Drogas: internar não é solução

O que está por trás da dependência das drogas? Estima-se que a cada 100 pessoas que experimentam crack, aproximadamente 20 fiquem dependentes. O crack foi alçado a uma posição na saúde pública brasileira que não corresponde à realidade. Sobretudo se comparado ao álcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos usados fora do contexto médico e às substâncias voláteis.

A cura para dependência consiste na solidariedade e na prevenção – e isso não engloba cadeia, internação forçada ou ampliação das penas para usuários de drogas, como prevê o Projeto de Lei (PL) 7.633/10, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), em trâmite no Congresso Nacional. Como um PL pode reunir todos os equívocos e ilusões de nossa história no que diz respeito às políticas públicas para drogas?

Parecer alternativo elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) enfatiza que alternativas penalizantes não resolverão a situação. A aprovação do projeto potencializará os efeitos perversos das abordagens tradicionais na área, aumentando o número de prisões e o tempo de privação da liberdade. É preciso enfrentar o problema, e não afastá-lo dos olhos da sociedade.

Diferentes nações, como Portugal e Uruguai, já aprovam reformas legais descriminalizantes. No ano 2000, uma pesquisa realizada em Portugal mostrou que as drogas simbolizavam o maior problema do país. Em 2001, o governo português ousou com um sistema comandado pelo ministério da saúde, excluindo internações compulsórias e repressão militar do rol dos tratamentos destinados a usuários. Em 2011, a investigação foi repetida e as drogas não constavam sequer na lista dos dez maiores problemas daquela região.

No Brasil o cenário é bem diferente. Entre várias medidas, é sabido que alguns Estados, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro, têm implementado uma política de combate ao crack às internações compulsória e involuntária, mesmo com pareceres e posicionamentos contrários de entidades, grupos, movimentos sociais e populares, em todo o Brasil, que ressaltam implicações da medida do ponto de vista ético, jurídico e político.

As razões para as alterações propostas não foram mencionadas pelo autor. Talvez pela simples razão de que inexistem. Trata-se, apenas, de criar dificuldade extra e constrangimento maior aos usuários adultos, para quem o Estado não reconhece o livre arbítrio dos produtos que as pessoas desejam consumir.

O projeto poderá criar uma indústria de internações forçadas, aumentando de forma exponencial a despesa pública e violando os direitos elementares de pessoas em situação de fragilidade social. A internação deve ser vista como última forma de tratamento, quando esgotadas todas alternativas na área da saúde e demais políticas sociais de garantia de direitos.

Sem contar o tempo de previsão de condenação legal dos usuários à prestação de serviços à comunidade, que deve ser ampliado em quase um mês, e em sete meses o tempo de frequência a programas ou cursos educativos. No caso de reincidência, estes prazos são dobrados para 12 e 24 meses, respectivamente.

Essa ação oneraria, de forma considerável, o número de encarcerados, que somavam, até junho de 2012, mais de 550 mil presos, conforme levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça (MJ). Desse total, pouco mais de 26% correspondem ao tráfico de drogas.

O percurso de criminalização do tráfico e do consumo de drogas até hoje não produziu qualquer resultado positivo. A repressão, as leis excepcionais, o alarde social e as penas rigorosas não diminuíram o consumo de drogas, nem reduziram sua oferta. Pelo contrário, ampliaram o mercado ilegal, estimularam lucros e produziram um grave problema de segurança pública.

Não é possível que as opções de políticas públicas sejam estruturadas pelo preconceito, por visões moralistas ou pela conhecida disposição de mascarar interesses comerciais e eleitorais com afirmações que não se sustentam tecnicamente. É hora de tratar dos temas da saúde pública e da segurança com a seriedade que eles merecem.

*Humberto Verona é psicólogo e presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP).

 

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