Coronavírus: Quanto custa a vida de uma pessoa?, por Rogério Maestri

Este artigo é uma tentativa de demonstrar as dificuldades de estimar o grau de letalidade do CoVid-19

Foto Yara Nardi/Reuters

Coronavírus: Quanto custa a vida de uma pessoa?

por Rogério Maestri

Talvez os adoradores do deus dinheiro não entendam o básico: Qual o valor da vida de um humano? Pois bem, para sermos práticos e basearmos em fatos eu utilizaria para quantificar este valor a resposta de qualquer mãe, pai, avô e avó que amam seus descendentes. Para estes deveríamos ouvir a resposta que sairá imediatamente sem hesitação da boca de qualquer um desses que lhe foi perguntado. 

– TUDO O QUE TENHO.

Pois para mim que sou pai de cinco maravilhosas criaturas e avô de dois fantásticos seres em crescimento, posso dizer que somando o que tenho, o que os demais que compõe a família a vida de um só desses seres vale bem mais do que uma fortuna que poucos possuem.

Por isto fico verdadeiramente indignado quando alguém que nem olha as estatísticas sobre o caso escreve um artigo denominado:

Custo para combater o coronavírus supera o verdadeiro risco

Além do lado humano, que pretende quantificar o valor de uma vida humana e compará-la com o custo econômico de tentar salvá-la, há uma profunda ignorância de mesmo os inócuos podem fazer quantificando errado o custo de lutar contra uma pandemia.

Eu tenho uma pequena simpatia da forma que o CoVid-19 escolhe suas vítimas, mesmo estando nos grupos de risco que esta nova morte escolhe, com 66 anos (quase 67), já tendo tido um pequeno infarte, fumante convicto, posso até considerar que acontecer comigo, aquilo que não desejo de forma nenhuma, ou seja, a morte, ninguém poderia dizer que não tive um pouco de responsabilidade nisto, logo vou com tranquilidade (isto não quer dizer sem medo) enfrentar a quarta barreira que a vida me propõe.

Porém não acho nada natural que mesmo jovens em torno de 30 anos que tenham sua probabilidade de meio por cento de ter sua vida abreviada (de 20 a 39 anos a estatística chinesa indica 0,2% a probabilidade de falecimento). Comparando o incomparável, 3,5% a 6% que é minha chance, acho que os 0,2% aos 1,5% que os que tem entre 10 anos e 59 anos é um absurdo para estes que ainda tem muito a trilhar, pois a eles a vida ainda não está em risco como para os mais velhos (todos estes números foram tirados do artigo Vital Surveillances: The Epidemiological Characteristics of an Outbreak of 2019 Novel Coronavirus Diseases (COVID-19) — China, 2020) . Não somos eternos, mas não devemos nos agarrar com unhas e dentes a um prolongamento ad aeternum que a medicina dos próximos cinquenta ou cem anos nos promete, simplesmente porque a continuidade da vida nos é dada por aqueles que nos sucedem, não pelo prolongamento custoso e pesado das gerações que vão ter custos muito mais altos do que tivemos com nossos pais, avós e em todas as gerações precedentes. Todo o cuidado tomarei, cuidados individuais extremos que custarão somente para mim, mas a natureza é a senhora de tudo.

Mas como sempre, deixando de lado o mais emotivo e pessoal, vamos à análise científica e material completamente falaciosa do texto de alguém que pretende quantificar o valor da vida, e esbarra já na definição do valor da vida, porém daqui por diante pensarei como um técnico em seguros de vida.

A primeira das falácias, mãe de todas as demais, está na citação dos riscos do CoVid-19, onde aparece tirada erroneamente afirmações do tipo:

As estatísticas comprovam que a TAXA DE LETALIDADE ENTRE OS QUE FORAM CONTAMINADOS COM EVOLUÇÃO PARA COMPLICAÇÕES é baixa: na China ficou ente 1,5% e 1,7%, na Coreia do Sul em 0,5%, no geral entre 1 e 2%. MAS ISSO ENTRE OS QUE FORAM PARA HOSPITAIS, há muito mais contaminados que não foram reportados ou diagnosticados, então no geral de contaminados, a taxa de letalidade é bem menor que 1%, é baixíssima, menor que viroses antigas que não causam espanto.

Não vou afirmar coisas tiradas de reportagens que muitas vezes procuram minimizar as taxas de mortalidade para maximizar os lucros que o “mercado” deveria manter, vou utilizar os dado do “Report of the WHO-China Joint Mission on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19)” da missão da WHO entre 16 a 24 de fevereiro.

