Por Percival Maricato
O presidente francês, indignado mas também cínico, preocupado com a reação dos eleitores, humilhado pelo ataque de terroristas do Estado Islâmico, fez pronunciamentos bombásticos considerando o ataque a Paris como uma declaração de guerra. Há poucos dias ele tinha dado ordens para aviões militares de seu país bombardearem cidades dominadas pelo EI. Como os ocidentais estão acostumados a atacar países ou forças muçulmanas (não temos espaço para discutir ideologias ou objetivos), deve ter considerado seu ato de guerra operação de rotina, justo pois se dizer surpreendido. O Ocidente todo mostra-se surpreendido, mas não houve uma única análise sobre a possibilidade dos ataques franceses terem atingido populações civis, que, contra ou a favor dos fanáticos, ainda vivem nas cidades alvos. Jogar bombas de 10 mil metros de altura têm esse risco, mas evita a perda de soldados e não se percebe que lá embaixo, as vítimas têm rosto, vida, projetos, sonhos, famílias, tanto como as assassinadas no Bataclam. Falta o presidente francês dizer que muçulmanos não tem o mesmo amor à vida, como diziam generais americanos sobre os ataques aéreos contra cidades e aldeias vietnamitas.
Em vez de nos atermos a considerações explicitas, burocráticas, enfadonhas e inúteis de solidariedade, tentemos encontrar algumas das raízes do problema, que extirpadas, aí sim, evitariam sua repetição. É fato que os povos são favorecidos ou sofrem com a conduta de seus governos, mas devem agir, para evitar tais atos de barbárie. Muitas vezes isso é impossível, o país tem mesmo que declarar guerra a um inimigo cruel. E nesse caso, preparar-se para retaliações. Mas será que com relação ao Oriente, é simples assim?
Os países da Europa sempre fizeram guerras sanguinárias entre si. Alemães jogaram milhares de bombas sobre cidades inglesas e vice versa, na II Guerra Mundial. Outras vezes fizeram-nas contra países e povos árabes ou a favor desta ou daquela facção. Os árabes, por sua vez, invadiram países ocidentais, sul da Itália, Espanha e Portugal, no século VIII. Os cristão, a partir do século XI e até o XIV, deram o troco: fizeram as Cruzadas, invadindo cidades onde hoje estão o Líbano, Israel, Palestina e Jordânia, em que judeus, muçulmanos e cristãos viviam em paz, provocando banhos de sangue como poucas vezes se viu no mundo.
Não satisfeitos em guerrear, saquear e passar no fio da espada os muçulmanos (e até judeus e cristãos, na invasão de Jerusalém e depois de Constantinopla), sempre a pretexto de defender a religião Cristã, os ocidentais instituíram nessa época a Santa Inquisição, que mataria na fogueira, após pavorosas torturas e apropriação de seus bens, milhares de hereges (judeus, muçulmanos, cristãos com pensamentos diferentes do sancionado pela Igreja, bruxas etc ). Em matéria de fanatismo religioso, podemos dar lições.
O Ocidente se desenvolveu mais rápido após a Idade Média e aumentou a intervenção nos países árabes, estabeleceu protetorados, onde hoje estão os países já citados, na Síria, Iraque, Egito, Arábia Saudita e outros. Foi a época da exploração colonialista. França e Inglaterra os dominavam, mas a Alemanha sempre tentou meter a colher e, além de provocarem guerras civis, envolveram esses países nas primeira e segunda guerras mundiais. França e Inglaterra, vencedoras, partilharam os países árabes como se fossem laranjas compradas na feira, os citados e os do norte da África. A Argélia já era da França, e por lutarem pela independência, milhares de patriotas argelinos morreram, muitos sob tortura.
Os países europeus foram perdendo os dentes, tanto assim que quando o Egito fechou o canal de Suez, em 1950, a Inglaterra e a França, na maior sem cerimônia, enviaram seus jatos para bombardear o Cairo, mas logo pararam por mando dos EUA, um novo player, tão poderoso que logo mais, em 1953, acabaria com a nascente democracia iraniana, derrubando o 1º Ministro nacionalista do Irã, Mohammed Mossadegh, que queria nacionalizar a exploração de petróleo e permitindo que o Xá Reza Pahlavi instituísse uma feroz ditadura. Esta não só manteve os monopólios americano e inglês na atividade, como ainda aceitava em pagamento do petróleo armas caríssimas, centenas de aviões militares, tanques etc, com que controlava a região para os ocidentais. Anos depois os aiatolás tomaram o poder e daí novas barbaridades e mais regressão, história já conhecida.
