É a economia, estúpido!, por Jorge Alexandre Neves

É a economia, estúpido!

por Jorge Alexandre Neves

Há muita especulação sobre o apoio ao governo Bolsonaro. Duas são as questões mais controversas:

– Qual o percentual de eleitores que, de fato, apoia o governo?

– Até que ponto os apoiadores do governo (aqueles que consideram o governo bom ou ótimo) têm um comportamento mais ou menos similar ao que estamos acostumados a ver nas análises políticas ou têm um padrão mais homogêneo e um apego incondicional ao presidente Bolsonaro?

Quanto à primeira questão, acredito que a melhor resposta foi dada pelo cientista político Cesar Zucco, da FGV, em um artigo na revista Piauí (1), no qual apresenta a mais completa e rigorosa análise sobre a questão. Ele chega às seguintes conclusões: a) entre o início do governo Bolsonaro e o mês de abril de 2019, o percentual de apoiadores caiu de algo acima de 40% para um patamar mais ou menos estável, o propalado 1/3, e este padrão se manteve até março deste ano; b) com o início da pandemia de COVID-19 no Brasil, a partir de março do corrente ano, esse padrão de apoio volta a cair para um novo patamar, agora de 1/4 do eleitorado e, pela estimação mais rigorosa (o DRA), este novo patamar estaria estável até o dia 09 de julho, quando se encerra a série de dados utilizada por ele.

Quanto à segunda questão, no mesmo artigo referido acima, Cesar Zucco já começa a fornecer a resposta, ao afirmar que: “(…) é importante reconhecer que a trajetória de popularidade do presidente é bastante compatível com o desempenho econômico observado no período.”.

Portanto, os dados apresentados por ele são compatíveis com a conclusão de que a variação do apoio ao governo Bolsonaro seguiu a realidade econômica. Vou oferecer novas evidências empíricas de que – assim como costuma ocorrer com os governos em geral – as variações no apoio ao governo Bolsonaro estão associadas às variações no bem-estar econômico.

Utilizando dados de pesquisas de opinião da “Quaest Consultoria e Pesquisa” dos meses de abril e junho e dados sobre a variação da renda no mês de maio de 2020 em relação à renda em 2019 compilados pelo sociólogo Rogério Barbosa (2), chega-se aos resultados reportados na tabela e no gráfico, abaixo.

Grupo de renda Variação na renda entre 2019 e maio de 2020 Variação na proporção que apoia o governo Bolsonaro
Até 3 Salários Mínimos 5,67% 26%
Mais de 3 até 5 Salários Mínimos -11% -12,5%
Mais de 5 Salários Mínimos -17% -31%

 

A tabela e o gráfico acima mostram bem o emparelhamento entre variação da renda e variação de apoio ao governo Bolsonaro. Com o benefício emergencial, aqueles na faixa de menor renda tiveram ganhos de rendimento em relação a 2019 (3), ao passo que os dois grupos com maior renda tiveram significativas perdas. O que se observou no caso da variação do apoio ao governo Bolsonaro entre abril e junho foi bastante parecido, ou seja, o grupo de menor renda (e que teve ganhos com o auxílio emergencial em relação a 2019) aumentou a proporção daqueles que apoiam o governo, ao passo que nos dois grupos de maior renda (e que tiveram perdas de ganhos em relação a 2019) a proporção de apoio ao governo Bolsonaro caiu. Quanto maior a renda, maior foi a queda nos ganhos e, também, maior foi a redução no apoio ao governo.

O jornal Valor apresentou resultados de uma pesquisa do Instituto Travessia feita apenas com apoiadores do governo Bolsonaro (4). A conclusão da análise dos dados da referida pesquisa é a de que esses apoiadores são bem mais heterogêneos em termos de valores e opinião do que muitos costumam imaginar. Essa é mais uma evidência de que – apesar de consideravelmente resiliente – o apoio ao governo Bolsonaro se comporta de forma semelhante ao apoio aos governos em geral e, portanto, cai significativamente quando há queda do bem-estar econômico.

