Coronavírus: Epidemia? Pandemia? Ou infodemia semiótica?, por Wilson Ferreira

Coronavírus: Epidemia? Pandemia? Ou infodemia semiótica?

por Wilson Ferreira

Quanto mais passa o tempo e quanto mais a cobertura midiática se transforma numa guerra de versões, a epidemia da estação, o novo coronavírus (depois de SARS, ebola, gripe aviária, gripe suína, que prometiam a letalidade de uma gripe espanhola ou da própria peste negra), mais revela a sua função social de manter a ordem por meio de uma calamidade natural externa. Epidemia? Pandemia? Arma biológica criada em algum laboratório secreto? Mais do que tudo isso: o novo coronavírus se revela uma verdadeira arma na guerra da informação – uma “infodemia” com alto rendimento semiótico. De um lado, na geopolítica dos EUA que se esforça em quebrar a crescente participação da China na cadeia produtiva global. E do outro, na narrativa da grande mídia brasileira reeditando o “jornalismo de conjunções adversativas” em que bolsa cai e dólar dispara porque foram viralmente infectados: a economia “agora vai!”, MAS… só que não! E a culpa são dos chineses, italianos… a infodemia de expectativas é tão especulativa quanto o estouro das bolhas do cassino das bolsas de valores ao sabor das notícias da epidemia ajudam a derrubá-las.

“Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
Não é tentar o suicídio
Querer andar na contramão?”
(“Desordem”, Titãs)

Lá no século XIX, a análise sociológica de Durkheim (ao lado de Marx e Weber, são os chamados “três porquinhos” fundadores da sociologia) descobria um mecanismo de coesão milenar nas sociedades: desde que não seja patológica pelo seu grau de recorrência, o crime é benéfico para a manutenção da coesão social – ele possuiria um caráter instrutor e regulador da ordem coletiva.

Em outros termos, a Sociologia nasceu e logo de cara descobriu o papel fundamental do mecanismo de criação do chamado “bode expiatório” na manutenção da ordem – o princípio de que alguém, ou alguma coisa, deve levar a culpa de algum infortúnio coletivo.

Para Durkheim, eram os criminosos. Mas a imaginação coletiva é capaz de criar diversas variações de inimigos externos: estrangeiros, bruxas, negros, judeus, homossexuais… ou mesmo qualquer evento negativo como calamidades naturais ou… epidemias, pestes.

São racionalizações sociais para explicar colapsos políticos ou econômicos – a culpa não está no corpo social (que deve ser sempre coeso, harmônico e, principalmente, hierarquizado), mas fora dele, num ameaçador inimigo externo – humano, astronômico, geológico, biológico etc.

Quanto mais passa o tempo e quanto mais a cobertura midiática se transforma numa guerra de versões, a epidemia da estação, o novo coronavírus (depois de SARS, ebola, gripe aviária, grupe suína, que prometiam a letalidade de uma gripe espanhola ou da própria peste negra), mais revela a sua função social tão estudada por Durkheim.

Infodemia do jornalismo adversativo

Depois que o presidente da França, Emmanuel Macron, disse bombasticamente que o país precisava se preparar para uma epidemia do coronavírus, o chanceler italiano Luigi Di Maio alertou que uma “infodemia” (uma epidemia de “informações falsas no exterior”) estava prejudicando a economia e a reputação do país.

Esse é o “COVID-19”, com uma taxa de mortalidade considerada baixa, em torno de 2,3% – pouco maior que o sarampo e bem menor do que o ebola. A letalidade em idosos com mais de 80 anos chega a 14,8%, caindo para 8% em pacientes entre 70 e 79 anos.

“A letalidade não é alta, MAS preocupante”, é a frase que mais se ouve na mídia de especialistas e autoridades. Aliás, o uso da conjunção adversativa também está em alta: “porém”, “mas”, “contudo” etc. Lembrando o já clássico “jornalismo adversativo”, cujas conjunções eram aplicadas pela grande mídia para minimizar os bons números da economia nos governos petistas – a economia cresceu? PORÉM, não há estradas suficiente para escoar a produção.

Conjunções adversativas se prestam à especulação, mostrando que as notícias sobre o novo coronavírus são menos informativas e muito mais especulativas. Tão especulativas quanto os estouros da bolhas das bolsas de valores cujas notícias da epidemia ajudam a derrubá-las.

Uma coisa é o COVID-19, que faz parte de uma grande família viral (conhecida desde meados dos anos 1960) que causa infecções respiratórias leves e moderadas, semelhante a um resfriado comum – que piora em pessoas com doenças cardiopulmonares, com sistema imunológico deprimido e em idosos.

Outra coisa é o rendimento semiótico que o COVID-19 passa a ter como evento midiático – o rendimento de significações que começam a gerar, de acordo com o gosto ou intencionalidade de cada emissor de discursos ou narrativas. Um rendimento que cumpre aquela função social durkheimiana: manter a ordem jogando a culpa nas expectativas e letalidade dos crimes – no caso atual, na perspectiva de uma pandemia global catastrófica.

Guerra de informação

Em postagem anterior este Cinegnose especulava a inegável conveniência para a geopolítica dos EUA nessa crise epidemiológica originada na China – mais do que arma biológica criada em algum laboratório secreto, o coronavírus é uma arma na guerra da informação:

Depois da batalha alfandegária iniciada por Trump em 2018, a escaramuça do caso Huwaei com a suspensão dos negócios das empresas de tecnologia americanas com a fabricante chinesa de celulares (inclusive com prisão de executiva da Huwaei no Canadá em 2018) e a prolongada guerra geopolítica híbrida alimentando os conflitos em Hong Kong, o atual alerta da OMS no caso do coronavírus chinês ganha um evidente sentido conspiratório ou, no mínimo, dúvida plausível: será o coronavírus é uma arma de guerra de informação no xadrez geopolítico EUA vs. China? – clique aqui.

Desde que o presidente Xi Jinping lançou as “Novas Rotas da Seda”, a economia chinesa ultrapassou os EUA – a participação norte-americanana economia global vem diminuindo, enquanto a da China só aumenta. Ela se tornou o maior parceiro comercial de quase 130 países. Enquanto a economia dos EUA se esvazia enquanto o cassino financeiro sustenta o poder norte-americano, a China sai na frente em incontáveis áreas de pesquisa tecnológica.

Segundo o jornalista Pepe Escobar, a China (o único concorrente econômico dos Estados Unidos) planeja reconectar a maior parte do mundo a uma versão para o século XXI de um sistema de comércio cujo auge durou mais de um milênio: as Rotas da Seda Eurasianas. Esse estado de coisas é algo que os setores interconectados das classes dominantes dos Estados Unidos simplesmente não podem aceitar.

(…) o fato é que a liderança de Pequim vem tendo que lidar com um acúmulo de questões de extrema gravidade: uma epidemia de gripe suína que matou metade do rebanho; a guerra comercial urdida por Trump, a Huawei acusada de extorsão e prestes a ser proibida de comprar chips de fabricação norte-americana; a gripe aviária; e o coronavírus paralisando praticamente metade da China. Acrescente-se a isso a incessante barragem de artilharia da propaganda da Guerra Híbrida do governo dos Estados Unidos, marcada por uma aguda sinofobia: todos, desde “autoridades” sociopatas até auto-intitulados conselheiros vêm instruindo as empresas a desviarem suas cadeias globais de abastecimento para fora da China, ou tramando conclamações diretas pela mudança de regime – com toda a demonização possível de permeio – clique aqui.

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Redação

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