Depois do assim chamado julgamento, por Reginaldo Moraes

Foto Ricardo Stuckert

Depois do assim chamado julgamento

por Reginaldo Moraes

Depois da chuva

Estas são impressões pessoais. E, claro, bem pouco relevantes. Como dizia o poeta, “ Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

O julgamento de Lula, em 24/1/2018, teve o resultado esperado, a condenação. Foi um pouco além do esperado, porque nem sequer houve um questionamento deste ou aquele aspecto da sentença. E a extensão da pena (com números que evidenciam uma combinação prévia) tem todo o cheiro de cálculo político: evitar prescrição.

Fora o esperado, há o que fazer daqui por diante.

Vejo muitas avaliações lamentando os erros. Sim, os erros que cometemos foram muitos, vêm de longe. Erros do PT, dos governos liderados pelo PT, da esquerda em seu entorno, da esquerda fora do entorno. Bom, cada um fará seu balanço.

De minha parte, venho errando (e eventualmente acertando…) desde que tenho memória de envolvimento político. E tento sempre fazer esse balanço para ver se aprendo algo para o futuro imediato.

Estava agora mesmo pensando nas duchas frias que nós, da esquerda, já levamos, nessas décadas todas, desde 1966, quando comecei a me meter nisso. Uma atrás da outra. Primeiro, como secundarista, um movimento também forçado à clandestinidade nos anos 1960. Depois, em um partido que optou pela tática do foco guerrilheiro e foi praticamente destroçado, em 1971. Depois, com a reconstrução desse partido, com base em outras formas de luta.

E acho que as derrotas maiores não foram necessariamente as da repressão. A repressão foi dura e sangrenta, suas marcas foram visíveis e, em grande medida, feitas de fora para dentro. Mas houve outras marcas, derivadas de outras derrotas. Foram aquelas que nos derrotaram pela incapacidade de formular saída nova para situação nova. Depois da derrota militar, no começo dos anos 70, começamos uma conversão que durou uns 10 anos e foi em geral bem sucedida, pelo menos para os padrões que podíamos ter. Bem ou mal, contribuímos para organizar uma resistência popular ao golpe – nas fábricas, sindicatos, bairros populares. Foi isso que desgastou a ditadura pelo lado de baixo e preparou a emergência do PT e da CUT (do MST um pouco depois). Mas nós não soubemos ter uma clara (e consistente) tática para a combinação das duas politicas – a de massas, extra-institucional, contra-institucional e instituinte, e a institucional, aquela que é determinada inteiramente pelo campo deles. Isso foi uma constante e tem sido. Não apenas para o PT. Para o PCdoB também. E para os ultra-esquerdistas, também, até mais.

Agora estamos diante de uma bifurcação. Se o regime se estabiliza, se “normaliza”, corremos o risco de mais uma década cinzenta de reconstrução, em condições muito duras de cerco, isolamento e repressão. Se não se estabiliza, a velocidade da crise pode ser maior do que a nossa. E daí, a saída da direita-direita pode ser vitoriosa. Com resultados igualmente duros.

Ontem, a derrota pesou. Visivelmente. Um soprozinho de vida veio do final meio surpreendente da manifestação aqui em S.Paulo, com a marcha para a Paulista. Era uma aposta perigosa, ninguém sabia o que aguardava os manifestantes, ali na boca do lobo – onde ruminavam uns cincoenta coxinhas, rodeando um caminhão de som e protegidos pelo choque da PM que era várias vezes maior do que o número de manifestantes que comemoravam a sentença. Ainda assim, uma grande massa subiu a rua da Consolacao, uma bela e longa ladeira de uns 3 km, para invadir a avenida Paulista. É sinal de alguma disposição. Vamos ver se dura e se cria instrumentos mais cotidianos de ofensiva. Mal comparando, lembrou-me, em contexto bem diferente, o significado de outra marcha proibida e bem sucedida, aquela do primeiro de maio que nos levou do largo da Matriz para o Estado de Vila Euclides, em São Bernardo. As lideranças da greve presas e persguidas, o estádio ocupado, a cidade cercada pela PM e exército. A marcha seguiu, o estádio foi ocupado pela massa, tínhamos avançado uma importante trincheira pelo desgaste da ditadura. E tínhamos soldado alianças e crenças.

O ânimo dos manifestantes de ontem, na praça da República, certamente foi ampliado com o discurso de Lula, que enfatizou uma idéia: nem pensar em desistir, nunca, não abaixar a cabeça. Não é o Lula que está em jogo, é a vida de todos nós, os de baixo. Para manter os manifestantes vivos, era essencial que ele desse esse recado, que não estava fora do jogo e que iria voltar para a rua e para a disputa. O ato não podia se desfazer em lamentos, lágrimas, em um velório.

Agora, como sabemos, é preciso pensar bem no modo de fazer isso, de seguir na disputa. Vai sobrar idéia maluca – os mais velhos se lembram delas e quanto nos custaram. Haverá também que reme no sentido inverso: recuar ou desistir. Sempre há. Fácil não será – nem para quem optar pelo enfrentamento, nem para quem optar pela rendição. 

