Desonesto é o ódio, por Samuel Lourenço Filho

Desonesto é o ódio

por Samuel Lourenço Filho

“Tanta gente honesta e de bem, desempregada, e essa mulé obrigando empregar presidiário”

O Decreto 9450, de 24 de julho de 2018, caiu como uma bomba no seio dos cidadãos de bem e vingadores da sociedade desprotegida. A Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional incitou “especialistas” a desbravar toda sorte de acusações contra o público alvo da política e contra a Ministra do Supremo e Presidenta atual.

Contudo, a cadeia é um lugar de reafirmação constante de que “somos bandidos mas não somos safados”. Cadeia é algo tão extremo que se uma caneta sumir acontece um redevú, um sacode por conta dela até que apareça. Cadeia não pode sumir nada.

A preocupação de ser honesto com o outro é pautado na palavra. Desde contar o crime, se assim desejar, até o papo de sujeito homem. Em que não pode ser desonesto na conversa.

Já vi um rapaz morrer por ter furtado um desodorante roll-on e uma close-up em gel. Tem desses extremos, em nome da moral e da honestidade. Na cadeia, “ladrão que rouba ladrão” não tem perdão, antes, sofre duras penas além da estabelecida judicialmente.

Cadeia não é um antro de desonestos. É uma instituição pública que tutela e mantém sob custódia pessoa indiciada ou condenadas por crime. Crimes motivados por ódio, raiva, insanidade, nervosismo, desespero, ganância, inveja… Por nada e até por desonestidade.

Mas na cadeia, antes de reavaliar se é bandido ou não, o primeiro passo é o compromisso com a honestidade. Lealdade é coisa inerente ao crime, a máfia… Não é sem sentido a perseguição ao traidor. Se afirmam que lá só tem bandido, a gente não pode desprezar a lealdade que cerca o contexto.

Quando ouço uma galera bradar contra proposta de emprego a presidiários, penso que o senso de justiça que lhes movem, farão com que analisem as condições dos empregados. Quais são as propostas de empregos? Como serão remunerados? A precarização das condições de trabalhos impostos aos internos (por serem desonestos e bandidos) pode afetar a todos indistintamente? A baixa remuneração é o caminho para manter o salário dos demais baixos? Não seria uma formação de um exército industrial de reserva? A prática humanitária e de garantias de direitos, através das condições de trabalho do preso, talvez não seja mais perversa que o suposto bandido? O quanto isso pode impactar no mercado de trabalho e na justiça social?

Mas ao que tudo indica, não temos nada de busca pela justiça aos honestos e gente de bem. É questão de ódio mesmo. O preso é indesejado muito antes de ser preso. Ele é indesejado na favela, indesejado enquanto preto, indesejado enquanto cracudo, indesejado como contraventor… Ele já é indesejado por ser pobre e não útil aos interesses dominantes (se bem que ser preso é de interesse também!).

A gente precisa ter cuidado sobre como esse trabalho será regulado e a quais condições estará submetido. Se o ódio cega, talvez, a gente não se dê conta do que pode acontecer a todos nós bandidos e honestos. “Tem que trabalhar de graça!” ; “Por mim, pagava pra trabalhar!” ; “Eu acho que não tem que dar emprego nenhum!” ; “Tinha que fazer igual na Sibéria!”…

Quando se formar um efetivo que trabalhe em condições insalubres, com péssima remuneração, sob a base do ódio e da exploração, veremos que nunca esteve em jogo a ressocialização e sim uma nova forma produtiva. E o ódio de quem que faz uso da honestidade alheia para disseminar vingança, não será capaz de conter a péssima condição de trabalho ofertada a todos.

É aí que o honesto (pode) vira(r) bandido…

Samuel Lourenço Filho – Cronista, palestrante, egresso do Sistema Prisional, aluno de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social -UFRJ

Samuel Lourenço Filho

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Tenho cá para mim que as

    Tenho cá para mim que as pessoas “honestas” precisam dos presídios e de um sistema judiciário condenatório. Como as pessoas “honestas” ficarão tranquilas com aquele fedor da alma que lhes é peculiar, que teima em subir à consciência? 

    Não deve condenar uma pessoa. Deve condená-la sistematicamente. 

    Nestas horas, pessoas mais diversas podem se unir, esquecer de si. Inclusive podem se amar. Impressionante. 

  2. a situação dos presos no

    a situação dos presos no Brasil é absolutamente surreal, desde o princípio, já que a árvore que gera esses frutos, o judiciário brasileiro, está envenenada..

  3. Primeiro os jovens e depois os adultos

    Quando se discutiu a diminuição da idade penal, comentei sobre a possível utilização de jovens do sistema prisional como mão de obra barata por parte do empresariado inescrupuloso caso o sistema fosse privatizado. As duas coisas não foram adiante. Estão voltando à carga, agora após o golpe definitivo. Vão iniciar pelos adultos e, mais tarde, vão aproveitar também os jovens. O objetivo é forçar ainda mais o achatamento salarial dos que estão fora dos presídios. Cabe a pergunta: Quem são os bandidos?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador