Antonio Helio Junqueira
Pós-doutor em Comunicação e Práticas de Consumo. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA da USP, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM.
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Engajamento Social das Marcas: nova fronteira para o Marketing contemporâneo, por Antonio Hélio Junqueira

Engajamento Social das Marcas: nova fronteira para o Marketing contemporâneo

por Antonio Hélio Junqueira

Nesse mês de novembro, pesquisas de duas importantes organizações de inteligência de mercado e de sondagem de opinião pública atuantes no Brasil foram divulgadas, ambas atestando e apontando para  uma nova e vigorosa realidade no relacionamento entre empresas e consumidores. Para elas, o claro e efetivo engajamento das marcas com as macro questões socioeconômicas e ambientais tornou-se, hoje, fator decisivo para a efetivação das compras ou para a motivação a boicotes.

Do ponto de vista internacional, o estudo Edelman Earned Brand 2018, da agência global em relações públicas, Edelman, em sua quarta versão anual, trouxe os resultados de investigação online e por celular, feita com 40 mil consumidores,  nos meses de junho e julho deste ano. Foram abrangidos além do Brasil: China, França, Alemanha, Índia, Japão, Reino Unido e EUA. Segundo a pesquisa, o brasileiro já se alinha às tendências internacionais do consumo, orientando majoritariamente suas compras por critérios pautados por causas sociais e/ou políticas. Nessa situação, encontram-se 69% dos entrevistados no País, índice que supera a média mundial (64%). Tal fenômeno decorre essencialmente da falência universal da confiança do público em relação às suas instituições tradicionais de governança como os próprios governos, os partidos políticos e os sindicatos e às de outras esferas sociais e espirituais, como as congregações religiosas e, até mesmo, as ONGs.

Essa nova ordem dos fatos, vem conferir protagonismo às empresas e às suas marcas, na medida em que os consumidores passam a identificá-las com as forças efetivas da mudança social. Os números encontrados em campo são incisivos: 63% dos entrevistados brasileiros pensam que as empresas possam fazer mais pelas causas de interesse coletivo do que os próprios governos, ante uma média internacional de 53%, considerando os oito países pesquisados. Ainda: 59% dos consumidores no Brasil acreditam que as empresas possuem ideias melhores que o governo para resolver os problemas do país. A média mundial para a questão apontou para 46% das respostas.

Nesse contexto, mais do que informar sobre a qualidade das próprias mercadorias, as empresas são instadas a comunicar posicionamentos claros e consistentes em relação a temas relevantes do cotidiano de sua clientela. Para 55% dos brasileiros, a intenção de compra decorre diretamente do impacto sentido na comunicação de valores e crenças por parte das empresas e suas marcas.

A segunda pesquisa a ser aqui mencionada, e também recém divulgada, foi a Pulso Brasil, realizada pelo Instituto Ipsos, entre os dias 1 e 14 de julho do ano passado, envolvendo 1.200 entrevistas, em 72 municípios brasileiros. Como resultado, esta investigação apontou que 82% dos brasileiros consideram que a responsabilidade social das empresas adquire relevância significativa no seu processo de decisão de compra, estando entre as causas sociais mais apontadas: combate à fome e à pobreza extrema (58%), promoção de vida saudável e do bem-estar social (12%), educação inclusiva (12%), meio ambiente (7%), acesso à justiça para todos (5%), igualdade de gênero e empoderamento feminino (2%), consumo sustentável (2%) e outros.

Embora a questão relacional entre empresas e clientes, com foco em valores sociais date já de algum tempo – Kotler, considerado uma das maiores autoridades mundiais nesse campo, já havia antecipado o conceito em sua visão do Marketing 3.0, publicado originalmente em 2010 -–, na atualidade, o fenômeno adquire importância e centralidade críticas.  Não podemos nos esquecer de mencionar, ainda, o eminente sociólogo espanhol Manuel Castells, que em seu livro “Redes de indignação e esperança”, lançado no Brasil no auge das manifestações de junho de 2013, já nos fazia pensar sobre as revoltas e protestos de massa que eclodiram naquele período, em todo o mundo (no Egito, na Tunísia, na Primavera Árabe, nos Indignados da Espanha e nos movimentos Occupy, nos EUA, entre outros) e que concretizavam já então a percepção de que as pessoas não confiavam mais em suas instituições e que nelas não reconheciam mais suas lideranças.

