imediato dos mercados financeiros mundiais.
- Arrecadação imediata de recursos para evitar a falência dos governos.
- Anulação imediata de todas as dívidas não corporativas.
- Fim imediato de todos os pagamentos de aluguel e hipoteca, bem como o fim dos despejos. A moradia decente deve ser um direito para todos os cidadãos e deve ser garantido pelos Estados nacionais.
- Absorção imediata pelo Estado de todos os pagamentos de serviços úteis — água, eletricidade e comunicações, uma vez que são direitos humanos básicos.
- Fim imediato do criminoso regime de sanções unilaterais que afetam países como Cuba, Irã e Venezuela e os impedem de importar os suprimentos médicos necessários.
- Apoio urgente aos camponeses para aumentar a produção de alimentos saudáveis e fornecê-los ao governo para sua distribuição direcionada.
- Suspender o dólar como moeda internacional e exigir das Nações Unidas que convoquem com urgência uma nova conferência internacional para propor uma moeda internacional comum.
- Garantir uma renda básica universal em todos os países. Isto possibilita garantir o apoio do Estado a milhões de famílias que estão desempregadas, trabalhando em condições extremamente precárias ou por conta própria. O atual sistema capitalista exclui milhões de pessoas de empregos formais. O Estado deve proporcionar emprego e uma vida digna para a população. O custo da renda básica universal pode ser coberto pelos orçamentos de defesa, em particular as despesas destinadas a armas, munições e outras aquisições de equipamentos bélicos.
Esses 16 pontos são uma carta para debate de modo a começar a direcionar a atenção em direção às lutas e políticas para um futuro pós-capitalista.
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Esse tipo de discurso, extremamente ultrapassado, falando em capitalismo x comunismo, burguesia e etc., só reforça o discurso maluco desses radicais de direita. acorda, filho, não existe mais comunismo. E falar que a resposta da China foi exemplar, sem lembrar do acobertamento de uma semana que fizeram em wuham por medo do governo central é brincadeira.
“Fechamento imediato dos mercados financeiros mundiais”? meu deus, quem escreveu isso é tão louco quanto Osmar Terra e Cia.
A China é uma ditadura semi-comunista com bolsões de capitalismo feroz. vocês também não citam a resposta correta da Alemanha, Portugal, Argentina, Nova Zelândia, etc., nenhum desses países comunistas. O comunismo fracassou, e isso porque se tornou uma ditadura em todos os lugares em que foi implementado.
O que precisamos é de um novo capitalismo, muito mais humano e menos ganancioso e não de novas ditaduras comunistas.
Nassif, a contagem de infectados, mortos etc.. NÃO FAZ SENTIDO NENHUM. Tente amarrar estes números de outra forma. Por exemplo, fiz uma continha esta semana na qual o Brasil tem 63 mortos por milhão. A Argentina tem 8. Percebe-se claramente que a politica Argentina foi muito mais efetiva que a do Brasil. Isto para países permitirá efetuar uma comparação das politicas de cada um.
Para cidades, no sentido de ter um Índice comparativo interessante a referencia deveria ser por mil habitantes Ex.: Poços ce Caldas – 1/1000 – São Paulo 5/1000 (números aleatorios)
Roberto Motta – Poços de Caldas