Diferenciações fundamentais sobre o bolsonarismo, por Gregório Grisa

Duas distinções se fazem necessárias em nossos dias: uma é política e a outra de postura dos agentes públicos. Nesse texto, busco distinguir o bolsonarismo das demais forças políticas, fugindo de vez das falsas simetrias.

Bolsonaro em manifestação em 15/03/2020

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Diferenciações fundamentais sobre o bolsonarismo

por Gregório Grisa

Duas distinções se fazem necessárias em nossos dias: uma é política e a outra de postura dos agentes públicos. Nesse texto, busco distinguir o bolsonarismo das demais forças políticas, fugindo de vez das falsas simetrias.

1 — A política

Ao dizer que o bolsonarismo representa um perigo político, cultural, estético e para a cidadania, muitos arregimentam o batido argumento “e o PT”? Assim como dito inúmeras vezes na eleição de 2018, as dimensões são diferentes.

Governar em coalizão produz erros e acertos, isso ocorreu com o PMDB, o PSDB e com o PT. Errar planos econômicos é parte da complexa gestão do Estado, assim como acertar. As crises econômicas são multicausais, não se devem apenas a ações dos governos locais. Várias crises ocorreram da Constituição Federal para cá, com diferentes composições políticas na gestão do país.

Com o bolsonarismo a dimensão é outra, não está mais se divergindo dentro de parâmetros democráticos, a política não é mais uma arena em que adversários travam o debate sobre os melhores caminhos e medidas. O bolsonarismo é inimigo da democracia, das instituições (manifestações de domingo — 15/03/20 – deixam isso claro). Tem saudades do autoritarismo, da possibilidade de eliminação daquele que não o segue, do “subversivo”.

O bolsonarismo é adepto da necropolítica, assim definida por Achille Mbembe como aquela que adota o uso ilegítimo da força, o extermínio, a política da inimizade. Que se divide entre amigo e inimigo para além do discurso, que materializa a morte do inimigo e da democracia por dentro. Tal morte pode ser direta, como ocorreu com Mariele Franco, lideranças indígenas, sem terras, por meio do aparato de segurança do estado e ainda fruto da negligência, da incompetência.

O comportamento institucional irresponsável (mau exemplo), o anti-cientificismo, o anti-intelectualismo, o desprezo pelas universidades, o fomento de fake-news anti-vacina e tudo que envolve o obscurantismo que caracteriza o bolsonarismo também matam. Liberdade de expressão e de imprensa, direito ao contraditório, a justiça, a participação da sociedade civil (vide conselhos e afins) são princípios rejeitados pelo bolsonarismo.

A candidatura de Bolsonaro constituiu uma alternativa não ao sistema político tradicional, ao “PT” ou algo que o valha, mas ao sistema constitucional, a própria democracia representativa. Pela conjunção de fatores como moralismo, ódio, despolitização, crise, descrença e desesperança ela se tornou viável.

Escolher qualquer outro candidato (Marina, Dias, Alckmin, Meirelles, Ciro, Haddad) era optar por projetos diferentes para o país, dentro de um patamar mínimo de razoabilidade, de respeito ao ordenamento político estabelecido que se aprimorava desde 1988.

Bolsonaro não, se chancelou com sua eleição o inominável do ponto de vista da postura, da liturgia, do respeito e da responsabilidade. O caso agora do coronavírus apenas ilustra o quão fora do admissível está o bolsonarismo que prefere colocar vidas em risco em nome de suas estultices ideológicas.

2 — A de postura

Essa diferenciação é bem mais simples, pode ser feita se usando o exemplo de membros do governo ou mesmo de políticos que apoiam Bolsonaro que estão tendo postura condizente com seus cargos e com os protocolos, diferente do presidente.

O ministro da saúde vem tendo uma postura profissional adequada para a grandeza do cargo que ocupa. Note, apesar de minhas profunda divergências políticas com Mandetta, não tenho nenhum problema em reconhecer sua postura madura e republicana diante da crise sanitária que vivemos.

Outro exemplo é do governador de Goiás, Ronaldo Caiado com quem divirjo em tudo. Seu reacionarismo se aliou ao bolsonarismo na trincheira política, mas mesmo ele foi ofendido quando tentava explicar o quão irresponsável eram as manifestações em tempos de pandemia.

Essa diferença de postura dentro do campo político do presidente é algo muito importante. A dos mencionados é passível de reconhecimento e garante o convívio, a decência. Porém, a postura de Bolsonaro (seus filhos e outros ministros como o da educação), é impeditiva de qualquer harmonia ou respeito.

As diferenciações políticas e de posturas feitas aqui estão relacionadas, são parte dos mesmos fenômenos sociais. É importante entendê-las para não se tomar os comentários aqui feitos como defesa de x ou y, ou mesmo “perseguição” simplória ao atual governo. Já estamos em tempos de exceção.

É tempo de compreender essas diferenciações, principalmente aqueles que defenderam falsas equivalências nas eleições. Penso que é necessário sim retratações públicas, notas de que se errou em ao insinuar que outros candidatos seriam equivalentes a Bolsonaro, isso não procede empírica e subjetivamente. Tal atitude faria bem para a democracia, nos ajudaria a não cometer erros futuros e nem perder tanto tempo como estamos fazendo como país.

Gregório Grisa – Doutor em Educação e Pós-Doutor em Sociologia pela UFRGS | Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul

Redação

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