De Lula a Moody’s, o confronto com inimigos reais ou imaginários como tática da extrema direita, por Arnaldo Cardoso

De Lula a Moody’s, o confronto com inimigos reais ou imaginários como tática da extrema direita

por Arnaldo Cardoso

Passados quase quatro anos da chegada de Donald Trump ao governo dos EUA, seguido por Matteo Salvini na Itália e Jair Bolsonaro no Brasil, algumas das táticas e estratégias desses políticos, como a do confronto constante para manter a mobilização de seus seguidores, depois de provocar surpresa e uma certa desorientação, já se tornaram facilmente reconhecidas e descritas por analistas políticos ainda que tenham divergências sobre a melhor definição para a ideologia política em que se enquadram –  extrema direita, alt right, populismo de direita, neofascismo –.

O confronto constante, com inimigos reais ou imaginários, cumpre ao menos duas funções, manter a mobilização e engajamento constante de seus seguidores e servir de cortina de fumaça em momentos em que o líder ou algum de seus sustentadores se encontram em situação de fraqueza. As narrativas conspiratórias também integram o roteiro e disso foi um bom exemplo o que se viu na última sexta-feira (14) nas redes sociais na Itália.

Matteo Salvini, líder da Liga, partido de extrema direita, se encontra no centro de uma tempestade com o início de um processo em que é acusado de “sequestro de pessoas com agravante” por ter proibido em 2019, quando era Ministro do Interior, o desembarque de 131 imigrantes salvos no mar pelo navio Gregoretti da Guarda Costeira italiana. Sua condenação poderá resultar em pena de até 15 anos e, ainda mais temido por ele, a inelegibilidade para cargos públicos.

Nas redes sociais Salvini tem se apresentado como vítima de perseguição política e defendido, perante seus seguidores, a tese de que ao impedir a entrada de imigrantes ilegais estava defendendo os interesses do Pátria italiana.

Em meio à turbulência, Giorgia Meloni, uma das principais lideranças do partido neofascista Irmãos da Itália e aliada política de Salvini, dobrou o volume de sua já intensa atividade diária nas redes sociais, como no Facebook onde, dentre outros posts, os dois que destaco abaixo são exemplares.

No dia seguinte à visita do ex-presidente do Brasil, Lula, ao Papa Francisco no Vaticano, Giorgia Meloni postou em sua página no Facebook que conta com 1,4 milhão de seguidores uma foto mostrando um encontro de Lula com Nicola Zingaretti, secretário do Partido Democrático de centro-esquerda e, logo abaixo foto do militante de extrema-esquerda Cesare Battisti e menção à declaração de Lula “Não me arrependo de dar asilo a Battisti”. No centro das fotos Meloni grafou a palavra “Vergonha!” e logo acima inseriu a seguinte mensagem Zingaretti conhece o ex-presidente do Brasil, que acaba de ser libertado da prisão por uma condenação por corrupção e lavagem de dinheiro. O mesmo que disse não à extradição do assassino e terrorista Cesare Battisti, ofendendo nossa nação e as famílias das vítimas. Mas o Partido Democrático e o governo não têm vergonha dessa afronta à Itália?”

O post da líder neofascista no dia seguinte já registrava 12 mil curtidas, 2,9 mil comentários e 3 mil compartilhamentos.

Uma hora depois postou matéria do site de direita il Giornale it com o título “Chantagem da Moody’s para a Itália: ‘Se você votar em partidos populistas…’” reproduzindo trechos de entrevista com Kathrin Muehlbronner vice-presidente sênior da agência de rating Moody’s em que a executiva elenca o populismo como um fator de risco considerado por analistas ao atribuir nota ao risco soberano da Itália.

No alto do post encontra-se a seguinte mensagem de Meloni: “As agências de classificação não gostam de partidos que defendem o interesse nacional, preferem os governos como o do PD e M5S, que garantem ganhos generosos a bancos e especuladores. Deixe que os senhores se demitam, em breve daremos à Itália um governo que se concentrará na economia real resgatando empresas, profissionais e números de IVA!”

Na última classificação da Moody’s a Itália teve rebaixada sua nota para BAA3 que indica risco de crédito moderado. Na mesma entrevista criticada por Giorgia Meloni a profissional da agência de rating elencou três situações que poderiam levar a um novo rebaixamento da nota do risco soberano do país: 1) aumento da dificuldade em refinanciar sua dívida, 2) adoção de política fiscal que resultasse em aumento da dívida pública e 3) aumento do risco do país sair da zona do euro. 

A matéria criticando a entrevista acusa que essa é uma forma de pressão sobre os eleitores italianos indicando uma preferência pelo Partido Democrático. Meloni explora essa suposta relação, associando a centro-esquerda italiana à especulação financeira, ao neoliberalismo e à globalização, escolhidos como principais inimigos da soberania italiana. Ao denunciar “o conluio das elites” a neofascista Meloni se apresenta como defensora dos reais interesses do povo sem contanto apresentar qualquer proposta econômica e política para uma recuperação de autonomia para a Itália.

Durante o período de um ano e meio em que Salvini acumulou os cargos de Vice Primeiro Ministro e Ministro do Interior da Itália nenhuma política foi implementada para uma eficiente retomada de crescimento econômico e geração de empregos, o que se viu foi um aumento da instabilidade política interna e nas relações do país com o bloco a que pertence, com um cotidiano marcado pelo confronto, acusações contra as instituições europeias e muita incompetência no enfrentamento de problemas administrativos do país, até seu frustrado autogolpe que o alijou do poder.

Como essa direita se alimenta do confronto, sua aposta permanente é no insuflar da raiva e ressentimentos de variados grupos populares, para os quais apresenta soluções simplistas com promessas de eficácia. Servindo-se de recursos tecnológicos como algoritmos e inteligência artificial, “produzem” respostas virtuais, desejadas por esses grupos.

Mais do que identificar problemas que afligem os cidadãos em geral e os seguidores em particular o suporte tecnológico da extrema direita faz uso sistemático de fake news para explorar os medos desses cidadãos e instaurar novos medos.

Desprezando a importância de coerência e de consensos, apostam na polarização juntando momentaneamente pelo ódio grupos variados mobilizados para o ataque ao inimigo, real ou imaginário.

Por enquanto esse know how compartilhado pelos políticos da extrema direita como  conhecimentos de uma franquia tem passado por ajustes de acordo com as características de cada contexto e ainda acumulam resultados que lhes estendem o horizonte de ação mas, a aposta de seus opositores é que tais estratégias se esgotarão e assim, será revelado como na fábula, que o rei está nú. O problema é que até lá muito estrago será feito.

Arnaldo Cardoso, cientista político.

Redação

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