Diálogo para quê?, por Jackson De Toni

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A Presidenta Dilma fez um apelo ao diálogo entre vencedores e vencidos na sua primeira declaração após a vitória nas urnas, ainda no dia da eleição. Mais do que conversas a esmo, a primeira mandatária da Nação fez crer que o convite-desafio se referia a um processo estruturado de conversas, de troca de ideias sobre a construção de consensos possíveis.

Na história da República muitas foram as tentativas de estruturar conversas desse tipo, sobretudo no campo dos problemas relativos ao baixo dinamismo econômico. A busca de consensos é estratégia esperada e recorrente em momentos de crise.  Em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek criou o “Conselho de Desenvolvimento” – por ele passou o “Plano de Metas”, o consenso possível daquela época.

Nos anos 1970, já sob regime militar, os generais criaram o “Conselho de Desenvolvimento Econômico”, racionalizando a burocracia estatal e organizando a fila das demandas no balcão da Presidência. O 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, responsável por boa parte da indústria de base brasileira, passou por esse colegiado.

Já sob as incertezas da democracia, durante o governo Sarney, nos anos 1980, vicejaram as chamadas “câmaras setoriais” tripartites, onde empresários moderavam seu apetite pelo lucro, trabalhadores amenizavam demandas salariais e o governo diminuía a carga tributária. Era tempo de reorganizar a economia, depois de sucessivos congelamentos de preços e planos fracassados. O presidente Fernando Henrique Cardoso tentou recuperar a experiência das “câmaras setoriais”, mas, num ambiente ideológico claramente hostil a qualquer política industrial, não obteve êxito.

Hoje, o mundo recupera políticas ativas de apoio à indústria, sobretudo pela capacidade de geração de empregos qualificados, de difundir inovações e de aumentar a produtividade da economia como um todo. Americanos e europeus recolocam os temas da inovação, da (re)nacionalização de elos perdidos de cadeias produtivas e da melhoria do ambiente de negócios a serviço da nova manufatura, agora mais intensiva em tecnologia, serviços e focada em exportações.

Essa nova política industrial, aqui como lá, demanda intenso processo de coordenação e cooperação dentro do governo e do governo com empresários e trabalhadores. Parece lógico que a mais importante premissa de um processo de diálogo seja a existência de ambientes, de arenas de debate, estruturadas e sistemáticas.

Regras do jogo conhecidas, arenas de debate prestigiadas e compromissos coletivamente assumidos geram a confiança necessária para fechar acordos sobre objetivos e metas factíveis, processar divergências e seguir em frente. Foi assim nos anos iniciais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, criado em 2004, no primeiro governo Lula.

Por isso, quando a presidenta fala em “diálogo”, é preciso garantir que isso reflita na liturgia do processo e nas condições necessárias para que a vontade política ultrapasse a retórica e se converta em realidade. São pré-condições para o diálogo:

1.       A existência de uma agenda temática comum, motivada pela identificação partilhada de grandes problemas ou oportunidades, sobre a qual as partes se disponham a negociar o consenso possível em nome de algo que transcenda seus interesses imediatos, sem vetos antecipados;

2.       Um processo com regras de conduta e protocolos informacionais que estabeleçam igualdade de acesso ao conhecimento necessário, direitos iguais para o convencimento recíproco, condições mínimas de previsibilidade e metodologias acertadas, sobretudo para distinguir o que é negociável do que são posições de princípio;

3.       A atuação de empreendedores políticos com iniciativa, carisma e liderança moral e reputação inquestionáveis, capazes de fazer uma gestão estratégica dos conflitos, evitando que o capital político das arenas de debate dissipe a credibilidade do processo.

O principal desafio quando se busca diálogo é a capacidade de alteridade, isto é, de construir argumentos informados não só pelas próprias convicções, mas também pelo olhar dos outros.  A obviedade nesse caso não se limita somente ao saber ouvir. Um projeto legitimado pelas urnas não se diminui com processos de concertação e diálogo; ao contrário, ganha substância e hegemonia.

Jackson De Toni – economista e doutor em Ciência Politica pela Universidade de Brasília (UnB), é Gerente de Planejamento da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Concordo com a proposta do autor

    A busca do consenso entre os vários setores da sociedade é o axioma do desenvolvimento de um país.

    Lula, que é o rei da conciliação, em 8 anos pouco conseguiu avançar nesse campo.

    Dilma se dispôs ao diálogo nos discursos da 1ª e da 2ª vitória. Na primeira, usou inclusive a expressão “estendo as mãos à oposição”.

    O simbolismo gesto é importantíssimo porque, fora os governos trabalhistas de Lula e Dilma, nunca na história deste país um governante se dispôs a abrir uma ponte de diálogo com os que foram derrotados.

    Pelo que se viu ao longo do último mandato e campanha, a oposição preferiu cuspir na mão estendida de Dilma a dialogar civilizadamente.

    Não se pode esperar muito de uma oposição medíocre de ideias e sonhos, como a atual, mas não há outro caminho a não ser atravessar a ponte. O país é um só.

  2. dilma faz os ajustes

    dilma faz os ajustes necessáios, com diálogo com todos os setores.

    dessa dialetica resultará sucesso ou não do governo….

    cabe à esquerda entender a conjuntura atual

    e apoar ogoverno, , mesmo porque só com o tempo pode reverter essa conjuntura

    criada pelo conluio retrógrado da oposição, conluio evidente da direita. 

  3. E quem não tem voz?

    Cada setor social faz a pressão por suas demandas com os meios de que dispõe. O governo deve se equilibrar entre as diversas pressões, sem ceder completamente a nenhuma, se conflitante com outras, mas adotando tudo que for bom para o país. A melhor forma de conciliar essas demandas é o diálogo e o Conselhão deveria ser reativado. Por outro lado, há um setor majoritário de nossa sociedade que praticamente não tem voz e precisa ser olhado com carinho pelo governo, pois seu apoio é a chave contra o golpismo que ronda a nação. Refiro-me à Classe C e a série de textos a partir do link abaixo reflete sobre isso:

    http://reino-de-clio.com.br/Pensando%20BR.html

  4. A proposta de diálogo tem um programa vencedor

    O importante nessa proposta de diálogo é que ela não é uma folha em branco. O diálogo não começa do zero, mas de um programa vencedor nas urnas, que não é o do rentismo mercadista, mas o de um desenvolvimentismo, explícito ou envergonhado, que não tem urticária para falar (e defender) de política industrial.

    Enfim, uma concepção de desenvolvimento que não se deslumbra com a concepção liberal de “igualdade de oportunidades” no mercado global e vê claramente as hierarquias e interesses estratégicos muito bem defendidos por cada governo, que somente uma estratégia ousada do “nosso governo” poderá enfrentar com sucesso.

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