Democracia, alegria, volver! Contra a mentira, o ódio, a trapaça e o revisionismo histórico

Precisamos nos educar para o “nunca mais”, buscando objetar e superar não apenas o entulho autoritário da ditadura, mas as opressões históricas mais profundas e o abismo social herdado do colonialismo, da escravidão e do patriarcalismo

 

Por Franklin Jr.

 

A tomada do poder político pela extrema-direita é uma continuidade do golpe de 2016 e a expressão de um imoral revisionismo histórico [1] em relação ao golpe de 1964.

A ascensão da extrema direita na cena política atual é também reveladora de uma reação mórbida ao processo de inclusão e empoderamento das minorias ocorrido na última década (ainda que este processo tenha sido embrionário e insuficiente para transpor as abismais desigualdades sociais do país).

Apesar de ter se apresentado como “patriótica”, a extrema-direita brasileira revela-se, em sua prática institucional, profundamente submissa a interesses antinacionais (ao menos neste aspecto ela difere da extrema-direita historicamente fascista e nazista).

Aldo Fornaziere[2] é preciso na qualificação: “Os maiores invocadores da pátria não são patriotas. Os maiores invocadores de Deus são sócios do demônio. Em nome do moralismo tosco, criminoso, anti-humano, contrário aos direitos civis, apunhala-se a própria moral, busca-se legitimar a violência como método de solução de conflitos, deixa-se de querer e de fazer o bem comum”.

 

 

O repertório discursivo de ódio, intolerância, reacionarismo e obscurantismo, marca registrada dos fundamentalistas, amplificado com entusiasmo pelos grupos de mídia hegemônicos, não só preparou a atmosfera que culminou no golpe de 2016, mas soou como uma espécie de autorização para a banalização e a proliferação do mal.

A propósito, o documentarista francês Thomas Huchon revela, no filme “Driblando a Democracia” (disponível neste link), como é possível dividir um país pelo ódio, fenômeno que possibilitou as vitórias do Brexit na Inglaterra, de Trump nos EUA, e da extrema-direita no Brasil. Também vale a pena conferir importante reportagem do jornal inglês “The Guardian” sobre as movimentações do estadunidense Steve Bannon (um dos principais conselheiros de Donald Trump e dos Bolsonaros), na articulação da extrema-direita europeia (veja neste link com legendas em português).

 

Nas “eleições” de 2018 (ocorridas em plena vigência do golpe de 2016), as fake news tiveram lá a sua relevância na definição do resultado, mas talvez sejam um aspecto até secundário de um grande jogo sujo.

 

Não obstante, o aspecto central, que garantiu a “eleição” da extrema-direita, foi o banimento da candidatura favorita do ex-presidente Lula (líder absoluto em todas as pesquisas de opinião, nas quais contabilizava praticamente o dobro da preferência do eleitorado em relação aos demais candidatos). Esta operação ardilosa foi efetivada por meio da manipulação de instrumentos legais por atores que deveriam zelar pelos fundamentos da lei, pela integridade do processo democrático e pela lisura do processo eleitoral.

 

O banimento da candidatura de Lula afrontou inclusive decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU, preconizando a não-violação dos seus direitos políticos, sob o risco de causar sérios e irreparáveis danos posteriores à própria democracia (como se confirma agora).

 

Lula não é vítima de “erro jurídico”, esta afirmação, hoje, soa como uma grande falácia ante às irrefutáveis evidências em contrário.

 

O banimento de Lula é, na verdade, um ato torpe, uma conspiração que deriva de outras arbitrariedades profundamente desonestas, tais como condenação sem provas, prisão ilegal, censura e violação de uma série de direitos fundamentais.   

 

O processo de lawfare e o banimento eleitoral de Lula configura-se, pois, como a segunda etapa do golpe de 2016 (que fora alicerçado no impeachment ilegal e fraudulento de Dilma Rousseff).

 

O banimento de Lula é a continuidade de um ataque frontal à Constituição Federal de 1988 (que teria completado 30 anos de vigência no ano passado, não fossem os dois últimos anos de usurpação), de sequestro da soberania popular e de continuidade do golpe contra a democracia.

 

O banimento de Lula, assim como o impeachment de Dilma, são atos de uma guerra suja, não-convencional, que visa a completa rendição do Brasil às investidas do capitalismo global financeirizado e dos interesses geoeconômicos escusos dos EUA (que além de jamais terem pedido perdão ao Brasil pela derrubada de Jango e o apoio à ditadura, se aventuraram numa reprise trágica da investida golpista arquitetada em 1964). 

 

O banimento de Lula e o impeachment de Dilma foram perpetrados para que o Brasil renuncie à sua soberania, aliene o seu patrimônio e entregue os seus recursos naturais para os estrangeiros, os austericidas e os plutocratas sanguessugas.

 

Lula e Dilma tornaram-se alvos de um conluio mafioso, dentre outras razões, por se recusarem a vender o país, por valorizarem o multilateralismo e consolidarem uma política de inserção geopolítica ativa e altiva do Brasil, por serem intransigentes na defesa da democracia e da soberania nacional, e por retirarem da pobreza extrema cerca de 40 milhões de pessoas, o equivalente à população de 80 países como Luxemburgo, 40 países como o Timor-Leste ou, ainda, 8 países como a Noruega.

