Da barbárie às nossas tragédias, por Helena Chagas

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Helena Chagas

Todo mundo sabe quais são as medidas que devem ser tomadas para começar a resolver a economia, mas ninguém se senta para discutir e aprovar uma pauta para solucionar os problemas do Brasil – e não os seus próprios

Do Fato Online

Tragédias não são comparáveis entre si. Nós, jornalistas, que precisamos escolher qual delas será a manchete ou vai encabeçar a escalada do telejornal, é que temos mania de hierarquizá-las. Usamos “critérios” que levam em conta o número de vítimas, a brutalidade e o inesperado do evento, os riscos de que possa ocorrer novamente no futuro e seus desdobramentos. Mas são apenas recursos técnicos de quem precisa tomar decisões rápidas, sob a pressão de horários e outras exigências. A verdadeira dimensão das tragédias às vezes só vai se revelando com o tempo.

São inúteis, quase sempre, discussões sobre se esta ou aquela tragédia, maior ou menor, internacional ou doméstica, deveria ocupar mais espaço nos meios de comunicação, provocar  maiores ou menores reações das autoridades, chocar mais ou menos as pessoas. Podemos – e devemos – cobrar providências, apontar causas, punir culpados e fazer de tudo para que não se repitam.

Mas não dá para medir o tamanho nem dizer que a sua tragédia é maior ou menor do que a minha. É um debate sem sentido, porque sofrimento não se compara – e nem se consegue retratar de forma completa, em sua essência. Pedindo licença ao Chico Buarque, “a dor da gente não sai no jornal”.

Os brutais ataques terroristas da sexta-feira 13 em Paris chocaram o mundo, inclusive os brasileiros. Atos bárbaros, terroristas em sua mais clara acepção. Além dos quase 500 mortos e feridos, terão disseminado o pânico, o medo, o “terror”, enfim, em quantos milhões mais, mundo afora?

É certo que vamos testemunhar por muito tempo cenas como a de domingo, quando o barulho de uma vela estourando um copo provocou apavorado corre-corre entre parisienses que homenagearam as vítimas numa das ruas atacadas. É isso que o terror quer: aterrorizar. Toda a solidariedade com os franceses, neste momento, será pouca. 

No Brasil, em meio ao choque e à comoção provocados pelos ataques, muitos foram às redes sociais lamentar que tragédias brasileiras não tenham recebido tanta atenção e nem mobilizado com tanta rapidez as autoridades quanto os atentados terroristas. Lembrou-se, por exemplo, que a presidente da República levou uma semana para sobrevoar as regiões invadidas pelo tsunami de lama que submergiu distritos de Mariana (MG) no rastro do Rio Doce e continuou descendo até o Espírito Santo. Mas que enviou em poucas horas uma mensagem de solidariedade ao governo e ao povo francês.

Comparação meio inútil, daquelas que juntam laranjas com abacaxis, tentando mostrar que são iguais. Não são. Os eventos podem ser igualmente dramáticos e impactantes para nós, brasileiros, mas evidentemente despertam ações e reações diferentes.

Os críticos, porém, terão sua ponta de razão se levarmos em conta não exatamente os espaços e a repercussão de certos fatos, mas sim a nossa incapacidade de perceber e se indignar com nossas próprias tragédias.

Ainda que em grau menor do que poderia ter sido, o tsunami de lama de Mariana até que ocupou as manchetes e as conversas, forçando uma tardia reação do governo federal. Mas o que dizer da verdadeira tragédia das crianças nascidas com microcefalia em cidades do Nordeste, sobretudo em Pernambuco?

Não pode ter outro nome, a não ser tragédia, o registro de 141 casos recentes de uma doença que pode provocar retardamento físico e mental em recém-nascidos – sobretudo diante da possibilidade de estar relacionada a infecções pelo vírus Zika, que prolifera no rastro da ignorância e das péssimas condições de saneamento. Mais revoltante ainda foi a sugestão de um técnico do Ministério da Saúde – retirada em poucas horas – de que as mulheres, em sua maioria pobres, evitassem engravidar enquanto não se esclarecesse a origem da doença. Cadê a indignação?

É também trágica a crise que mistura política e  economia à falta de compromisso de nossos políticos com o interesse público. Os eleitores assistem, perplexos e passivos, a um salve-se quem puder em que o interesse maior de boa parte dos eleitos parece ser encher os bolsos e livrar a própria pele. Todo mundo sabe quais são as medidas que devem ser tomadas para começar a resolver a economia, mas ninguém se senta para discutir e aprovar uma pauta para resolver os problemas do Brasil – e não os seus próprios.

Nesse ritmo, quem melhorou de vida nos últimos anos parece condenado a retroceder, os empregos se vão, o poder de consumo cai, o ensino piora, a saúde se deteriora e já tem até gente querendo tirar dinheiro do Bolsa Família.  É ou não é tragédia? 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. Tragédia é a recessão de 3,5%

    Tragédia é a recessão de 3,5% em 2015, 3,5% em 2016, 3,5% em 2017.

    Mas a maior tragédia nacional é achar que isso não e planejado assim.

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