Do nacionalismo ao entreguismo vulgar: a ignorância como estratégia de ação, por Rafael da Silva Barbosa

A produção permanente de pautas fúteis pelo atual governo tem um só objetivo: desviar a opinião pública dos temas relevantes

Foto: Agência Brasil
do Brasil Debate
Do nacionalismo ao entreguismo vulgar: a ignorância como estratégia de ação
por Rafael da Silva Barbosa

Com Bolsonaro, o entreguismo é semelhante ao dos tempos de Kubitschek e FHC. A diferença está no discurso, que não apela mais para a necessidade de ‘modernização’ e usa de cinismo

A utilização da expressão “entreguismo vulgar” é um pleonasmo, pois, todo entreguismo, em essência, é vulgar. Mas, dadas as atuais circunstâncias, a classificação do termo pode auxilar na compreensão de quão fundo nos encontramos dentro poço.

O debate sobre nacionalismo e entreguismo surgiu com ilustre intérprete do Brasil Caio Prado Jr., em sua monumental obra “História Econômica do Brasil”, mais especificamente no capítulo “A crise de um sistema”. Ali, o intérprete deixa claro o que é ser, de fato, nacionalista:

“deixar de ser um simples fornecedor do comércio e dos mercados internacionais, e tornar-se efetivamente o que deve ser uma economia nacional, a saber, um sistema organizado de produção e distribuição dos recursos do país para a satisfação das necessidades de sua população. Romper definitivamente com seu longo passado colonial, e fazer-se função da própria comunidade brasileira e não de interesses e necessidades alheios”. (Caio Prado Júnior, 1945).

Isto é, em oposição, o entreguismo significa entregar toda sua capacidade produtiva e riquezas ao capital internacional, limitando-se apenas a fornecer bens primários de baixo valor agregado.

Para Prado (1966), em “A Revolução Brasileira”, o entreguismo se expressa em ações, por exemplo, do governo Kubitschek, com “negociatas e oportunidades de bons negócios à custa do Estado e da nação, como em particular no caso da construção de Brasília”, principalmente pelo favorecimento dos interesses imperialistas através de estímulos creditícios do banco de desenvolvimento do próprio País.

Segundo o autor, o antigo BNDES, o Banco do Desenvolvimento Econômico (BNDE), reunia capitais “arrancados através de empréstimos forçados do conjunto dos contribuintes brasileiros” para favorecer empreendimentos que nem sempre eram de interesse e necessidade da nação.

Nas palavras do intérprete: “nunca se vira, e nem mesmo imaginara tamanha orgia imperialista no Brasil e tão considerável penetração do imperialismo na vida econômica brasileira”.

Nesse particular, é importante notar que o entreguismo daquela época considerava o grande capital nacional, em especial o produtivo, nas relações capitalistas, muito diferente do modelo atual de entreguismo. Em menos de dois meses de gestão, o governo Bolsonaro já prejudicou diversos setores produtivos[1] da economia nacional, salvo o setor financeiro. Sua recente administração é comparável apenas à era FHC, período no qual houve semelhante padrão.

A vulgaridade é a mesma, mas enquanto a era FHC buscava a ironia e uma linguagem “modernizante” dos padrões de consumo mundial para realizar a entrega do País ao capital internacional, o bolsonarismo utiliza o cinismo e a ignorância como estratégia de ação.

Cínicos porque eles não acreditam no que dizem, e ignorantes por acharem que enganarão a população por tempo indeterminado.

A produção permanente de pautas fúteis do atual governo tem apenas um objetivo: ela busca desviar a opinião pública sobre temas relevantes para o País. Ao criarem quase toda semana um novo fato político (como meninos vestem azul e meninas rosa; todas as escolas devem cantar o Hino Nacional e saudar o slogan de campanha do candidato) e, sem qualquer consequência jurídica, eles escondem o que de fato importa, como entrega do Pré-Sal avaliado em US$ 10 trilhões (aproximadamente R$ 40 trilhões de reais[2]), da Embraer por míseros R$ 4,5 bilhões, a destruição da Petrobras, dos bancos públicos e a perversa espoliação do trabalhador brasileiro com a Reforma da Previdência.

