Dos caminhos para o fascismo no Brasil, por Gustavo Noronha

Os que acreditam no que dizem os grandes órgãos de imprensa têm a certeza de que, sem os corruptos, estaríamos na Suécia. Enquanto se mantém a sociedade inebriada diante de sucessivos escândalos, pautas impopulares avançam e um candidato de perfil fascista pode chegar ao poder

do Brasil Debate

Dos caminhos para o fascismo no Brasil

por Gustavo Noronha

“O fascista fala o tempo todo em corrupção. Fez isso na Itália em 1922, na Alemanha em 1933 e no Brasil em 1964. Ele acusa, insulta e agride, como se fosse puro e honesto. Mas o fascista é apenas um criminoso comum, um sociopata que faz carreira na política.

No poder, essa direita não hesita em torturar, estuprar e roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos. Mais do que a corrupção, o fascista pratica a maldade.”

Norberto Bobbio

 

Há dois temas massificados pela mídia hegemônica como os grandes males do Brasil, a corrupção e a suposta farra fiscal da era PT no governo. Os roubos e desvios supostamente apurados na Lava Jato são apregoados como o maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Por outro lado, os problemas na economia se sustentam, pela narrativa hegemônica, na ideia de que o orçamento público funcionaria como uma família ou firma, não podendo o governo gastar mais do que aquilo que arrecada.

A construção do discurso midiático procura entrelaçar as temáticas e construir a ideia subjacente de que um governo cuja estratégia econômica esteja centrada no dispêndio público é intrinsecamente corrupto. Impõe-se no imaginário popular que o governo gasta demais não porque seria necessário, mas porque existiria um custo implícito relativo à corrupção em cada gasto público.

Os que acreditam no que dizem os grandes órgãos de imprensa têm a certeza de que, sem os corruptos, estaríamos na Suécia. Ou seja, mesmo que os economistas ortodoxos mais sérios não coadunem com a formulação, vende-se subliminarmente a ideia de que uma vez resolvida corrupção, as eventuais necessidades de ajuste fiscal seriam minoradas.

A construção deste cenário cumpre o papel de manter o funcionamento da economia em favor do um por cento mais rico. Enquanto se mantém a sociedade inebriada diante de sucessivos escândalos, pautas que jamais seriam aprovadas se efetivamente submetidas ao escrutínio popular avançam sem barreiras no Governo e no Congresso, onde é difícil definir onde começa um e onde termina o outro.

A Emenda Constitucional do Teto de Gastos recém-aprovada no Congresso Nacional foi qualificada como “uma medida ‘radical’ e sem ‘compaixão’, que vai atar as mãos dos futuros governantes e que terá impactos severos sobre os brasileiros mais vulneráveis, além de constituir uma violação de obrigações internacionais do Brasil” pelo relator especial para extrema pobreza e direitos humanos da ONU, Philip Alston.

Uma nota de diversos professores de economia da UFRJ e a manifestação da congregação do Instituto de Economia da Unicamp contra a PEC mostram que a medida está longe de ser um consenso entre os economistas. Aqueles favoráveis ao novo regime fiscal inscrito na Constituição não apresentaram um documento capaz de refutar o estudo ‘Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil’ elaborado por iniciativa do Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e Plataforma Política Social, de modo que não há argumento sério que sustente o discurso da gastança desenfreada.

O discurso propagado pelos especialistas ligados à banca (usando os termos do Kalecki) de que os gastos públicos devem ser contidos obviamente não se restringem ao congelamento apresentado na emenda do teto dos gastos. Sob um discurso, normalmente explicitado apenas nos debates acadêmicos, de que a nossa previdência social seria muito generosa, faz-se dos gastos previdenciários o grande vilão das contas públicas e tenta se impor uma reforma em que uma aposentadoria integral só será obtida em idade acima da expectativa de vida de diversos estados brasileiros.

