E não precisamos mais falar sobre Tabata, por Luis Felipe Miguel

Tabata Amaral é apenas mais uma das muitas faces da velha "renovação política", a que está sempre em funcionamento para impedir que o Brasil se transforme.

E não precisamos mais falar sobre Tabata

por Luis Felipe Miguel

Tabata Amaral é apenas uma, entre muitos deputados dos partidos mais vacilantes à esquerda, PDT e PSB, que traiu a classe trabalhadora, a população mais pobre e as mulheres na votação da reforma da Previdência. Mas chamou mais atenção do que todos os outros reunidos.

Já vi pessoas à esquerda, em geral antigos entusiastas da deputábata, reclamando desta atenção. Insinuam que há machismo, que ela paga o preço por ser mulher e jovem.

Acho, sim, que há machismo quando a deputada é vista como uma descerebrada que serve de fantoche do Lemann. Mas não o há também quando ela é apresentada como uma pobre moça que deve ser poupada porque ainda pode evoluir?

Kim Kataguiri é mais jovem do que Tabata Amaral e não vejo ninguém dizendo que é preciso ser condescendente com ele porque ainda está em formação e pode mudar. Claro: ele pode mudar. Todo podemos, até Michel Temer pode, embora seja improvável. Mas como ator político, deve ser tratado como aquilo que é, não pelo que seria o improvável Kim melhorado de um universo paralelo.

O mesmo vale para Tabata. Ela é jovem cronologicamente, mas muito preparada e esperta. Não é uma menina enganada por Lemann, mas alguém que vê nessa associação uma oportunidade. E que sabe aproveitar as oportunidades que surgem.

Por isso, o voto dela contra os direitos previdenciários repercutiu muito mais do que os dos outros sete pedetistas ou os dos onze deputados do PSB que violaram a orientação do partido, incluindo seu colega de incubadora política empresarial, Felipe Rigoni. Porque Tabata trabalhou ativa e competentemente, nesse início de mandato, para sair da planície e se tornar um dos nomes mais conhecidos do parlamento.

Não é espantoso que ela tenha se tornado a queridinha da mídia. Jovem, articulada, com cara de filha prodígio da classe média branca mas com uma “história de superação” tão ao gosto do público… Com o discurso afiado e anódino pronto para ser aplaudido pela mídia corporativa e viralizar nas redes.

O triste é que, com tantas jovens deputadas iniciando mandatos combativos, uma parte não irrelevante da esquerda tenha embarcado nessa e adotado Tabata como seu emblema também.

Tabata encarna o discurso tecnocrata e despolitizante da centro-direita brasileira. Enquanto o bolsonarismo aposta na tensão e no confronto, a linha de Tabata é uma versão do “there is no alternative” do thatcherismo. A esperança deles é que a saturação da insanidade que estamos vivendo nos jogue no colo desse neoliberalismo asséptico, em vez de abrir caminho para uma retomada da esquerda.

Tabata também é uma mostra do risco provocado pela escolas empresariais de formação de políticos (Acredito, Renova, RAPS). Elas dão condições materiais para a formação de “lideranças” de proveta, ao mesmo tempo em que exigem a adequação a um credo bem específico (despolitização dos conflitos, fé nas decisões “técnicas”, discurso fácil da superação da divisão esquerda-direita, repúdio à política de classe, aceitação das estruturas do capitalismo). Sua matéria-prima prioritária, como reconhecem seus próprios criadores, são pessoas com “histórias de superação”, o que de cara já cumpre um papel ideológico preciso.

O candidato que sai dessas incubadoras se credencia a representante por sua capacidade de “superar” e por sua pretensa competência técnica. É o oposto daquele que se credencia pela militância, por sua vinculação a movimentos sociais, por sua capacidade de dar voz a determinados grupos e interesses. Há, portanto, uma visão específica – tecnocrática e regressiva – da representação política.

Cobrada por seu voto contra a classe trabalhadora, Tabata foi acolhida pelo que há de pior na política brasileira e, ela própria, reagiu muito mal. Sua apaixonada defesa da “convicção pessoal” não é compatível com a posição de alguém que tanto exibe seu diploma de Ciência Política em Harvard: afinal, ela pretende que a representação se dê ao largo dos partidos? E sua resposta atravessada, de que não precisa de mandato porque é bem formada e sempre encontrará emprego, traiu um desprezo por sua base que, como liderança política em ascensão, ela deveria se esforçar por ocultar.

Tabata Amaral é apenas mais uma das muitas faces da velha “renovação política”, a que está sempre em funcionamento para impedir que o Brasil se transforme. Precisamos (verbo no passado) falar dela porque alguns caíram no canto de sereia. Agora, que já está bem estabelecido quem ela é, talvez possamos passar para outro assunto.

Luis Felipe Miguel

14 Comentários

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  1. Harvard parece ser o criadouro da nova politica brasileira. É Moro, Dellagnol, Barroso, Tábata. Já, já o 03 se lembra de um cursinho de fim de semana que fez em Harvard.
    Bando de hipócritas vendidos!