De nacionalista, o bolsonarismo não tem nada, pois até as bandeiras do Brasil são importadas[3].

Notas

[1] Por que os produtores de leite ficaram bravos com Jair Bolsonaro? https://www.pragmatismopolitico.com.br/2019/02/produtores-de-leite-jair-bolsonaro.html.

[2] Cotação do dólar 3,7918 referente a 01 de março de 2019. Fonte Banco Central do Brasil.

[3] Segundo a Central dos Sindicatos Brasileiros.

Referência

Prado Jr., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1ª Edição, 1945.

Prado Jr., Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1996.


Rafael da Silva Barbosa é economista, doutor (UNICAMP), pós- doutorando em Política Social (UFES), Pesquisador Visitante em Health and Social Care at Coventry University (CU-United Kingdom) e colunista do Brasil Debate.

Redação

11 Comentários

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  1. Até quando? Até quando seremos colônia, ou com o pensamento tal qual? Até quando?
    Ficar ¨babando ovo¨, sendo subserviente(dos EEUU) até quando? Pobre, puta, preto…Até quando daremos nossas vidas? Estamos engasgados, com o grito sufocado. Até quando? Quando nos rebelarmos, vai doer! Também em outrem, pois, não estamos sós, não é? Vai doer!!!!!

    Vamos nós, morrer? Até quando? Miséria? Até quando?

    Elegemos um imbecíl, um coitado. Tem ele, dificuldade com as palavras, triste.
    És uma vergonha internacional!!!! Saudades do Änalfabeto¨… Saudades!!!

  2. O problema são zeruela que estão meia hora no governo, poderem vender empresas que se formaram durante décadas……..isso não deveria ser permitido, seria importante que para vender determinadas empresas, critérios e conselhos deveriam ser acionados….

  3. Bolsonaro ostenta a faixa presidencial como a mocinha burra ostenta uma faixa de miss.
    Em tudo se parecem.
    Se assim como se escolhe a miss, o povo escolheu o bolsonaro – somente considerando a conversa mole e a aparência – nada que não seja vulgar pode ser esperado desses reinos de faixa e de fachada.

  4. Ainda hoje pergunto a mim: por que Brasília foi construída? Tínhamos uma capital com toda estrutura e muito bem localizada do ponto de vista geográfico. De onde saíram os recursos para a construção desta extravagância no Planalto Central? Por que ninguém disse N-Ã-O?

  5. Nos últimos cinquenta anos, o ponto mais alto da nossa diplomacia ocorreu quando da Declaração de Teerã e a subsequente votação do Brasil contra a resolução da ONU que impôs sanções ao Irã (em razão de EUA, China, Rússia, França e Inglaterra terem rejeitado a demonstração unilateral dos iranianos de boa-vontade e compromisso com soluções pacíficas que havia sido avalizado pelo Itamraty e pela Turquia).

    Agora atingimos o ponto mais baixo da nossa história diplomática.

    A imprensa brasileira criticou ferozmente a altivez e o protagonismo diplomático do Brasil durante os governos Lula e Dilma Rousseff. Agora, os jornalistas se sentem obrigados a rejeitar as canhestras demonstrações de subserviência do novo desgoverno.

    Na verdade, o que os jornalistas querem uma política externa não formulada pelo Itamaraty. O problema é que eles não pensam no Brasil e sim nos interesses privados dos patrões deles. Se realmente tivessem algum apresso pelo nosso país, os jornalistas teriam discretamente apoiado Lula e Dilma e ajudado a impedir o crescimento da irracionalidade que levou Jair Bolsonaro ao poder.

    Em breve eles terão que suportar a censura do novo tirano. Bem feito, será a única coisa que eu direi quando isso ocorrer.