A blitzkrieg conservadora não irá se restringir a estes pontos. Já foram anunciadas discussões sobre modificações na legislação trabalhista e, mais recentemente, um novo Refis perdoando as empresas sonegadoras (e ainda há cínicos que dizem que era preciso afastar o PT para acabar com a corrupção). O pacote de maldades pretende devolver a maioria da população trabalhadora para condições anteriores à era Vargas.

O golpe de estado não foi apenas para retirar o PT do governo, mas para devolver o Brasil a uma condição subalterna no jogo internacional. A cooperação do Ministério Público Federal, no âmbito da Lava Jato, diretamente com as autoridades estadunidenses sem intermediação do poder executivo brasileiro tiveram como consequência direta o desmonte da cadeia do petróleo e gás no país e o enfraquecimento do programa nuclear brasileiro. A inflexão nas relações internacionais do Brasil pós golpe, com esvaziamento do BRICS e do Mercosul e realinhamento automático com os EUA, deixa claro: o Brasil foi derrotado numa guerra não convencional.

O que talvez não esteja sendo levado em conta pelas elites é que as tímidas mudanças promovidas pela era PT no governo trouxeram à maioria do povo uma experiência de que a miséria não é condição natural, que a pobreza não é inexorável. A maioria das reformas necessárias de fato não foi feita, mas houve uma sensação de melhora experimentada pelas pessoas. Após o golpe, tem se seguido, e se acentuará, uma deterioração das condições de vida, some-se a isto a iminente retirada de direitos históricos dos trabalhadores brasileiros e perceberemos que inevitavelmente ocorrerá uma convulsão social.

O caldo de cultura para revolta popular tende a se acentuar com a megadelação da Odebrecht, que aumentará o descrédito geral da política. Figuras proeminentes de todas as agremiações políticas aparecem na denúncia – à exceção, diga-se, da presidenta afastada, Dilma Rousseff. As redes sociais e a mídia alternativa tendem a desconstruir a imagem dos caçadores de corruptos que fecharam os olhos ao escândalo mãe da Lava Jato – o caso do Banestado –, que recebem salários nababescos acima do teto permitido ao serviço público e confraternizam sorridentes ao lado de ex-presidenciáveis e outros políticos do PSDB.

Se o cenário nacional é de desordem, a conjuntura internacional nos aponta caminhos assustadores. Há um crescimento registrado por diversos analistas da extrema-direita na Europa, para ficar em alguns exemplos: o Brexit, apesar de apoios pontuais de grupos de esquerda, foi liderado pelo partido xenófobo UKIP, a França vê a figura de Marine Le Pen liderar as pesquisas presidenciais e a Áustria viveu uma apertada vitória do candidato ecologista, Alexander Van der Bellen, com 53,6% dos votos contra 46,4% de Hofer, o candidato da extrema-direita. E como se isso não fosse suficiente, Donald Trump, com seu discurso muito semelhante a tudo que foi documentado sobre o fascismo, foi eleito presidente dos EUA.

Neste quadro geral, as perspectivas para a sociedade brasileira não parecem nada animadoras. Se as instabilidades políticas não forem suficientes para a ebulição social, o ataque midiático que mantém a esquerda no córner pode levar a eleição de um fascista em 2018.

Caso não haja tempo e o povo de fato se revolte, as elites e suas vivandeiras de quartel não hesitarão em orquestrar um novo golpe militar, há quem diga que poderemos ter em breve o Presidente Sérgio Etchegoyen. É preciso organizar a luta, não serão cirandas que vão conter os ímpetos autoritários.