Do ponto de vista do olhar histórico, as relações dos consumidores com as empresas e as marcas – muitas vezes permeadas de conflitos , desafetos, interditos e punições –  evidencia um longo caminho. A prática do boicote à compra de produtos, por exemplo, tem sua origem associada à expressão de fortes conteúdos da ordem do protesto político, que remontam aos idos anos da década de 1880. Desde então, a palavra, derivada do nome do capitão irlandês Charles Boycott, e que vinculava-se ao isolamento intencional de agentes ou proprietários de terras pelos trabalhadores, que lhes negavam a prestação de seus serviços às colheitas e ordenhas, em retaliação pela não redução dos tributos, mesmo quando dadas condições extremamente adversas para a produção rural, vem se expandindo. Tanto o termo, quanto sua prática, se intensificaram sensivelmente, desde então, passando por eventos importantes como a condenação da aquisição de mercadorias produzidas por mão de obra escrava (1830) e a luta pela independência da Índia (liderada por Gandhi, em relação aos produtos britânicos, em 1915). Hoje em dia, cotidianametne assistimos a muitas outras expressões desse fenômeno, quer em relação a empresas do fast food  (ativismos veganos e vegetarianos versus o consumo de carne; recusa pública ao consumo de produtos de empresas condenadas por adulteração da qualidade dos alimentos etc.) e da fast fashion (denúncia do emprego dos trabalhos infantis e em condições análogas à da escravidão; refutação e exigência de destruição física de coleções de roupas estampadas com imagens de escravas negras;  condenação do uso de produtos de origem animal, como peles, por exemplo).

Em outra direção, ou seja, na do apoio dos consumidores às marcas proativas em relação a causas sociais relevantes, a origem das práticas remonta à benemerência empresarial, que só passou a ser social e economicamente aceita no âmbito do liberalismo – e quiçá até bem-vista, desejável, além de obviamente necessária – a partir dos anos de carência e dificuldades que marcaram as Guerras Mundiais e a Grande Depressão, especialmente entre as décadas de 1920 e 1950. Nesse campo, e até os dias de hoje, especialmente no Brasil, as ações empresariais que mais atingem, encantam e engajam a clientela são, de fato, as destinadas à arrecadação de valores e recursos financeiros ou materiais para auxiliar grupos ou populações em situações de risco social ou calamidades públicas.

No entanto, já é possível observar que será cada vez menos para fenômenos como esses que a sociedade estará realmente apontando seus desejos, anseios e expectativas. Nesse sentido, diariamente se podem constatar debates, polêmicas, enfrentamentos e rixas entre empresas e consumidores,  que, mediados pela intensa digitalização das relações contemporâneas, chegam a produzir crises de grandes e catastróficas proporções, capazes de derrubar – em velocidades nunca vistas – produtos, marcas, campanhas e, até mesmo, as próprias organizações.

Assim, observando um conjunto de ocorrências, especiamente a partir de 2015, é possível constatar que os temas mais sensíveis à ação e à reação pública na arena social do Marketing têm sido relacionados às questões da ideologia de gênero (expressão social dos afetos, relacionamentos e valores das comunidades LGBTI), questões raciais (preconceito, exclusão e negação da expressão e da representatividade socioeconômica e cultural do negro), empoderamento feminino e apagamento da abordagem representacional da mulher-objeto (particularmente notável em propagandas de cervejas), inclusão social dos portadores de deficiências e dos idosos, entre outros.

Longe de arregimentar, de imediato, apenas fileiras de admiradores e seguidores entusismados, com suas atitudes engajadas e proativas as marcas têm, ao mesmo tempo, provocado ira e ameaças de partes indignadas do público, muitas vezes composto por antigos clientes e fãs. Isso obriga a que as ações sejam, cada vez, mais profunda e minuciosamente planejadas e que as equipes de Marketing, Criação e Vendas – assim como toda e empresa –  estejam efetivamente preparadas para a defesa e sustentação social de suas propostas. Infelizmente, segundo as principais lideranças do setor, o Brasil ainda está muito longe dessa realidade. Nas agências ainda predominam equipes extremamente homogêneas, compostas em sua grande maioria por profissionais masculinos, brancos, heterossexuais e de classes média a alta, incapazes, na maior parte dos casos, de proceder a uma análise multifocal, diversificada e inclusiva da complexa e multifacetada realidade brasileira em suas abordagens.

