Do que o senhor sorria durante a entrevista, Ex Ministro Mandetta?, por Djefferson Amadeus

O sorriso e a alegria do Mandetta, em meio ao crescente aumento de mortos, representam a selfie no enterro. Filosoficamente falando, é o total descolamento entre palavras e coisas.

Do que o senhor sorria durante a entrevista, Ex Ministro Mandetta?

por Djefferson Amadeus

Indignado – assim terminei de assistir a entrevista do Ex-Ministro da Saúde, Mandetta. Risos, abraços e até beijos no rosto fizeram passar despercebido que, enquanto ele sorria, pessoas tornavam-se corpos tombados pelo Corona vírus. A maioria destas pessoas que morreram, enquanto Mandetta sorria, deixou-nos por conta de uma política neoliberal – defendida por ele – que sucateou o SUS.

O seu ao falho em auto atribuir-se “gerente do SUS” foi, para mim, emblemático: fosse ele o dono, o SUS já teria se tornado uma empresa, não mais existindo, portanto.

Voltemos aos risos. Incomodou-me – sobremaneira – alegria de Mandetta, porque, embora não haja uma reação universal, para uma demissão em meio uma pandemia, deve haver no mínimo um limite. Explico.

Segundo Hans Gadamer, a tradição é um legado compulsório. Por isso a gente vai a um enterro e fica triste. E chora. Embora não haja uma reação universal, como dito, há de se convir que ninguém vai a um enterro para tirar uma foto sorrindo e pô-la no Instagram. Pode haver quem não chore e até quem não fique triste. Mas feliz pela perda do ente querido… não! Pelo menos não em nossa tradição.

O sorriso e a alegria do Mandetta, em meio ao crescente aumento de mortos, representam a selfie no enterro. Filosoficamente falando, é o total descolamento entre palavras e coisas. Uma vulgata de nominalismo; sofismo para concurso público, como se fosse possível dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, conforme ironiza Lenio Streck.

Não estou a dizer que Mandetta somente estaria realmente triste se chorasse. Não, até porque Meursault, pelas letras de Camus, no enterro de sua mãe, também não chorou.[1] Mas feliz – aos risos – Mandetta não poderia estar. Aliás, não só isso: também não poderia tirar a máscara, cantar próximo de seus funcionários, dar abraços e beijos.

Mas, o pior – se não o pior certamente um dos fatos mais graves – foi a sua postura “progressista”, como se fosse o maior defensor do SUS. Numa palavra: sofista. Ou cínico. Das duas, uma: opto pelo cinismo, afinal Mandetta é “adepto da ideologia bolsonarista, como bem demonstrou-me meu irmão Fábio Monteiro.

Além disso, “apoiou reformas da previdência e trabalhista, votou a favor da Ec 95 que congelou investimentos na saúde e educação por 20 anos, apoiou a aprovação da nova PNAB que desfinanciou o SUS e subsidiou os prefeitos para demitirem à vontade, como, por exemplo, no caso do RJ, onde mais de 5 mil profissionais de saúde – maioria agentes comunitários de saúde – poderiam estar trabalhando agora no combate à pandemia. E se não bastasse tudo isso, é um privatista, que apoiou Temer e o impeachment da Presidenta Dima, levantando a placa “Tchau querida!.”

Por isso, mudando de posição para concordar com meu querido irmão e futuro engenheiro ambiental Fabio Monteiro, o sorriso de Mandetta é a alegria de quem forçou a demissão para pular fora do barco “na hora certa”, já que as mortes que virão custariam a sua popularidade.

O seu riso lembrou-me o mesmo riso do grande (porque muito alto) jornalista Boris Casoy que, enquanto era exibida vinheta de dois garis desejando boas festas de fim de ano, externou, aos risos, o seguinte: “Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto de suas vassouras… Dois lixeiros… O mais baixo da escala de trabalho!” No caso de Boris Casoy, o riso cínico só veio à tona por conta de uma falha técnica.

Mas no caso de Mandetta o riso veio à tona por faltar-lhe aquilo que – de acordo com Jacinto Coutinho – é um dos maiores reguladores da democracia: a vergonha. Afinal, “um Estado democrático só será verdadeiramente democrático se se fundar nela, vergonha”.[2]

Por isso, Mandetta – se tivesse vergonha democrática –, em vez de risos deveria pedir desculpas pelo sucateamento do SUS que, infelizmente, será um dos motivos que levará pessoas a óbito. Desculpas pelo apoiou à aprovação da nova PNAB que desfinanciou o SUS, pelo apoio à reforma da previdência, reforma trabalhista, à PEC do congelamento, ao impeachment da Presidenta Dilma e o principal: desculpas por ter apoiado o Governo Bolsonaro!

Djefferson Amadeus é advogado, mestre em direito e hermenêutica filosófica pela Unesa, pós-graduado em filosofia pela PUC-Rio, pós-graduado em processo penal pela ABDCONS-RJ, membro da FEJUNN e do Movimento Negro Unificado (MNU).

[1] CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Tradução de Valerie Rumjanek. 26. ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2005, p. 11

[2] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Estado de Polícia: Matem O Bicho! Cortem A Garganta! Tirem O Sangue. (Coord.) Direito e Psicanálise: intersecções e Interlocuções a Partir de O Senhor das Moscas de Willian Golding. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p.181.

5 Comentários

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  1. Do que sorria o ex-ministro? Ora, …

    Da facilidade que vai ser se eleger governador pelo Mato Grosso do Sul, em 2022. Saiu por cima, vai capitalizar politicamente tudo em seu favor. Sucateamento do SUS, perda de recursos, etc., etc., isso é coisa de petralha, vagabundo e comunista. Olha o perfil do eleitor do Centro-Oeste. Governador Mandetta, a partir de janeiro/2023.

  2. Diria Tim Maia:

    “Na vida a gente tem que entender
    Que um nasce pra sofrer
    Enquanto o outro ri

    Mas quem sofre sempre tem que procurar
    Pelo menos vir achar
    Razão para viver

    Ter na vida algum motivo pra sonhar
    Ter um sonho todo azul
    Azul da cor do mar”.

  3. Penso que Mandetta já estava se comportando como um interprete de futuro candidato (que seja lá o que for) do que propriamente como um ministro em processo de demissão. Além das reveladas traições que fez ao eleitorado apoiando, votando e se postando completamente contra todos os interesses populares, ele retirou sua máscara ao aceitar ser cúmplice do ato de transformar sua saída, em um espetáculo midiático e político. Porém, ele não contava com o efeito da cegueira que os holofotes causam aos ambiciosos e daí, com a retirada da máscara ele mostrou além do espetáculo, também mostrou a contradição com as normas de cuidado, de proteção, de responsabilidade e do respeito que todas as vítimas e não vitimas merecem.

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