Direita ultraconservadora na Polônia faz escola enquanto Europa democrática titubeia, por Arnaldo Cardoso

Direita ultraconservadora na Polônia faz escola enquanto Europa democrática titubeia

por Arnaldo Cardoso

A vitória do ultraconservador Andrzej Duda para um segundo mandato de cinco anos como presidente da Polônia se deu após um processo eleitoral repleto de falhas e no qual foram empregados os mesmos recursos que lhe garantiram a primeira vitória cinco anos atrás e que tem sido desde então reproduzidos com êxito – feitas algumas adaptações – por políticos radicais de direita em diferentes países.

Com a promessa de continuidade e radicalização de uma agenda ultraconservadora, Duda explorou novamente uma narrativa que identifica inimigos a serem combatidos como “jornalistas estrangeiros”, “capital global”, “ideologia LGBT”, “doutrinação comunista”, entre outros, criando um ambiente paranoico propício para a disseminação do ódio e exaltação de clamor nacionalista.

Durante o primeiro mandato de Andrzej Duda seu partido Lei e Justiça (PiS) liderou reformas que resultaram no aparelhamento e comprometimento da independência do Poder Judiciário e esvaziamento do Estado de Direito no país.

As perseguições e prisões de jornalistas críticos ao governo e a estatização de veículos de comunicação tem servido – inclusive na última campanha eleitoral – para assegurar o predomínio da narrativa governamental e a manutenção do engajamento de parte significativa da população em apoio ao governo.

Ainda que a vitória no segundo turno tenha sido apertada (51,2% dos votos) os eleitores de Duda mostraram-se mais aguerridos e dispostos a defender a agenda conservadora do governante que ganhou reforço com o voto da maioria dos eleitores do partido Confederação, de extrema-direita, com discurso anti-semita, anti-EUA e pró-Rússia, que no primeiro turno garantiram ao seu representante Krzysztof Bosak, 6,8% dos votos, ou 1,3 milhão de votos.

Na última década, especialmente na Europa Ocidental, pesquisadores e teóricos vinculados a importantes centros de pesquisa e renomadas universidades mobilizaram esforços para o mapeamento e compreensão do fenômeno da ascensão e fortalecimento de partidos políticos e movimentos sociais da extrema direita e da alt-right na esteira da crise de legitimidade da democracia liberal representativa. Desde então diversos livros e artigos acadêmicos, relatórios de pesquisa, dissertações e teses foram produzidos mapeando e interpretando os discursos, ações, atores e contextos que levaram políticos como Orban, Duda, Salvini, Erdogan, Trump, Bolsonaro, entre outros, a chegarem ao topo do poder político de seus países. Se uma das constatações foi a falta de consistência conceitual e programática desses partidos e movimentos políticos, marcados pelo oportunismo político e ambiguidades, uma série de traços comuns como retórica moralista, negacionismo, construção de bodes expiatórios como imigrantes e refugiados, “intelectuais comunistas”, “globalistas”, “marxismo cultural”, “ideologia de gênero”, uso instrumental do radicalismo religioso, perseguição da mídia e uso ostensivo de fake news e engajamento de milícias digitais foi o que lhes garantiu vitórias eleitorais e desarticulação de seus opositores.

Como já foi bem colocado por um conhecido filósofo alemão há quase dois séculos, a ação dos filósofos de explicar a realidade é importante, mas não basta, é preciso transformá-la.

Em recente artigo publicado no jornal inglês The Independent intitulado “Boris Johnson has congratulated Duda’s Polish victory. Let’s hope other EU leaders speak out” assinado por Andrea Mammone (pesquisador visitante do Robert Schuman Centre at the European University Institute, e historiador do Modern Europe at Royal Holloway, University of London) e Luiza Bialasiewicz (professora de Política Externa da University of Amsterdam) foi reforçado o alerta sobre o perigo representado por essa vitória da extrema direita na Polônia, avaliando que “países como Hungria e Polônia estão se tornando zonas seguras e laboratórios para regimes políticos de exclusão e nacionalismo de direita, ainda que baseados ostensivamente em eleições e procedimentos democráticos formais […]”.

Mammone e Bialasiewicz fizeram lembrar que em novembro de 2017 “milhares de nacionalistas de extrema-direita, incluindo o famoso extremista britânico Tommy Robinson, membros de extrema-direita canadenses e norte-americanos e neofascistas do sul da Europa, se reuniram na Polônia pedindo a reconstituição de uma ‘Europa Branca’”.

E esse não foi o único evento do gênero. Tudo isso vem ocorrendo sem respostas equivalentes e eficientes das forças progressistas democráticas da Europa e das instituições políticas do bloco europeu que foram fundadas sob princípios democráticos e com a missão de assegurá-los.

Depois de reproduzirem os termos amistosos com que o Primeiro Ministro britânico Boris Johnson cumprimentou Andrej Duda pela vitória eleitoral, o artigo citado foi concluído com a seguinte cobrança “o desafio está agora aberto a outros líderes europeus que respondam de maneira adequada à reeleição de um candidato e de um partido que se opõe claramente aos princípios básicos da União Europeia.”

O declínio do peso econômico da Europa no mundo vem sendo apontado por analistas pelo menos há duas décadas e uma correspondente perda de relevância política desde muito é problematizada em termos de consequências para a democracia no mundo.

Neste exato momento, os governos das nações integrantes da União Europeia se veem mergulhados nas disputas locais e regionais em torno dos recursos financeiros disponibilizados para o socorro dos países mais afetados pela pandemia do coronavírus.

Pelo menos desde o Tratado de Maastricht, de 1992, uma agenda econômica pautada por objetivos orientados pela doutrina neoliberal se sobrepôs a uma agenda política de desenvolvimento regional, redução de desigualdades entre os membros e promoção de valores democráticos e de justiça social para seus mais de 500 milhões de cidadãos.

Hoje, novamente diante de um quadro de graves ameaças ao futuro da democracia na região, o bloco presidido pela chanceler alemã Angela Merkel, no final de seu último mandato no mais rico país da União Europeia, vê no referido programa de ajuda econômica o legado que deixará para a história.

Do país que tanto se beneficiou do projeto integracionista europeu e que costuma exaltar sua política de manutenção permanente da memória sobre os horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial para que nada semelhante possa se repetir, o momento demanda muito mais.

Arnaldo Cardoso, cientista político.

Redação

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