Infelizmente, a partir do último trimestre deste ano, o Brasil cairá em um abismo no que se refere ao padrão de renda e consumo da maior parte da população. Isso de deverá, principalmente, aos seguinte fatores: a) fim do benefício emergencial de R$ 600,00 (ou R$ 1.200,00 para mães singulares), que mesmo que venha a ser substituído por um programa de ampliação do Bolsa Família, irá atender um número bem menor de pessoas, com um valor muito menor do benefício; b) uma proporção jamais vista de brasileiros está recebendo seguro desemprego, e este se encerra com cinco meses de benefício, o que, para a maioria, deve se dar, no máximo, em setembro; c) os aposentados já receberam o 13º salário, e a maioria já precisou fazer uso deles para manter o padrão de vida de suas famílias no últimos meses e; d) segundo uma pesquisa recente do IBGE, mais de 700 mil empresas que fecharam as portas desde março não irão retomar suas atividades (5), o que dificultará sobremaneira a realocação daqueles que hoje não estão procurando emprego porque estão recebendo seguro desemprego ou auxílio emergencial. Assim, além de que a maioria daqueles nas faixas superiores de renda (com exceção dos 10% com maior renda) não vão conseguir recuperar os padrões anteriores, tendendo até a ter novas quedas (em alguns casos dramáticas), os que tiveram ganhos em relação a 2019 (os de menor renda) tenderão a experimentar perdas. Portanto, visto o que os dados empíricos estão mostrando, o governo Bolsonaro tenderá a ter novas quedas na sua aprovação, a partir do último trimestre de 2020, caindo para um patamar inferior aos atuais 25% de apoio.

1- https://piaui.folha.uol.com.br/bolsonaro-e-ilusao-dos-30/.

2- Os mesmos dados utilizado por Rogério Barbosa para fazer os dois últimos gráficos de um artigo anterior meu aqui do GGN (https://jornalggn.com.br/artigos/a-volta-dos-que-nao-foram-por-jorge-alexandre-neves/).

3- Se a faixa inferior de renda utilizada pela Quaest fosse menor do que 3 Salários Mínimos, a diferença entre os grupos ficaria ainda mais significativa, pois quanto menor a renda, maiores os ganhos com o benefício emergencial.

4- https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/07/17/o-que-pensam-os-bolsonaristas.ghtml.

5- https://brasil.elpais.com/brasil/2020-07-19/716000-empresas-fecharam-as-portas-desde-o-inicio-da-pandemia-no-brasil-segundo-o-ibge.html.

P.S. 1: Esta semana, perdi para a gripezinha do presidente Bolsonaro o meu sogro e grande amigo Miguel Arcanjo Ramos. Está sendo muito duro ver alguém que amamos tanto virar estatística de um genocídio promovido por um governo perverso, com o apoio do exército brasileiro. A morte do nosso querido Miguel deixou um buraco nas nossas vidas.

P.S. 2: Também nesta semana, vi meu ex-aluno e amigo Thiago Rodrigues Silame, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), ir para a UTI, em função da gripezinha do presidente Bolsonaro. Como ainda é um homem jovem e muito forte, tenho fé de que escapará bem. Sorte esta que não teve o seu pai, falecido esta semana – assim como meu sogro – da mesma causa.

P.S. 3: Nesta semana, o processo contra o ex-governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, foi arquivado pela justiça. Em 2017, falei sobre o absurdo do que foi feito neste e em outros processos (https://www.hojeemdia.com.br/opini%C3%A3o/colunas/jorge-alexandre-1.457816/tirania-e-mart%C3%ADrio-1.564443). Como bem observou Reginaldo Lopes (https://revistaforum.com.br/noticias/quem-pedira-desculpas-a-familia-pimentel/), a imprensa vai se desculpar com eles?

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

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