  2. Lula experimentou uma das máximas de Maquiavel: “devemos convir que não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos to­dos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiariam”.
    Isto ajuda a explicar o porque da reação tão virulenta dos suposta ou efetivamente prejudicados pela nova ordem (que presumo como suposta, porque se ateve aos “sinais exteriores de riqueza” que os pobres também passaram a ostentar. Que desaforo!) e ao mesmo tempo, a imobilidade da massa beneficiada.
    Deu no que deu. Reagiram os reacionários (desculpem, acho que confundi-los com a direita é alienante. Mills, Ricardo, eram homens de direita, mas supostamente civilizados) de modo atroz, elegendo um autoritário maluco, cópia das suas reais identidades.
    Tábata é apenas a face do Il Gattopardo: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro?”. De fato, ela travestiu-se de mudança, mas pertence a mesma classe que despreza os vencidos. Para ela os vencidos são usados como escada para alcançar os píncaros da glória. Mas se não for por esta, há outras escadas como afirma.
    Para concluir com citações clássicas: ó tempora, ó mores.

  3. Não acho que há machismo ao dizer que ela é uma descerebrada – não vejo redes sociais, não sei o que se falou sobre ela, mas sou um pouco velha para certas novidades, rs -, porque ter um diploma de Harvard não prova inteligência mas capacidade, como de um computador, de processar códigos em busca de um resultado pré-definido, e isso para mim não é a definição correta para inteligência. Seria machismo desqualificá-la por ser mulher, e apenas por isso, e a isso atribuir seus defeitos ou nisso basear suas críticas como associação elas e o fato de ser mulher.
    Sobre o fator “superação”, é a ideologia neoliberal e meritocrática em ação, de que o problema não é o sistema mas o indivíduo, o corolário do capitalismo e da sua expressão mais reveladora, a ultraliberal. E associada a uma visão pseudo-humanista de que aqueles que provarem esforço e dedicação serão aceitos no circuito seleto dos vencedores. O discurso que a notabiliza deveria ser exatamente a fonte de crítica da esquerda machocêntrica – que o é tanto para louvar quanto para criticar; é o caso de se perguntar, e não para tratá-la como objeto sexual mas para entender o machismo “positivo” de quem a defende, se não são os hormônios que falam mais alto ao ver o demônio (não por ser mulher mas por ser a encarnação da sedução capitalista, e aqui a junção dessas ideias polêmicas em momento de eclosão mundial do feminismo como crítica social joga o seu papel subliminar… ) vestindo saia, a bela juventude feminina que povoa os sonhos idealizados masculinos sobre a fêmea perfeita -, qual seja, a da superação individual de um problema que é sistêmico, que visa desmobilizar e desqualificar coletivamente a sociedade e seus atributos de solidariedade e colaboração e fortalecer o egoísmo e a competição predatória e infame entre seres criados para a comunidade regeneradora. E onde fica a crítica? E por que não enfrentá-las todas de uma vez, do substrato político (a defesa, pela suavização e associação a imagens (re)confortantes da mulher, da juventude, daquele/a que, como um/a atleta, superou dificuldades, de um sistema inerentemente cruel e injustificável, uma operação psicológica, uma psy-op nem um pouco ingênua) às questões de identidade, de gênero, de classe, de papel da política num mundo digital caótico, e isso em presença de tantas lideranças importantes no Congresso, e de renovação mundial do pensamento de esquerda (não confundir com partidos de esquerda, quase todos falidos) principalmente pela questão ecológica e a mais premente, a climática?
    Porque a esquerda brasileira está fossilizada, e está buscando revitalizar sua libido – sim, precisamos falar disso – no lugar errado. Até para não reduzir a simbólica figura de Tatibitabata a um mero objeto sexualizante para defensores e detratores, que tal aplicar a prontidão crítica que foi usada, por exemplo, no caso da moça da Empiricus? Se trata do mesmo engodo mas interessante por que tratadas de maneira tão diferente, e esta com mais receio e dificuldade de falar dos temas mencionados – falar de gênero e do papel público da mulher inclui, sim, falar dos elementos que interferem nas relações entre os sexos, entre os quais as formas legítimas ou sorrateiras de sedução e de transformação, virtuosa ou não, da libido que não é, em si, moralmente condenável – o que Lula faz com as multidões que o admiram é também uma operação de transformação da libido, ou não é? Com a palavra, a psicanalista Maria Rita Kehl e gente mais qualificada que eu para falar disso, rs. Só me incomoda a forma como, para usar uma expressão de Boaventura de Sousa Santos – e não uso o nome dele e de Kehl como escudos para meus argumentos – se desperdiça a experiência, especialmente de crítica, no Brasil.
    Esclarecimento: a primeira vez que lembro de ter visto o nome desta moça foi num blogue dito de esquerda, ufanizando um discurso seu em defesa da educação, e ali já desconfiei do golpe da lábia e não perdi tempo com o assunto, o que só vim a fazer agora, e esta é a segunda vez, porque recebi de um colega uma defesa dela e vi o quanto tempo se perdeu com o assunto. Mas parece que no Brasil não há espaço para discussões sérias e sustentadas no tempo – a urgência e o cansaço… tudo é fogo fátuo -, nem quando estimuladas por figuras midiáticas feitas sob medida para causar. Talvez esse o problema das esquerdas, não apenas falta de inteligência mas até de esperteza para aproveitar em seu favor as diatribes armadilosas da direita de massa “limpinha e cheirosa”. Haja…
    De resto, parabéns pelo artigo, autor sempre certeiro e preciso na expressão verbal do mal estar e das confusões do debate – parece que as esquerdas brasileiras viraram uma grande mesa redonda de futebol onde se fala de tudo, menos de futebol, e tudo para ganhar ibope e contratos de merchandising. Cansaço.
    Parece que a Tatibitabata cumpriu bem seu papel de Damares da nova política, rs.