  6. “A produção permanente de pautas fúteis do atual governo tem apenas um objetivo: ela busca desviar a opinião pública sobre temas relevantes para o País. Ao criarem quase toda semana um novo fato político (como meninos vestem azul e meninas rosa; todas as escolas devem cantar o Hino Nacional e saudar o slogan de campanha do candidato) e, sem qualquer consequência jurídica, eles escondem o que de fato importa, como entrega do Pré-Sal avaliado em US$ 10 trilhões (aproximadamente R$ 40 trilhões de reais[2]), da Embraer por míseros R$ 4,5 bilhões, a destruição da Petrobras, dos bancos públicos e a perversa espoliação do trabalhador brasileiro com a Reforma da Previdência.”

    Esse é um enorme erro de avaliação.

    Este governo funciona com esteio em duas vertentes conflitantes, mas complementares. E elas se complementam pelo engodo.

    Para o rentismo, é verdade, as patacoadas do presidente são úteis para tirar da discussão pública os desmandos entreguistas. Mas para o fascismo propriamente dito, é exatamente o contrário: a agenda neoliberal é que é a cortina de fumaça, pois permite manter o capital unido em apoio ao governo e consequentemente, viabiliza a pauta da sandice.

    Em outras palavras, se o governo distrai “o povo” com goiabas e laranjas para aprovar a reforma da previdência, o governo também distrai “a zelite” com a reforma da previdência para promover o feminicídio, o homocídio, o negricídio, etcetericídio.

    Não entender isso é achar que a previsível derrota da reforma da previdência liquida o bolsonarismo. Mas isso não é verdade; derrotada a reforma previdenciária, o que vai acontecer é a radicalização da pauta da insanidade. Com a reforma desaprovada, a vingança virá em forma de redução da maioridade penal, liberalização do uso de armas, criminalização da sexualidade, equiparação do aborto ao homicídio, restrição do conceito de família.
    —————————————-
    Lógico, essa pauta insana é não só totalmente compatível com a pauta neoliberal (que também é, bem vistas as coisas, insana), como também indispensável. Para destruir a previdência é preciso fazer com que as mulheres retornem ao seu papel tradicional de cuidadoras e aumentar a natalidade (e em consequência criminalizar os comportamentos sexuais desvinculados da reprodução). O que é outro motivo para não nos iludirmos com a ideia de que a “pauta (anti-)identitária” é de alguma forma secundária ou dispensável.

  7. “A produção permanente de pautas fúteis do atual governo tem apenas um objetivo: ela busca desviar a opinião pública sobre temas relevantes para o País.”

    Aliás, vamos adiante. Isso não é verdade até por que o desgaste decorrente das “pautas fúteis” está prejudicando a ação da direita “sobre temas relevantes para o País”.

    Se há alguma “racionalidade” nas ações do desgoverno, só pode ser a seguinte:

    1 – A “pauta fútil” empaca a reforma da Previdência;
    2 – isso cria clima para um golpe de Estado, que feche o Congresso e garanta a aprovação, na marra, da reforma previdenciária, como exige o grande capital;
    3 – com o Congresso fechado, a “pauta fútil” (que de fútil não tem nada; é, isso sim, torpe) pode ser baixada por decreto.

  8. O pré-sal possui uma avaliação mais recente em torno de 156 bilhões de barris de petróleo, estando situada entre as quatro maiores do mundo. A US$ 65 o barril, vê-se o tamanho do saqueio que está sendo perpetrado contra a nação brasileira, sob as vistas pusilânimes dos governantes e a visão apalermada do povo brasileiro que está aceitando passivamente o saqueio. No movimento financeiro final, criaria algo como 50 TRILHÕES DE DÓLARES na economia brasileira, suficiente para criar as condições necessárias para o desenvolvimento do país, com um crescimento contínuo e auto-sustentado. Esse é o tamanho do rombo na economia nacional e a manutenção do elevado nível de pobreza dos brasileiros.

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