Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Crônica das muitas novidades no front, por Rui Daher

Mais do que isso, em cem dias, foi possível entender a política externa do Brasil, sob Jair Bolsonaro. Alinhamento econômico neoliberal, comercial e ideológico com os EUA e com quem eles mandarem.

Crônica das muitas novidades no front, por Rui Daher

Creio que vários de minha geração tiveram como uma de suas leituras iniciais o romance “Sem novidades no front”, do alemão Erich Maria Remarque (1898-1970). Aos 18 anos, deixou a casa da tradicional família católica para o front da Primeira Guerra Mundial.

Seu livro foi publicado em 1929 e narra agruras, medo e violência dos conflitos armados, de forma absolutamente reflexiva. Em 1933, teve os livros banidos e queimados pelo nazismo (de esquerda, ó brucutus?).

Dez anos depois, emigrou para os Estados Unidos e se casou com a atriz Paulette Goddard, no que penso ter-se dado bem. Ela era “Bonita demais” (grato, Geraldinho Azevedo, em magnífica entrevista para a última edição de CartaCapital). Permaneceram juntos até sua morte em Locarno, na Suíça.

Faço o introito para seguir com meu pestilento ofertório: o desastre das novidades no front da política externa sob o desgoverno de Jair Bolsonaro, filhos, e a patética ignorância do chanceler Ernesto Araújo.

Explodiu-me as orelhas o fato de que a escola de diplomacia do Itamaraty, o Instituto Rio Branco, cancelara o curso de estudos sobre os países da América do Sul. Se fake for, desconsiderem. Hoje em dia, reina a pós-verdade. Seria um crime, quando sérios e honestos analistas consideram que os países da região somente sobreviverão se atuarem em bloco. Somos muito ricos e a hegemonia muito gananciosa. O planeta não acabará amanhã.

Mais do que isso, em cem dias, foi possível entender a política externa do Brasil, sob Jair Bolsonaro. Alinhamento econômico neoliberal, comercial e ideológico com os EUA e com quem eles mandarem. Pior, com Donald Trump no comando do país e em reta final de mandato. Com alta possibilidade de não se reeleger.

Trata-se de ignorância e inabilidade geopolíticas raras. Infelizmente, em matéria que o Brasil, por séculos, teve o melhor.

Estudo realizado pelo jornal britânico Financial Times concluiu que após dois séculos de domínio do Ocidente, chegou a Era Asiática e, muito em breve, o continente será o centro do mundo.

Lá está metade da população do mundo. Segundo a ONU, das 30 maiores cidades do planeta, 21 estão na Ásia, que já neste ano “se tornará lar de metade da classe média mundial”, evolução explícita há mais de 10 anos. A conclusão do FT é arrojada, mas corroborada por inúmeros economistas, cientistas políticos e especialistas em países emergentes.

“As economias asiáticas serão maiores do que o resto do mundo somado em 2020, pela primeira vez desde o século XIX”.

Claro que aí vai muito da influência da maior delas, a China. Mas todos os temores de um debacle chinês estão sendo cada vez mais afastados do horizonte.

Em dois artigos, traduzidos pelo Valor, em 3 e 10/4, “A economia chinesa está se estabilizando” e “China quer ser rica e comunista”, escritos pelo editor e principal analista econômico do FT, Martin Wolf, fica claro o movimento de inércia que carrega todo o continente e se reproduz em outros rincões emergentes do planeta.

Não que em todas suas apostas o autor seja categórico. Ele visitou recentemente a China e em todos seus encontros e percepções, levanta dúvidas sobre a questão: “Será que a China vai se transformar numa enorme Cingapura, com níveis elevados de renda e prosperidade e governo eficiente, mas manter o regime de partido único? Ou será que esse sistema político e progresso econômico ou, mais plausível, os dois juntos, soçobrarão?”

Bem, que eu perceba, desde 1978, com as reformas de Deng Xiaoping (1904-1997), e até agora, não soçobraram, e foram se acomodando na prosperidade, lentamente, em base à cultura milenar e ao período de domínio de seu Império do Meio.

Preocupados devemos ficar nós, quando MW conclui: “O Ocidente precisa olhar para dentro, para consertar seu sistema democrático falho”.

Se vocês pensarem bem, tirarem o tumor bolsonarista que deixaram crescer, a exemplo de Erich Maria Remarque, concluirão que há muitas novidades no front e que precisamos enfrentá-las. Mas onde a competência?

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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