    Sampa/SP, 15/07/2019 – 13:28

  4. legal o texto….
    o desfecho comprovou muito
    bem o que dizia o título….
    o assunto realmente cansou….
    exasperante, talvez às vezes porque fala de traição…
    mas exagerar em falar dela, repercutindo tudo
    o que faz e desfaz, pode ser um equívoco
    terrível para a midia altenativa….
    falar demais dela como fazem alguns sites
    alternativos dá aimpressão de que tem
    interesses lemanisticos na jogada….

  5. Patrulha da Gestapo Ideológica. Nada de novo. São 9 décadas de Golpe Civil Militar Esquerdopata Absolutista Caudilhista Fascista Assassino Ditatorial. Não à toa, que o então Golpe Civil Militar é endeusado. E o Caudilho Ditador também. Existem Golpes e Golpes, Ditadores e Ditadores, Militares e Militares, Fascistas e Fascistas, Censuras e Censuras, não é mesmo?! E todos Familiares que deram sustentação à esta Aberração Fascista como Leonel Brizola, Alzira Vargas, Francisco Dornelles, Tancredo Neves, João Goulart,.. A Verdade é Libertadora. E Tabata deve tomar cuidado. Nunca se sabe de onde vem o Justiçamento ou a facada. Pobre país rico. Mas de muito fácil explicação. 9 décadas jogadas no lixo.

  6. Na minha concepção ela foi arrogante. Suas palavras foram: “arranjo o emprego que quiser”, do que pode se depreender que ela manda mais que o patrão. Não é ele quem escolhe e sim ela.

  7. O evento Tábata merece um olhar sob outros ângulos. Não ângulos focais, concentrados na Tábata em si e no embate esquerda-direita. Há uma questão de fundo mais importante.
    Ciro, em entrevista nesses dias, levantou um aspecto da questão que é de um óbvio ululante. Ao submeter-se à orientação do grupo de influência Acredito, ou melhor, ao por a orientação desse movimento acima da orientação do partido a que pertence cometeu um ato gravíssimo. De início trai a tudo e a todos. Nega a linha de orientação politica do partido, contraria decisão unânime tomada com sua participação e renega os líderes partidários abalando todos os que a apoiaram desde a candidatura à sua integração à Câmara de Deputados e, por último, mas, não de somenas importância, trai seus eleitores. O fato mais grave e que alcança outros parlamentares no Congresso e em todas as instâncias legislativas onde há eleitos patrocinados pelo Acredito, é que trata-se de uma operação de infiltração e corrupção da estrutura partidária. Uma organização privada, sem registro partidário e sem legitimidade eleitoral, suporta candidatos que, eleitos, a representarão e a seus interesses no legislativo. Na prática é um parasita incrustado dentro dos partidos legítimos controlando parlamentares, seus projetos legislativos e seus votos. Imoral, sem dúvida. Não se descarta, pela dimensão da manipulação, que possa ser ilegal e até criminoso. Em algum aspecto contraria a legislação, com certeza.
    Outra questão diz respeito ao caráter das pessoas e a forma com que falhas morais profundas são absorvidas pelo pragmatismo. Bismarck disse “a política é a arte do possível”, significando que os objetivos políticos para serem alcançados pressupõem superação e conformação à realidade e às circunstâncias que os acolhem. Em suma, na vida e no campo da Política, há que negociar. Negocia-se tudo e com todos, mas limites se impõem. Valores e princípios morais e éticos são inegociáveis. São elementos estruturais e essenciais da identidade das pessoas e de toda e qualquer organização social. Colocados na mesa de negociação deixam de sê-los e o individuo ou qualquer entidade e organização que o faça abre mão de sua essência, de quem é e da sua razão de ser.
    No caso específico, da deputada Tábata e de outros que votaram contra a orientação partidária, o debate se impôs, mas com viés errado. Há quem tolere a quebra moral porque não deseja perder os votos e o apoio dos dissidentes, há quem aplauda porque tem interesse em co-optá-los para suas próprias hostes e há quem condene-os por questões pessoais, tanto que condenam a uns e absolvem a outros.
    Poucos condenam-os pela razão correta, não tolerar negociação de valores e princípios. Enquanto o dogma, expresso enfática e explicitamente no programa dos partidos, ao qual todos os seus filiados aceitam e a ele passam a ser obrigados, for visto como uma formalidade e não como a pedra da lei, sobre a qual não se tergiversa, não teremos uma prática política honesta, ética e respeitada.

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