Desigualdade crescente e risco democrático, por Rodrigo Medeiros

Desigualdade crescente e risco democrático, por Rodrigo Medeiros

Entre os complexos desafios globais encontra-se a crescente desigualdade interna nos países. Uma recente publicação do McKinsey Global Institute (MGI), “Inequality: A persisting challenge and its implications”, de David Fine e outros, traz números e reflexões oportunas para o momento histórico (aqui). Como síntese, deve-se destacar que “a desigualdade não é um fenômeno novo, mas nos últimos anos ela ressurgiu como um ponto de inflamação social e política nas economias avançadas e além, alimentando a insatisfação pública”.

Não é preciso muito esforço intelectual para perceber como os dez anos de crise global ajudaram a reforçar as fissuras em muitas sociedades. Esse “novo normal”, de emergência da extrema direita em muitos países, causou a preocupação de muitos estudiosos. Destaco o instigante livro do cientista político David Runciman, “Como a democracia chega ao fim” (Todavia, 2018). De acordo com o professor da Universidade de Cambridge, “uma queixa comum contra a democracia do século XXI é que ela perdeu o controle sobre o poder corporativo. As grandes empresas açambarcam riqueza e influência. Fomentam a desigualdade. Espoliam o planeta. Não pagam seus impostos”.

Avaliada a partir de uma perspectiva mais ampla, a desigualdade global foi reduzida por conta dos crescimentos econômicos de China e Índia desde os anos 1980. A participação dos países de renda alta na riqueza global caiu de 80% em 2000 para 71% em 2014, enquanto a participação da riqueza em países de renda média subiu de 14% para 22%. De acordo com o documento do MGI, a desigualdade em muitos países avançados está se movendo no sentido oposto à tendência global de declínio da desigualdade entre os países. Em síntese, a distribuição de riqueza entre a população de um país é substancialmente mais desigual do que a distribuição de renda, que é mais desigual que a distribuição de consumo, baseada nas despesas de consumo. Nos países do G-7, as oportunidades continuam dependentes de atributos pessoais, de critérios como sexo, idade, etnia, antecedentes familiares e local de residência. Nesse sentido, o paraíso meritocrático se mostra uma grande ilusão na Terra.

Há ainda a real compreensão no presente de que as desigualdades de riqueza, renda e consumo podem prejudicar o crescimento econômico no longo prazo, dificultando as oportunidades educacionais, a formação de capital humano e a mobilidade intergeracional. Esse é um debate que esquentou desde a crise financeira de 2008 porque a crescente desigualdade deixou muitas pessoas para trás. Esses efeitos estão relacionados a um declínio nos empregos de média remuneração nas economias avançadas nas últimas três décadas. A desindustrialização explica parte desses problemas. Conforme consta no documento do MGI, “a desigualdade de renda e a estagnação salarial são causas de insatisfação particular. Quase a metade das pessoas entrevistadas em 16 economias avançadas acredita que a pessoa média em seu país está pior hoje do que há 20 anos”. O fato é que as pessoas não estão otimistas em relação ao futuro e as pesquisas mostram um declínio da confiança do público nos governos e nas instituições da sociedade. Esse é um contexto fértil para o extremismo de direita.

Digitalização e automação são frequentemente citadas como fatores no declínio da participação do trabalho na renda e representam desafios profundos no local de trabalho. Não convém olvidar que a carga tributária se tornou menos progressiva em diversos países em nome da globalização e da competitividade nacional ao longo dos últimos trinta anos. Segundo o documento do MGI, um novo consenso será necessário para melhorar a inclusão econômica. A cooperação multilateral terá que fazer parte desse consenso global, pois o atual clima de desconfiança nas instituições cria a urgência para construir coletivamente um novo consenso social e encontrar soluções efetivas para um futuro mais inclusivo.

No Brasil, por sua vez, um recente estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, o FGV Social, aponta para 17 trimestres nos quais a fatia mais abastada dos brasileiros se distancia cada vez mais da parcela mais carente (aqui). Em síntese, “enquanto a renda da metade mais pobre da população caiu cerca de 18%, somente o 1% mais rico teve quase 10% de aumento no poder de compra”. Em um contexto histórico que alguns preferem chamar de ótimo para as reformas institucionais, é preciso refletir sobre o conteúdo e os efeitos dessas reformas sobre o desenvolvimento socioeconômico e a democracia brasileira.

 

Rodrigo Medeiros

Rodrigo Medeiros

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