Por sua vez, na Iraque os EUA puseram um tal de Saddam Hussein no poder, através de um golpe, mas também o derrubaram, quando ele também demonstrou veleidades de independência no trato do petróleo e na política. O pretexto, como sabemos, foi que o ditador tinha armas de destruição em massa; até os postes de Washington deviam achar engraçado, mas os americanos, graças a CNN, preferiram apoiar o governo. No atual e democrático Iraque os atentados terroristas entre xiitas e sunitas matam dezenas de pessoas diariamente, milhares por ano, centenas de vezes as vítimas francesas desta última semana. De lá, nunca saíram terroristas para atacar americanos, até a intervenção americana. O capítulo seguinte foi o ataque ao ditador sírio, porque ele era ditador, outro pretexto engraçado, pois há diversos ditadores na região, empossados e apoiados pelos americanos: uma única família real controla a Arábia Saudita e mantém o país no feudalismo; no Egito, o comandante do exército, depois de derrubar um governo eleito, que substituiu um outro ditador de décadas, assumiu o poder e recebe farta ajuda militar dos EUA., como acontecia com o antigo ditador e como acontece com os governos amigos, de onde, aliás, chegam boa parte das armas do EI. A França é um dos quatro países que mais vendem armas pelo mundo, inclusive a esses países, quando lutam uns contra os outros ou quando seus ditadores precisam esmagar revoluções que tentam removê-los. Jamais pensaram em enviar 1% dos valores gastos com bombas e intervenções para educação, saúde, habitação…
Mais recentemente tivemos a intervenção militar dos EUA e países ocidentais na Síria, visando ajudar facções que tentavam derrubar o ditador Bashar al-Assad, mais pró-russo que os ocidentais admitem. E eis que surge o EI, Estado Islâmico, uma das facções mais violentas da região, ameaçando ocidentais e russos. Por trás de tudo, como nos séculos anteriores, estão os interesses geopolíticos e econômicos, tanto que os ocidentais, que bombardeiam o EI, protestaram com veemência quando os russos fizeram o mesmo, uma outra aparente piada da história.
Em resumo: o EI nasceu no Iraque e se fortaleceu na Síria, o que com muita probabilidade, jamais teria acontecido sem as intervenções dos ocidentais nesses países, venda de armas, mudanças de governos, bombardeios, etc;, os terroristas que fizeram os atentados em Paris, se dizem membros do EI.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
A dúvida que eu tenho é: quem
A dúvida que eu tenho é: quem compra o petróleo “roubado” pelo Estado Islâmico?
resposta fácil
O Lulinha ora!
Hipocrisia
Minha dor é maior que a do meu irmão?
Daesh
Sinto que há cansaço com esse assunto e análises mirabolantes. O Secretário americano Kerry, por exemplo, afirmou que o Daesh é aliado do president sirio. Face à tal confusão é preciso dizer : 1) o Daesh é um partido sunita salafita e tem como inimigos principais os xiitas, dentre eles o presidente síriio; 2) são financiados pela Arábia Saudita; 3) não foram, realmente, atacados antes do ingresso da Russia, os ataques eram para dissumular o apoio;4) a França , também, não atacava por força máxima por ser alida dos sauditas;5) o interesse americano era conter o Irã, considerado inimigo, enquanto os sauditas são considerados amigos, sendo a amizads por interesses;6) A Turquia é o principal aliado do Daesh em termos logísticos, permite a entrada de armamentos e alimentos, também permite a saída de petroleo e obras de arte roubadas. Solução deter, principalmente, a Turquia e fechar as fronteiras do Daesh e amar com armas pesadas os Curdos para a reconsquista de Raqqa e Mossul e realizar bombardeiros de verdade contra os veículos e arsenais do Daesh.
Turquia
Exatamente o que se dizia um programa ontem na tevê francesa France 5 sobre a passagem de terroristas pela fronteira turca e o apoio do governo turco ao comercio com o grupos de Daesh, que dominam as cidade sirias, na fronteira com a Turquia.
A Turqui virou a entrada de franceses recrutados por Daesh para entrar na Siria.
Uma moça siria saiu com uma câmara escondida e filmou o que esta acontecendo nas cidades dominadas por Daesh. Então vê-se a população recebendo uma agua rasa, sopa, quilômetros de fila para comprar pão, racionamento de tudo e os grupos extremamente armados fazendo a “segurança” nas ruas. Num determinado momento, um desses carrões param e chamam a moça que esta filmando. Ela se aproxima do carro e ele diz a ela que o niqab dela é transparente, que da para ver o rosto dela através do tecido, e então diz a ela para voltar pra casa e trocar de roupa. Tudo isso com a arma sempre apontada para ela.
Como se pode ver facilmente,
Como se pode ver facilmente, o terrorismo de um dos lados nesta guerra ‘e solenemente ignorado por uma grande parte da m’idia nacional e internacional.
Hipocrisia total
É muito
Hipocrisia total
É muito hipocrisia …
No domingo vi matéria de muitos atletas postando mensagens de espanto,dor, condolências etc por causa das vitimas francesas.
Mas nunca vejo este tipo de solidariedade quanto se trata de vitimas civis dos bombardeios ocidentais.
Vai ver que o motivo seja este:
Se eles forem escrever mensagens de solidariedade para as vitimas civis dos paises invadidos pelos ocidentais (iraque, afeganistão, siria, libia …) eles não vão fazer outra coisa na vida, já que isto ocorre diariamente e há um bom tempo.
Então já que é fato corriqueiro o melhor é nem comentar, não é mesmo CR7 e patotinha abastada?
Comentário.