 Este relatório foi realizado por nada menos nada mais do que 25 experts dos seguintes países, China, Alemanha, Japão, Nigéria, Rússia, Singapura e Estado Unidos da América. Durante nove dias estes experts além de conversarem intensamente com os profissionais chineses fizeram inspeções aleatórias em centros de saúde e até farmácias para ter uma confirmação que os dados que os chineses estavam transferindo. No própri documento está escrito o seguinte “….The field visits included community centers and health clinics, country/district hospitals, COVID-19 designated hospitals, transportations hubs (air, rail, road), a wet market, pharmaceutical and personal protective equipment (PPE) stocks warehouses, research institutions, provincial health commissions, and local Centers for Disease Control (provincial and prefecture).”

A partir desta visita que a OMS estimou uma taxa de mortalidade de 3,8%, porém muitos podem dizer que esta taxa está superestimada, entretanto poucos sabem que na realidade durante uma epidemia é extremamente difícil de se determinar corretamente esta taxa, porém o que se sabe é que no fim da epidemia se verifica que as taxas tomadas por óbitos divididos pelos pacientes até a data subestimam esta taxa. Para compreender, sugiro que leiam “Methods for Estimating the Case Fatality Ratio for a Novel, Emerging Infectious Disease” que foi publicado em 2005 no American Journal of Epidemiology https://doi.org/10.1093/aje/kwi230. Os autores estimam que no caso de Hong Kong onde a epidemia da SARS foi contida por completo, as taxas iniciais obtidas da forma grosseira sem levar em conta a progressão total da epidemia pode subestimar ou superestimar da forma que se toma os fatores de comorbidades, por exemplo, alguém que tem uma doença cardíaca com um grau de seriedade média, pode ser contada como um efeito da doença pré-existente o simplesmente agregar ao número de mortalidade da epidemia. Em 4 de abril de 2003, a OMS estimou em 4% o grau de fatalidade da SARS (Update 29 – Situation in China, status of scientific and clinical knowledge) porém um ano após tendo terminado a epidemia este número sobe para 9,6% (SARS: the new challenge to international health and travel medicine) tendo sido publicado pelo Eastern Mediterranean Health Journal, Vol. 10, Nos 4/5, 2004, chamando atenção que foi publicado pelo jornal mais importante da região em que a imensa maioria dos casos ocorreram.

Esta classificação e mais outros problemas, como as sequelas graves que podem resultar nos “curados” da epidemia, podem simplesmente não considerar pacientes que com estas sequelas produzidas pela doença em alguns meses venham sofrer óbito por ela causado.

Também outro fator que varia em muito é os recursos de tratamento que são utilizados e que são extremamente importantes para a letalidade da epidemia, e do grau de saturação dos sistemas de saúde. Cuidados na estimativa de letalidade em relação a população total são extremamente necessários, isto pode ser entendido lendo outro artigo publicado na Swiss Medical Weekly intitulado “VIEWPOINT 2019-Novel Coronavirus (2019-nCoV): estimating the case fatality rate – a word of caution” DOI: https://doi.org/10.4414/smw.2020.20203, em que os autores chamam atenção que tantos os dados da província de Hubei, mais especificamente na cidade de Wuhan, que chegaram a valores superiores a 7% deve estar superestimados e que os valores fora da província de Hubei, no resto da China de em torno de 1% certamente estão subestimados.

O problema principal de toda a estatística empregada nos casos de epidemia é estabelecer não só a comorbidade, mas como também o dia de infestação dos pacientes e além de tudo acompanhar as pessoas que tiveram sérias sequelas.

Vocês podem verificar que não coloquei nenhum número aleatório que poderia tirar das dezenas de artigos científicos técnicos que li até este momento, porém como NÃO SOU UM IRRESPONSÁVEL IMBECIL, deixarei para que organizações sérias como a OMS tomem as sua frente na divulgação de resultados e não vou ler o Watts-app do primo para colocar as informações que ele teve num dos quadros da Fox-news.

Redação

2 Comentários

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  1. Fico pensando no momento em que houver a morte por coronavírus de alguém muito conhecido mundialmente – um artista, um político, um nome célebre… o desespero a mais nesse quadro já terrível

  2. A “estratégia” proposta pelo A. Araujo (ou algo parecido) está sendo defendida na Inglaterra! É chamada de “herd immunity”. Não surpreendentemente é também denominada de laissez-faire, um nome mais apropriado a meu ver. Em suma (se bem entendi, caso contrário me corrijam): deixe a infecção se propagar entre os que não são idosos. Os jovens se tornariam imunes e não mais seriam transmissores. Os velhos (os que sobrevivessem, é claro) estariam no futuro mais protegidos. Pessoalmente, acho que chegamos no fundo do poço em termos morais.

    Dois artigos: o primeiro noticia a “estratégia”; o segundo, de um infectologista, a critica.
    https://www.bbc.com/news/science-environment-51892402
    https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/mar/15/epidemiologist-britain-herd-immunity-coronavirus-covid-19

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