 

O banimento de Lula e o impeachment de Dilma integram, portanto, a estratégia de implantação de um neoliberalismo radicalmente reacionário e tirânico no país, por meio do desmantelamento do estado (privatizações e entreguismo) e da destruição de direitos (fim da previdência pública, terceirização irrestrita, fim do SUS, fim da CLT, fim da educação pública etc), subjugando o povo brasileiro ao novo regime intensivo de mercantilização da vida, de rapinagem, saque, dominação e opressão sem fim.

 

Diante do desastre do atual “governo”, imoral, deletério e mundialmente escandaloso, começam a circular as notícias de que os sabujos já cogitam o que seria a terceira fase do golpe: o parlamentarismo (pode ser também o aprofundamento da tirania do regime). Pretendem erguer mais uma parede para nos confinar neste inferno astral (ético, político, econômico, social, cultural, ambiental etc).

 

Todavia, o paredão erguido para prender nossos sonhos está cheio de rachaduras. É preciso decifrar as metáforas. É preciso reavivar na memória cada uma das etapas desta trama golpista ardilosa. É preciso libertar os sonhos. É preciso acertar o passo e o compasso, pois como decifrou o Eduardo Galeano, “a utopia serve para fazer caminhar”.

 

Também é preciso saber dizer “não”. A filósofa italiana Donatella Di Cesare [3] lança luzes sobre a importância da desobediência: “o gesto de quem diz ‘não’ não pode ser interpretado como um ato irresponsável de delinquência. Desobedecer é um ato responsável. Esta é a lição que vem de Eichmann. Se eu não posso ser considerado responsável porque me limitei a obedecer, então quando eu obedeço cegamente, seguindo a lei, eu me subtraio à responsabilidade. Em um mundo onde as ações são segmentadas, e a monstruosidade do todo corre o risco de não ser vista, onde a indiferença exonera de reagir, onde a impotência política é confundida com neutralidade soberana, a desobediência civil é uma obrigação democrática”.

Cabe à resistência democrática entender a dinâmica das fendas e transformar as fissuras em fraturas que nos libertem dos aprisionamentos.

 

Como também alerta o Saul Leblon [4],

“A insatisfação social é tão densa que se pode cortar com uma faca. […] Apenas 11% dos brasileiros acreditam, de fato, que a falange no poder beneficiará os trabalhadores, conforme informou discretamente a Folha em página interna na edição de 26 de janeiro. […] Um Brumadinho de ódio e ganância soterra a nação. Há volúpia e sofreguidão no ar. […] Para resistir é necessário recusar os limites do jogo conservador e os seus fundamentos. Não é possível afrontar o que se desenha sem uma ampla organização popular capaz de conquistar o poder de Estado e democratizar suas decisões. […] A questão a ser respondida pelo conjunto das forças progressistas brasileiras é se há audácia para romper a camisa de força das respostas ordinárias quando o extraordinário acontece”.

 

A hora da verdade vai chegar, o caldo da insatisfação popular, da revolta contra todas essas injustiças, ainda haverá de transbordar.

 

 

Precisamos, simultaneamente, nos educar para o “nunca mais (buscando objetar e superar não apenas o entulho autoritário da ditadura, mas as opressões históricas mais profundas e o abismo social herdado do colonialismo, da escravidão e do patriarcalismo). Portanto, uma educação pós-autoritária, numa perspectiva humanística, emancipatória e libertária, para a paz e a democracia.

 

Pela frente, teremos o desafio de reconstruir, a partir de novos aprendizados, um novo projeto democrático para o país, que valorize ainda mais a sororidade, as africanidades, a latinoamericanidade, a demodiversidade (coexistência de diferentes modelos e práticas democráticas), a sustentabilidade e outras formas inclusivas, plurais, acolhedoras, amorosas, festivas e solidárias de coexistência social.

 

#JustiçaAindaQueTardia

#LulaLivre

#PátriaLivre

#MarielleVive

#CancellierVive

#DitaduraNuncaMais

#ReformaDaPrevidênciaUmaOva

#GreveGeralJá

 

NOTAS

[1] “Comemorar golpe de 1964 é imoral e inadmissível, diz relator da ONU”. Jornal alemão DW, 29/03/2019. Disponível em: https://p.dw.com/p/3Fudr.

[2] “O Brasil está moralmente morto”. Aldo Fornazieri. Jornal GGN, 28/01/2019. Disponível em: https://jornalggn.com.br/artigos/o-brasil-esta-moralmente-morto-por-aldo-fornazieri/.

[3] “Em louvor da desobediência”. Donatella Di Cesare. IHU Unisinos, 12/02/2019. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/586546-em-louvor-da-desobediencia.

[4] “O capitão do capital é um desastre. E agora, Brasil?” – Saul Leblon. Agência Carta Maior, 01/02/2019. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-capitao-do-capital-e-um-desastre-E-agora-Brasil-/43133.

 

Imagens-poemas: TT Catalão

 

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