A opinião, sempre no “mais ou menos”, e os princípios, que, embora dignos de valor, não explicam os fatos, se curvam perante a História.
Um princípio básico
Uma análise científica dos fatos demanda a aceitação de um princípio básico: a vida de uma pessoa nascida (por exemplo, apenas) em algum território palestino ocupado por Israel vale tanto quanto a de uma outra nascida em Cleveland, EUA (também apenas por exemplo).
O princípio é aplicável a quaisquer pessoas nascidas no mundo. Ou seja, a todas as pessoas.
Em tese, ele é reconhecido como válido com grande facilidade.
Na prática; bem, na prática, não é bem assim. A igualdade, no mundo governado pelo capital, é apenas formal.
O artigo, bom, por sinal, traz, em seu bojo, indiretamente, a falácia da igualdade de direitos. E por conseguinte, a das pessoas, de forma geral.
estou curioso para ver o
estou curioso para ver o próximo número do Charlie com suas “gozações” sobre o massacre de Paris…
Mais um texto estúpido
Mais um texto estúpido culpando as vítimas. Aqueles estudantes cristãos do Quênia que foram assassinados na universidade eram responsáveis pelo bombardeio de quais civis muçulmanos? O Quênia está bombardeando a Síria? Os cristãos coptas que eram caçados pela Irmandade Muçulmana em seu breve ‘reinado’ no Egito eram culpados de quê? Qual o país copta que está bombardeando civis muçulmanos?
Entenda: minorias religiosas são atacadas diariamente em países muçulmanos. Isso independe de haver ou não haver países ocidentais em guerra contra nações ou facções islâmicas.
temo que o
temo que o articulista-gourmet, um sub-AA , comete terrorismo intelectual contra a HISTÓRIA.
“A memória histórica não é reconstrução do passado, mas exploração do invisível”.
“A memória histórica, contrariamente à memória individual, contrariamente à memória coletiva, coloca-se sob o signo da verdade”.
“A história se esforça por estabelecer os fatos de maneira precisa e exata e por torná-los, na medida do possível, inteligíveis em sua sucessão e em seu condicionamento.”
[…]
“Creio ter-lhes chamado a atenção para o fato de que os historiadores não tem como ambição fazer reviver os acontecimentos passados, ressuscitá-los em sua carne e em seu sangue para que as testemunhas se sintam em casa e sejam novamente tocadas e emocionadas. Isso seria, antes, a tarefa de uma obra de arte, de um romance, de um poema ou de um filme cinematográfico. A história se esforça por estabelecer os fatos de maneira precisa e exata e por torná-los, na medida do possível, inteligíveis em sua sucessão e em seu condicionamento. Na restituição ou recomposição do passado, os historiadores trabalham com a certeza de obedecer à exigência de verdade, de não ter outro critério que não seja a busca do verdadeiro.
Mas como exprimir, por meio de um relato ou de outro procedimento textual qualquer, “o que realmente se passou”? O acontecimento histórico faz parte de um todo cujo significado não pode ser depreendido se não se leva em conta o que os atores humanos tinham no espírito quando intervinham para fazer e sofrer a história: seus objetivos, suas esperanças, suas ilusões, seus erros de interpretação. Nesse sentido, o testemunho dos atores, mesmo em suas distorções e às vezes graças a suas distorções, traz ao historiador uma dimensão que ele tem dificuldade de apreender se o afasta. Chega sempre um momento em que ele deve, para compreender, colocar-se na pele daqueles para os quais a sucessão dos acontecimentos não foi história, mas o cotidiano dramático. Não se pode isolar o acontecimento de seu contexto e dos atores que o viveram. O acontecimento forma um bloco.
Foi o que tentei fazer compreender quando trabalhei sobre a memória. Há memórias individuais dos atores, e há a memória social: de que maneira um grupo, por lugares de memória ou por comemorações, filmes, tradições escritas ou orais, constitui para si uma memória do que o precedeu, o outrora, o passado, distante ou próximo. Isso dá lugar a memórias diferentes. Para tomar o exemplo da França, ali se encontram memórias de Joana d’Arc bem diferentes umas das outras. Os grupos, as correntes de pensamento francês, as classes sociais não tem todos a mesma memória de Joana d’Arc. Essas memórias individuais e coletivas reconstroem o passado.
[…]
Não sou neurologista, mas sei que, às vezes, as lembranças nos voltam dando-nos esse vivo sentimento de imediatidade. Contudo, inclino-me a pensar que todas as lembranças são o efeito de operações mentais, de uma reconstituição, que a memória individual reconstrói e não pára de reconstruir suas lembranças. É claro que a memória coletiva as fabrica e as modifica. E a memória do historiador não opera diferentemente, apesar de a finalidade dessa reconstrução não ser a mesma, já que ela se submete às regras da disciplina científica. Penso também que há uma história da memória. Como muitas das atividades mentais ou das funções psicológicas do homem, a memória não é imutavel.
Há, portanto uma história da memória. Mas, seja ela individual, social ou histórica, trata-se sempre de uma construção complexa, e não de uma coincidência imediata com um passado concluído.”
A Travessia das Fronteiras, de Jean-Pierre Vernant