Da participação social ao “tuitismo” ideológico, por Leonardo Avritzer

Da participação social ao “tuitismo” ideológico

por Leonardo Avritzer

A extinção de um elevado número de conselhos de participação social pelo governo Jair Bolsonaro é a conclusão política do período que se abriu em 2013 e ainda não chegou ao final. Apesar de existirem centenas de canais de participação no Brasil naquele momento, o grito comum foi o de “queremos participar”. Este grito expressava a ideia de que a participação poderia ser ampliada, mas serviu apenas àqueles que queriam de fato restringi-la e se viram contemplados pelo decreto do revogaço.

Os conselhos cumpriram e os que continuarão existindo seguirão cumprindo um papel fundamental: o de estabelecer alguma influência da sociedade civil sobre o processo de decisão das políticas públicas. Essa influência variou entre os diferentes tipos de conselhos, mas ela está na base de importantes resultados, como a política de financiamento do SUS ou a decisão de ter uma rede de assistência social no território.

Ainda mais importante, o Brasil tem um Congresso Nacional completamente tomado por lobbies e as formas de articulação entre sociedade civil e estado passaram e continuarão passando pela participação social, que é um dos poucos lugares de balanceamento desta tradição completamente antissocial de representação de interesses. Assim, podemos dizer que os conselhos estão sendo desativados por que mudou a concepção de participação social no Brasil. Ela não é mais uma política de inclusão, mas uma política de isolamento dos setores organizados do processo de elaboração de políticas públicas. O que teremos agora será a opinião “tuitada”.

Vale a pena entender a tradição de expressão social que vem sendo criada no Brasil desde 2013 e, principalmente, desde 2015. As pessoas que clamaram por mais participação em 2013 utilizaram perfis de redes sociais e, a princípio, estes perfis foram plurais por mais polifônicas que fossem.

Em 2015, começamos a ter uma esfera pública anti discursiva no Brasil. A discussão pública foi substituída pelo panelaço, as manifestações de rua foram substituídas pela hostilização pública nos aeroportos ou pelo aplauso às prisões realizadas pela operação Lava Jato.

O último momento de arremedo de uma esfera pública no Brasil foram as manifestações de março de 2016 que ocorreram um pouco antes da votação do impeachment. Ali, vimos diversas posições se manifestando, mas ali já aparecia também a ideia de que a manifestação não era a dimensão mais importante da participação e sim sua repercussão posterior nas redes sociais.

Políticos, candidatos presidenciais e personalidades políticas migraram para as redes sociais ao longo dos últimos anos. No caso de Jair Bolsonaro, ele atua em uma rede específica o “twitter”, a rede social que não privilegia a dimensão deliberativa ou de discussão mais ampla. Ele é apenas um local de expressão de ideias que, como nos explicam diversos autores, reforça a assim chamada cultura do getto, ou seja, as pessoas tuitam para os seus apoiadores e reforçam entre eles posição que eles já detinham.

Não tem dúvida sobre o que é participação no governo Bolsonaro: é uma ideia miliciana de esfera pública. Não é por acaso que no tuitt no qual o presidente comunica a decisão de extinguir conselhos, ele fala de entidades aparelhadas politicamente, e “retuita” o site mais aparelhado da direta no país neste momento,  república de Curitiba, no qual organizações conservadoras que tem como alvo o STF e os partidos políticos expressam abertamente seu projeto antiliberal e antidemocrático. (vide republicadecuritiba.net).

A extinção dos conselhos e órgãos colegiados sinaliza a vontade do governo Bolsonaro de governar para uma parte da sociedade, de polarizar ainda mais a esfera pública e de utilizar a agregação despolitizada da opinião nas redes sociais como o centro da sua forma de comunicação com a sociedade civil.

Leonardo Avritzer

Leonardo Avritzer

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