Gustavo Noronha – É economista do Incra

Redação

8 Comentários

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  1. A diferença entre a ditadura

    A diferença entre a ditadura de 1964 e a sua reimplantação, pelos mesmos ditadores, agora em 2016, é que na de 64 quem podia lutava, e na de hoje quem pode fica rasgando sêda. Hoje, a globo vence de 10 x 0! Os que poderiam fazer, falar, agitar alguma coisa, como muitos políticos não golpistas, blogs, algumas revistas etc…, apenas fazem Firula: “Fazer bonito”, mas empregado no sentido depreciativo do termo. Firula: Ato sem sentido que se presta a confundir ou apenas criar uma noção errada de quem a emprega.. E esses, são piores do que os próprios ditadores golpistas! São uma mistura de covardes / autistas / tautistas. Fora temer e a máfia fhc clinton.

  2. Ou o povo acorda ou os

    Ou o povo acorda ou os golpistas continuarão fazendo estragos. Nós não vamos pagar nada, é tudo free, tá na hora de mudar pros gringos entrar. 

  3. Eu digo para
    Formadores de opiniões de esquerda que habitam este Blog que:
    A bandeira esta disponível!

    É só pegar!

    Porque há um vento NO MUNDO que não pode ser parado.
    Fascismo não tem NADA a ver com este vento!
    É a força que se contrapõe ao projeto de dominação global….que já ruiu, graças a Intervenção russa em Allepo.

    Ou vc pega a bandeira!….PARA se contrapor a esta força (que deu o golpe por aqui) ou vc está ajudando o status quo global.
    Simples para aqueles que conseguem visualizar que o nacionalismo é a ÚNICA forma para evitar SER DOMINADO!
    Seja nacionalista ou escravo. A escolha é sua!

    Portanto, todos aquele que estão sob o jugo da lavagem cerebral que os leva a dicotomia entre esquerda e direita, são parte do problema.

    Porque a força que domina o mundo Não tem ideologia!
    São os financiadores da Revolução Russa! Quem são eles? Hehehe

    Acorda cérebro!

    https://contrarianopinion.wordpress.com/2016/10/28/rise-of-social-machines-a-postscript-on-the-matrix-of-control-part-two/#more-1041

  4. PRUDÊNCIA E CONSCIENTIZAÇÃO

    O brilhante artigo em tela merece elogios em razão da precisa avaliação de causas e efeitos das manipulações fascistoides, relacionadas com a cruzada pretensamente anti corrupção, e com os verdadeiros objetivos anti democráticos dos retrocessos a serviço de inconfessáveis interesses do capitalismo selvagem e do imperialismo predatório.

    Cabe louvar a amplificação das denúncias de fatos dissimulados que evidenciam as reais intenções dos arautos da pseudo moralidade e da pretensa austeridade, pois é importante desmistificar as pretensões elitistas camufladas sob as iniciativas que buscam justificar a injusta e injustificável depredação de direitos sociais e do patrimônio nacional, inclusive em razão dos abjetos objetivos geopolíticos relacionados com a guerra assimétrica.

    Todavia, urge ressalvar, com máxima ênfase, que a única luta capaz de obstar o torpe avanço do fascismo, hoje observado no Brasil e em várias partes do mundo, é a que se trava através dos meios democráticos, visto que a conflagração social e a promoção de conflitos sangrentos é a meta maior dos asseclas da construção do caos. Assim, é dever da cidadania coerente impedir a escalada provocativa, para evitar a espiral de violência insuflada pela disseminação do ódio e pela demonização da política, de modo a manter perspectiva correta da conscientização das camadas excluídas e iludidas da sociedade, com vistas à reversão dos retrocessos pela via eleitoral em 2018.

  5. EXISTE FASCISMO NO LIBERALISMO?

    Que politiquês mais atrasado… Globo, direitos trabalhistas da era Vargas, Fascismo, nem sabem o que é isso…. O PT fez um bom governo com o Lula e depois um péssimo governo com a Dilma. Acabou com a BR e com o país! Espero que ajustiça continue assim, caçando ao Pt, PMDB e PSDB, … e sendo exemplo para diminuir a falta de caráter e moral que nesse país já se perdeu a muito tempo.

     

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