E se Jesus nascesse hoje no Brasil?, por Guilherme Boulos

Se reaparecesse hoje no Brasil, como muitos dos que se chamam “cristãos” tratariam Jesus? Seria xingado e atacado nas redes sociais: “vai pra Cuba”, “comunista”

Por Guilherme Boulos

No IREE

Quase 200 milhões de brasileiros e mais de 2 bilhões de pessoas pelo mundo comemoram o Natal todos os anos. É verdade que cada vez mais a data virou sinônimo de comércio, com muitos papais noéis nos shoppings e poucos pensamentos cristãos.

Mas o consumismo natalino não tem nada a ver com a vida e os ensinamentos de Jesus Cristo. Ao menos do Jesus que podemos conhecer através da Bíblia.

Jesus não veio de uma família rica ou importante da época. Nazaré está para a Palestina como Paraisópolis está para São Paulo. Ele nasceu num estábulo, lugar onde guardavam cavalos: Jesus nasceu em Belém, num estábulo, seis dias antes da Páscoa (LC: 2, 41). O estábulo não pertencia a José e Maria. Eles o usaram porque não tinham outro lugar. Jesus, portanto, nasceu sem-teto.

Quantos juízes do Brasil de hoje não despejariam a família, mesmo com a mãe grávida?

Desde que nasceu, Jesus foi perseguido pelos governantes. As escrituras contam que o rei da época mandou matar todas as crianças com menos de 2 anos nos arredores de Belém, com medo, pois anunciavam a chegada do filho de Deus.

Você pode estar pensando: que horror, como o governo assassinava crianças? No Rio de Janeiro, pelo menos 6 crianças morreram durante ações policiais em favelas neste ano. Uma delas, a menina Ágatha Félix, com um tiro de fuzil nas costas. Em São Paulo, a vítima mais jovem do massacre de Paraisópolis tinha 14 anos.

Jesus dedicou toda sua vida para defender os humildes como ele. Defendia e curava os miseráveis que circulavam pelas ruas da Galileia. Era misericordioso com as prostitutas: “Em verdade vos digo que as meretrizes entram diante de vós no reino de Deus” (MT: 21,31).

E enfrentou os enganadores que lucravam com a fé do povo: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês dão o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas têm negligenciado os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade (MT, 23:23)”. O que ele diria hoje dos vendilhões do templo de hoje em dia?

Se reaparecesse hoje no Brasil, como muitos dos que se chamam “cristãos” tratariam Jesus? Seria xingado e atacado nas redes sociais: “vai pra Cuba”, “comunista”. Quando barrou os apedrejamentos, atuou como um legítimo defensor dos direitos humanos. Certamente hoje ouviria: “leva pra casa”.

E Jesus não morreu de velhice, de doença. Ou, como costuma dizer Frei Betto, tampouco foi atropelado por um camelo nas esquinas de Jerusalém. Foi crucificado até a morte, sem direito a julgamento algum. Foi vítima de torturadores. Na época também havia defensores da tortura, como no Brasil de hoje. Não foram poucos que aplaudiram sua crucificação.

Jesus teve esse destino justamente porque ousou enfrentar os poderosos da época, enfrentar os preconceitos e defender a igualdade entre todos: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (MT: 19,24).

Defendeu a divisão dos bens, como expressão da igualdade social: “Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos” (LC, 1, 53). E assim o fez, partilhou o pão e os peixes (MC: 6,41). Ele remava contra a maré.

Nesse natal, minha sugestão é que você junte seus amigos e familiares e pergunte:

Você ficaria do lado da mulher grávida debaixo da lona ou do juiz que a despeja?

Da criança assassinada pela polícia ou do rei que mandou matá-la?

Da prostituta apedrejada ou do falso profeta que lucra com a fé dos humildes?

Do torturado ou do torturador?

Milhares de brasileiros sofrem hoje as mesmas injustiças que Jesus sofreu em seu tempo. De nada adianta se dizer cristão e negar seus ensinamentos. De nada adianta ir na missa ou no culto aos domingos e ser insensível à dor dos outros. Natal é tempo de reflexão e de mudança, não de hipocrisia.

 

Guilherme Boulos é professor, diretor do Instituto Democratize e coordenador do MTST e da Frente Povo Sem Medo.

Redação

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