Denúncia contra Lula: procurador não fez o dever de casa, por Marcelo Auler

O que ele deixou de fazer como dever de casa do Ministério Público em geral foi provar o nexo entre o discurso de Lula e a ocupação em si, ocorrida três meses depois.

Lula e Boulos: denunciados no mesmo crime (Foto: reprodução do Nocaute)

Denúncia contra Lula: procurador não fez o dever de casa

por Marcelo Auler

de Brasília

em seu blog

Na ânsia de criminalizar movimentos sociais, gerar mais um processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, muito provavelmente, com isso, adular a Força Tarefa da Lava Jato de Curitiba – inclusive e principalmente o atual ministro da Justiça, Sérgio Moro – o procurador da República no município de Santos (SP), Ronaldo Ruffo Bartolomazi acabou esquecendo de fazer o “dever de casa”.

Quem diz isso, ainda que de forma indireta, é a juíza Lisa Taubemblatt, da 6ª Vara Federal de Santos, na decisão de segunda-feira (03/02) em que rejeitou o pedido de Bartolomazi. Ele desejava processar Lula pelos crime previsto no art. 346 do Código Penal – “tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção” – por conta da ocupação do famigerado triplex do Guarujá, em 16 de abril de 2018, por dezenas de militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O procurador tentou incriminar Lula por incitar aquele movimento político de ocupação. Respaldou-se em um discurso no qual o ex-presidente conclamou aos presentes na plateia – não obrigatoriamente os manifestantes da ocupação – a ocuparem o imóvel. Na denúncia, diz com relação a Lula: “ele foi ovacionado, o que demonstra que, na qualidade de líder político e possuidor de um carisma diferenciado perante movimentos sociais de tal natureza, a convocação feita por Luiz Inácio Lula da Silva para a ocupação do Triplex foi recebida pelos manifestantes como uma ordem”.

O que ele deixou de fazer como dever de casa do Ministério Público em geral foi provar o nexo entre o discurso de Lula e a ocupação em si, ocorrida três meses depois. O procurador poderia até ter recorrido a outra manifestação de Lula, em data mais próxima. Por exemplo, a fala dele para militantes do PT e sindicalistas no sábado, 6 de abril de 2018, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, em São Bernardo do Campo (SP), dia em que se apresentou à Polícia Federal cumprindo a ordem do então juiz Sérgio Moro. Ali, repetiu a mesma “sugestão”.

Na sua decisão, a juíza Lisa Taubemblatt mostrou que o procurador não fez seu dever de casa (Foto: reprodução do Youtube)

Não o fez. Acabou dando margens à juíza Lisa para que ela apontasse a falha na denúncia:

Embora existam nos autos registros incontestáveis de que o corréu tenha declarado, durante ato público realizado em 24.1.2018, as seguintes palavras: “… Eu até já pedi pro Guilherme Boulos mandar o pessoal dele ocupar aquele apartamento” e “Já que é meu… Ocupem!”, tais manifestações, por si só, não são aptas a constituir nexo causal entre a participação intelectual do acusado e a conduta delituosa direta (prática de atos executórios), ocorrida na data de 16.4.2018″.

Na sua decisão, a juíza – que em Ponta Porã (MS) viu-se obrigada a andar com seguranças por conta de ameaças de morte que sofria, em decorrência de condenações a traficantes de drogas -, quase que como em uma aula, ressaltou o desleixo do procurador na denúncia apresentada:

O nexo causal, na lição de Fernando Capez, “é o elo de ligação concreto, físico, material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual é possível dizer se aquela deu ou não causa a este” – (Curso de Direito Penal, parte geral, Saraiva, 2005, p. 149). Em que pese o quanto afirmado pelo parquet, sobre a influência exercida pelo acusado Luiz Inácio Lula da Silva sobre determinados atores de movimentos sociais envolvidos na ocupação do Edifício Solaris, o Ministério Público Federal não logrou demonstrar como evidente que sua conduta, conforme descrita na denúncia, se consubstanciou de modo determinante a contribuir para a produção do resultado final e que, se excluída, o crime não teria ocorrido”.

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Redação

1 Comentário

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  1. Tivesse a juiza em questão, entretanto, a presteza “intelectual” de moro, subentenderia, sem que o procurador necessitasse verbalizar, que houve nexo causal entre as declarações do Lula e as ações do MTST na ocupação do malfadado triplex.
    Faltou na juíza o “animus necandi” contra Lula e sobraram competência e conhecimento técnico no cumprimento de seu dever.
    Essa não fez dobradinha com o MP.

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