Apesar dessas negatividades, o cenário também é capaz de aportar boas notícias. Em primeiro lugar, são muito bem-vindas as recentes reações de lideranças das agências de comunicação e do setor de Marketing que vêm não apenas produzindo informações consistentes sobre o impacto positivo das abordagens sociais nas comunicações das marcas, mas, também, incentivando a produção de diversidade na constituição de suas equipes profissionais.

Em segundo lugar, mas nem um pouco menos importante, está o fato de que ao menos nas esferas do Marketing e da Comunicação Empresarial, o Brasil segue alinhado às principais tendências mundiais, que sinalizam para o engajamento social crescente, ativo e consistente das organizações em prol do interesse público e da promoção do bem comum. Em tempos de projetos governamentais ostensivamente restritivos, cerceadores e retrógrados quanto às conquistas sociais e ao livre debate dos interesses coletivos, a ação das empresas e das marcas podem vir a representar, nesse sentido, não apenas um ponto de confluência das nossas melhores intenções, visões e afetos, mas, quiçá, um lugar de efetiva promoção e incentivo à mudança social.

Antonio Hélio Junqueira – Doutor em Ciências da Comunicação (ECA/USP), com pós-doutorado e mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM/SP). Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP). Professor Colaborador e Pesquisador do Mestrado Profissional em Gestão de Alimentos e Bebidas (Universidade Anhembi Morumbi – UAM) e de Pós-Graduação em Comportamento do Consumidor e em Agronegócios, Abastecimento e Alimentação (ESPM e UAM). Sócio proprietário da Junqueira & Peetz Consultoria e Inteligência de Mercado. Pesquisador e consultor de empresas em Consumo, Comportamento e Tendências.

 

Antonio Helio Junqueira

Pós-doutor em Comunicação e Práticas de Consumo. Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA da USP, Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM.

2 Comentários

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  1. Pobres de nós, humanos, confiantes nas empresas

    No capitalismo, o estado, as igrejas e ONGs dependem e respondem ao capital, mas ainda possuem alguns filtros que lhes permitem a promoção de algum bem estar e da paz social às sociedades.

    As empresas são representações diretas do capital e a única coisa que lhe interessa são os lucros. Mesmo a manutenção da boa qualidade de suas mercadorias não decorre de princípios éticos, mas da necessidade de conquistar e manter mercados.

    Tratar bem os “colaboradores”, investimentos sociais e presenvação da natureza só ocorrem a partir de cálculos bem pensados de custo-benefício, que maximizam os lucros e reduzem custos.

    Estas ações serão sempre pontuais e maquiadas ao máximo, por meio do marqueting, para parecer mais amplas do que realmente são. Veja-se a realidade situação ecológica do planeta e as tendências de precarização do trabalho em todas os países, problemas cujos prognósticos mais sérios não são de diminuição e sim de aumento, a despeito de todo bla bla bla da empresas sobre sua preocupação com o bem estar de seus colaboradores e com o meio ambiente.

    As empresas são concorrentes ferozes que não medem consequências para conquistar mercado e aumentar o lucro. São atores individuais no mercado mundial e, por natureza, não são capazes de ação coordenada para atendimento de demandas sociais e ecológicas, pois foram concebidas com um único objetivo: o lucro.

    Não há indicação nenhuma que estejam se civilizando e se preocupando de fato com o bem estar das pessoas ou da natureza, muito pelo contrário: elas lutam entre si de forma cada vez mais encarniçada e sua suposta preocupação humana não passa de propaganda para conquistar mercados.

    Confiar nelas (ou no seu modelo de funcionamento) para resolver problemas sociais ou ecológico é como confiar na raposa para tomar conta do galinheiro.

  2. o que vende

    É a propaganda.

    Se vai favorecer a esse ou aquele segmento necessitado é só um modismo.

    Coca cola vende mesmo que tenha rato na garrafa.

    Cigarro já vendeu até matar o fumante.

    Droga vende, mesmo proibida e mortal porque vicia.

    Luxo vende para ostentação.

    Do jeito que brasileiro é “generoso” ele está se lixando se a sua roupa foi costurada pela escrava boliviana da madrugada

    e os diamantes que possam enfeitar o pescoço da madame ou o anel do deputado deverão, de preferência ter custado muito suor e sangue.

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