Desigualdade e o IPTU, por Marcelo Miterhof

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Desigualdade e o IPTU, por Marcelo Miterhof

Por serem mais percebidos no bolso, os impostos diretos são mais combatidos; no entanto, são mais justos

Foi derrubada no fim de novembro a liminar que impedia a Prefeitura de São Paulo de colocar em prática o reajuste do IPTU.

Não houve elevação de alíquotas, mas a correção da sua base de incidência. Em geral, isso é automático, como no ICMS: se o produto sobe de preço, a base é reajustada. No IPTU, é preciso a aprovação da Câmara de Vereadores, o que foi feito. Contudo, uma ação judicial da Fiesp protelou por um ano sua efetividade.

Por serem mais percebidos no bolso, os impostos diretos são mais combatidos. No entanto, por serem proporcionais à renda e à riqueza de cada contribuinte, são notoriamente mais justos do que os indiretos.

O tema é particularmente relevante porque está ligado à continuidade dos esforços de combater a desigualdade. Por isso, é proveitosa a leitura do artigo “Nas Fronteiras da Desigualdade Brasileira: Uma Reflexão sobre as Décadas de 1990 e 2000”, do economista do Ipea André Calixtre, publicado nesta semana e disponível aqui.

O Brasil é historicamente um campeão de desigualdade, porém ela tem se reduzido desde a redemocratização. De 1990 a 2002, o índice de Gini –que basicamente se refere à desigualdade de rendimentos do trabalho– caiu de 0,614 para 0,589. De 2003 a 2012, a queda foi mais acentuada, de 0,583 para 0,53. Numa escala de 0 a 1, os países mais igualitários têm um índice em torno de 0,3.

Além disso, a participação dos salários no PIB, que no Brasil é menor que a média dos países desenvolvidos, cresceu, embora menos intensamente: de 39,5% em 2003 para 43,6% em 2009.

O problema é que a desigualdade tende a ser subestimada porque os mais ricos costumam ter mais de uma fonte de renda. Por terem maior capacidade de poupar, conseguem acumular mais patrimônio, o que cria fluxos adicionais de ingresso.

É verdade que nem sempre o estoque de riqueza de alguém impacta seu fluxo atual de renda. Por exemplo, a valorização do imóvel residencial não traz benefício imediato. Mas há uma relação estruturalmente estável entre uma coisa e outra.

A riqueza pode ser classificada em três grupos: os ativos financeiros, que envolvem títulos da dívida pública, ações etc.; os ativos mobiliários, associados à posse de bens duráveis, obras de arte, entre outras coisas; e as propriedades imobiliárias.

O diabo é que essa é uma economia oculta pela falta de dados e, assim, de estudos. Ainda assim, é possível imaginar que a melhora na distribuição de renda pode piorar a concentração patrimonial. Isso acontece, por exemplo, quando há uma valorização imobiliária, beneficiando aqueles que, por terem previamente uma renda mais alta, já tinham propriedades. Isso provavelmente ocorreu nos últimos anos no Brasil.

Isso faz Calixtre destacar que a desigualdade não se reduz, mas muda de lugar. E nos traz de volta ao tema do IPTU e da estrutura tributária.

É sabido que no Brasil é baixo o peso da taxação da riqueza. É o caso do imposto de herança. Ele não é um tributo que sustente a arrecadação, mas é crucial para que um país seja minimamente capaz de equilibrar as oportunidades dadas a cada cidadão.

Outra constatação é que, se a concentração de riqueza cresce como consequência da distribuição de renda, é preciso elevar a tributação do patrimônio para financiar os investimentos, como os de mobilidade e saneamento, que são capazes de reduzir as diferenças de valorização entre bairros nobres e periféricos.

Por isso, é desanimador que uma iniciativa tão patrimonialista como a ação contra o IPTU paulistano tenha vindo da representação de classe dos industriais da maior economia estadual brasileira. Também na imprensa foi forte a reação.

A Receita ajudaria a lançar luz sobre esse debate disponibilizando os dados de renda e patrimônio da base do IR. Hoje, é possível fazer isso desindentificando os contribuintes e, assim, afastando problemas relacionados a sigilos legais.

Como curiosidade, vale lembrar que foi tal indisponibilidade de dados que fez o Brasil não ser incluído no livro “O Capital no Século 21”, do economista francês Thomas Piketty. O seu sucesso mundo a fora sinaliza o poderoso efeito político que pode ter a desocultação dessa economia.

A todos, desejo um feliz Natal e um ótimo 2015! Volto em janeiro.

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MARCELO MITERHOF, 40, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Há serios problemas com o

    Há serios problemas com o IPTU em São Paulo.

    1.O valor atribuido aos imoveis não tem relação com a renda do morador. Um imovel pode se valorizar mas isso não gera renda para o morador, se for aposentado é pior ainda.

    2.O IPTU de apartamentos não é tão pesado mas o de casas estão absurdamente altos.

    3.A planta generica de valores atribui o mesmo valor para todo o bairro, quando há ruas prejudicadas por excesso de trafego a avaliação não considera uma desvalorização, isso é comum nos Jardins, há ruas nobres e no meio delas há corredores baruklhentos e poluidos, o IPTU é igual.

    4.O valor do imovel, base do IPTU em muitos casos está acima do mercado, o proprietario não consegue vender pelo valor que está na notificação do imposto.

    5.É um ABSURDO haver 1.500.000 de imoveis em São Paulo isentos de IPTU. Poderia ser baixo mas não zero, o morador toma cerveja e na maioria das vezes tem carro, o veiculo paga IPVA não importa quem seja o dono, pobre ou rico, porque o imvel é isento? Não é etico, não é moral, é uma operação IDEOLOGICA. Que pague 100 Reais por ano mas não pode ser de graça, qualquer imovel usa a rua e todo equipamento urbano.

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