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Crimes no Rio e o queremismo bolsonarista, por Luiz Eduardo Soares

Crimes no Rio e o queremismo bolsonarista

por Luiz Eduardo Soares

A Paz dos Cemitérios só engana incautos, mas são eles que podem reeleger o bolsonarista que governa o Rio. Na capa de OGlobo, em 11 de setembro de 2021, lê-se a manchete: “Por que os homicídios caem no Rio”. Quando o jornal ouve os respeitados e competentes pesquisadores Daniel Cerqueira e Daniel Hirata, hipóteses consistentes são apresentadas. Cerqueira menciona um fator estrutural, amplamente reconhecido como pertinente nas sociedades com características análogas às nossas: alterações na pirâmide demográfica -a cada 1% a menos de jovens entre 15 e 29 anos, corresponde o declínio de 2% no número de mortes violentas (não só homicídios e demais crimes letais intencionais, como também acidentes). Hirata menciona o vetor decisivo e imediatamente determinante: a expansão do domínio das milícias e a tendência à monopolização territorial, reduzindo a taxa de conflitos entre grupos criminosos e tornando os assassinatos menos ostensivos e menos passíveis de registro (a matéria o admite, referindo-se ao aumento dos “desaparecimentos”). Como qualquer pessoa sensata deduzirá, a mudança demográfica não resulta de virtudes governamentais e o fortalecimento das milícias é sintoma de degradação institucional das polícias, além de indicar agravamento da violência, em sua dimensão matricial -o que torna cínica a celebração política do governo do estado, presente no trecho da reportagem sob o título “Mais investimentos”, alusivo a melhorias nas polícias, proporcionadas por iniciativas governamentais. Quanto à resolução de homicídios, não houve como dourar a pílula: os casos investigados com sucesso, no estado do Rio, não passam de 12,3% do total. Sim, é escandaloso, mas o tom, embora crítico (“baixa taxa…”), naturaliza o absurdo. Uma dica ao jornal: ao contrário do que sugere a reportagem, em 1991, o Instituto de Segurança Pública não existia. Foi criado em 1999.

A questão mais delicada, entretanto, é política: esse debate ultrapassa os limites da segurança pública. Bolsonaro tem perdido apoio, ante a tonelada de crimes de responsabilidade que vem perpetrando, mas não está politicamente morto. Mesmo os setores das elites que desembarcaram, não terão pudor em reembarcar, se não acharem um candidato eleitoralmente viável para levar adiante sua agenda neoliberal selvagem. Será o queremismo bolsonarista: “PósBolsonaro com Bolsonaro”. E a ponta de lança desse relançamento do projeto neofascista pode vir a ser, mais uma vez, o Rio de Janeiro. Quem, hoje, na mídia e nos ambientes em que se preza o mínimo de civilidade, não tem coragem de apoiar ostensivamente o presidente, talvez comece a fazê-lo, indiretamente, endossando a candidatura de Claudio Castro a um segundo mandato no governo do Rio e assim terra-planando o terreno para o relançamento repaginado do garimpeiro genocida ao Planalto. Nada mais apropriado a quem quer lavar a imagem de truculência do bolsonarismo do que associar seu aliado governador a polícias eficientes, inteligentes e que chegam até mesmo, vejam só, a flertar com o legalismo. É preciso estar atento e forte, e temer a morte: controle do crime exercido pelo crime representa a contratação futura de mais violência, sobretudo quando a máfia que se fortalece está instalada nas polícias e na política. Quem, novamente, pagará o preço da “nova ordem”, a “pax miliciana”, com menos homicídios, maior exploração do trabalho e mais despotismo local, serão as populações predominantemente negras e pobres dos territórios mais vulneráveis.

Redação

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