A reconstrução das trincheiras é complexa. Sobretudo para empolgar não apenas os já convertidos, nossa tropa já mobilizada, mas para conquistar para a política ativa, mais do que para o voto, a enorme massa de brasileiros que foi fortemente orientada a descrer da política, a criminalizar a política, para mergulhar em crenças convenientes para os conservadores. As crenças da “salvação individual” e do retiro para a vida privada, aquela em que você vende a força de trabalho e tenta navegar diante das incertezas. Essa é a crença silenciosa, mais ou menos fragmentada, que durante todos estes anos a onda conservadora tentou injetar nessa massa de gente, que, além de tudo, mal tem tempo para pensar em outra saída.

Mas também não será fácil para o outro lado. Cada vez mais se torna visível que o golpismo interno – ainda que forte – é apenas parte da coisa. De fato, estamos, cada vez mais, em um país sob ocupação de potencias estrangeiras que disputam a carniça. A potêncial principal – na verdade, a cabeça do golpe – tem um problema. Teria sido MUITO mais fácil para os nossos golpistas se a facção Obama-Hilary tivesse ganho. Eles já tinham negociado a transição com os golpistas. A visita de John Kerry, secretário de Estado, era quase uma celebração desse acordo. A vitória de Trump – ironia da historia – complicou a coisa. Os nossos golpistas apostaram tanto na vitória de Hilary  que acreditaram nela e ficaram confusos com Trump. Até hoje. Por outro lado, as outras potências – China, sobretudo – são ambíguas. Não têm preferencia – negociam com o PT ou com ditadores africanos. Compram o pacote.

Nesse quadro, é preciso pensar com calma (mas não sem pressa…) no rumo a seguir, nas táticas a adotar, nas alianças a costurar. A lua é pequena e a caminhada é perigosa, dizia o poema de Augusto Boal.

Redação

2 Comentários

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  1. Prezado Reginaldo
    Bonito e emocionante seu artigo de militante tarimbado.

    Como sempre, eh preciso levantar a moral dos mais suscetiveis ao desanimo para que todos mantenhamos a cabeca erguida. Arrefecer, jamais! Sabemos claramente pelo que lutar e tal certeza nao foi arranhada nem de leve pela condenacao do Lula. Antes, tornou-a mais cristalina.

    Cada vez eh mais assertivo o fato de que a atuacao ampla das esquerdas nunca deve recuar a cada investida que lhe eh desferida. Eh devolver golpe por golpe, com sabedoria e inteligencia, sem desconsiderar a necessidade permanente de avaliar posicoes no campo de batalha.

    Se tem algo que jah vai ficando claro nesse processo pelo qual o Brasil passa eh que ele estah servindo para unificar as esquerdas, alem da concepcao divergente que cada segmento possa e deva ter a respeito das metas a serem perseguidas.

    A semente dessa frente incipiente estah eclodindo, como nao poderia deixar de acontecer no momento em que as forcas reacionarias se deixam divisar com tamanha nitidez.

    Ressacas passam enquanto a luta continua.

    Abraco!

  2. ‘Lula’ na Urna é a Saída Para Entrar no Jogo e Ganha-lo

    Em Porto Alegre foi o mesmo, uma multidão inesperada, em dia chuvoso, que as fotos divulgadas não puderam captar em toda a sua extensão, pois atrás do caminhão palanque, há uma praça transversal a rua do palanque, que estava repleta de gente.

    Sumiram os sorrisos das manifestações anteriores e os rostos sérios e crispados, bem como o norte dos discursos, mostram que o tempo de espera acabou. Ninguém ali contava com o que ocorreria no TRF4 na manhã seguinte, todos sabiam que era jogo jogado no jurídico deles, como sempre foi, desde sempre.

    Não há tempo a perder e não há opção, além da única e não por acaso a melhor opção arreada à nossa frente, já montada, mas não devidamente negociada, comunicada e orientada a massa militante, no prosseguimento da luta, o ‘movimento Lula candidato’, aquele que permanece com Lula candidato, agora como um movimento que prescinda de burocraticamente ser Lula quem estará grafado na urna para ser sufragado, pois o movimento, quando impugnarem a candidatura Lula, já terá instruído todos, para que ninguém deixe de encontrar o ‘Lula’ a ser votado, na telinha da urna.

    Isso levado adiante, anula a estratégia jurídica para que ganhem as eleições, ‘legalizem’ o golpe e estabilizem o governo, mantendo-se no poder por bom tempo que permita desmanchar o Brasil até virar colônia. Fará com que tentem através de, fraudes interferirem no resultado ou no poder do eleito e se isso não for possível, restará a pior saída, o retrocesso fatal com o golpe militar, que a depender do engajamento do povo no ‘movimento Lula candidato’, também poderá ser anulado e impedido.

    Portanto, a luta está na rua e ‘lula’ permanecer candidato é essencial, mesmo que preso, em última tentativa jurídica, que nada significará sabendo-se que não se prende um ideal e o ‘movimento Lula candidato’ independe do nome de quem será ‘Lula’, que somos nós, nas urnas.

    A hora é de centrar forças nesse movimento e só pensar nisso, pois além disso, só a rendição ou sonhos de uma noite de verão que outro nome, que não Lula ou ‘Lula’, na urna, não serão eles a ganharem a eleição, com a melhor forma de consolidarem-se no poder.       

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