Especulação sobre o futuro político da sociedade brasileira, por J. Carlos de Assis

Especulação livre sobre o futuro político da sociedade brasileira

J. Carlos de Assis*

Em 2008, sob o impacto do que parecia ser o grande colapso do capitalismo antecipado por Marx, escrevi em “A Crise da Globalização” que a ruptura de vários paradigmas na ordem econômica e social ocidental implicava uma nova ordem sob novos parâmetros em pelo menos quatro domínios: o da guerra, o da moeda, o da genética e o ambiental. É verdade que cientistas contemporâneos tem dificuldade em visualizar o novo na medida em que seus métodos deterministas os cegam para os fenômenos resultantes de múltiplas interações caóticas. Isso é uma espécie de negação do poder da imaginação.

Analisemos os quatro domínios mencionados acima sob a ótica da mudança de paradigmas. Desde que surgiu na Guerra Fria um rival nuclear dos Estados Unidos mudaram radicalmente os parâmetros da guerra. Na verdade, entre potências atômicas, ela não pode ser travada sob o risco da hecatombe global. Isso não mudou com o fim da Guerra Fria. Embora debilitada no início, a Rússia está se impondo como potência nuclear de primeira linha. Os EUA não podem fazer a guerra contra a Rússia em seu território. Na verdade, seus líderes belicistas querem atrair a Rússia para uma guerra não nuclear em território da Ucrânia.

O segundo domínio, o da moeda, deixou escancarada o caráter extravagante da ordem monetária atual. Em alguns anos, tirando do nada, os EUA empurraram goela abaixo do mundo algo como 3,4 trilhões de dólares na forma do que chamaram de “quantitative easing”. Com esse dinheiro, empresas americanas com acesso direto ou indireto ao FED puderam sair comprando outras empresas pelo mundo com dinheiro a taxa de juros de quase zero por cento. O “ortodoxo” BCE seguiu atrás, abrindo as torneiras para os magnatas do euro. Isso significou (e significa) criar fortunas de um dia para a noite sem relação com a economia real.

O terceiro domínio, da genética, proporciona extravagâncias como a de Angeline extirpando seios, ovários e trompas para se precaver contra doenças genéticas. Pode parecer uma questão de liberdade individual, mas não é. Angeline é uma figura pública que tende a ser imitada. Ela até poderia deixar fazer a operação mas não tinha direito de dar-lhe publicidade. É que milhões de pessoas, querendo imitá-la, poderão pressionar o sistema público de saúde para fazer a operação de graça, levando, no limite, à exaustão financeira do sistema. A genética tem outras aspectos perigosos, como o das experiências de risco não controladas.

Finalmente, o tratamento das questões ambientais no mundo implica outra inevitável mudança de paradigma. Este já parece ser um ponto consensual como demonstrou o recente acordo ambiental entre EUA e China, os dois maiores poluidores, prevendo-se um novo patamar de discussões internacionais na conferência mundial do clima em Paris. Não podemos tratar o meio ambiente da forma que o temos tratado nas últimas décadas, séculos e milênios. A terra e as condições de vida nela estão em risco. Também aqui chegamos a um ponto de inflexão. E não há outra saída a não ser buscarmos paradigmas políticos novos para tratar dessas questões na estrutura dos Estados e tendo em vista a segurança desta e das próximas gerações.

A característica comum desses quatro domínios é que qualquer decisão maior sobre eles resulta irreversível. Portanto, não se prestam ao risco de um demagogo que manipule a democracia em benefício próprio ou de sua seita política. É só imaginar Hitler com a bomba atômica, no caso da guerra. Em razão de tudo o que está em risco, devemos especular livremente, como se fazia na Grécia antiga e no limiar da Idade Moderna, sobre a melhor forma de governo dadas as exigências da atualidade. Isso é fundamental no momento em que se discute a possibilidade de uma Constituinte exclusiva no Brasil.

Examinemos o tema mais a fundo. As raízes da democracia moderna opuseram o absolutismo de Hobbes e Montesquieu à república democrática de Locke e Rousseau. Todos, claro, eram igualmente idealistas embora especulando tendo em vista o mundo real. Uma confusão surgiu desde o início: os clássicos não esclareceram exatamente o que entendiam por liberdade política. A práxis política estabeleceu uma dicotomia verbal entre liberdade com não limite, que resultou em liberalismo econômico e neoliberalismo, e liberdade como prerrogativa cidadã de estabelecer os próprios limites, que resultou em democracia.

O movimento dialético real da História nos empurra ora para o ladro da democracia social, ora para o lado do neoliberalismo. Isso não faria grande mal se um “democrata” ou um libertário com instintos malignos – mais uma vez, pense em Hitler e Mussolini – jamais chegasse ao poder. Mas pode chegar. E o sistema político contemporâneo tem que encontrar um antídoto estrutural de interesse do povo contra isso sob o risco de total subversão da ordem social ou mesmo de uma guerra atômica provocada por um mandatário com instintos suicidas (pense num radical muçulmano com uma bomba adquirida no mercado negro em seu poder simulando o ataque de uma grande potência).

É de novo a História, em sua dialética, que sinaliza uma saída – isso se formos suficientemente sábios para a busca intelectual livre e sua aplicação no mundo real. Podemos ter um sistema republicano que concilie um Presidente com mandato longo, ou mesmo vitalício, com um Governo parlamentar tradicional. Ao Presidente competiriam as questões de guerra, da moeda, de genética e ambiental, ficando os temas da economia corrente (exceto moeda) e administrativos nas mãos do Parlamento. Claro, seria necessário um sistema para a escolha do Presidente que deveria estar acima dos partidos políticos e das querelas partidárias, sendo o Governo escolhido segundo alguma vertente eleitoral tradicional.

 Uma caricatura desse sistema prevalece na Europa na forma de monarquias constitucionais. Acontece que esses monarcas não tem poder. Na hipótese de uma mudança na estrutura do Estado, bastaria que os poderes relacionados acima fossem devolvidos aos reis e rainhas hoje reduzidos a funções protocolares. Claro que, em repúblicas como a nossa, pode-se pensar também em fundação de monarquias constitucionais com as cacterísticas mencionadas, que,  por hipótese, daria maior estabilidade ao Estado. No mundo informatizado, o problema da escolha de um presidente temporário ou vitalício, ou de um rei não existe realmente. E um ponto a favor do rei é que se cuidaria que tenha sucessores dinásticos bem preparados nos quatro temas que assinalei.

*J. Carlos de Assis – Economista, professor, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de mais de vinte livros sobre economia política brasileira, entre os quais “A Razão de Deus”.

Redação

7 Comentários

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  1. Governo Aberto

    Sim, concordo no geral e principalmente em não negar a imaginação. Interessante a relação entre genético e jurídico, no sentido da construção de novos direitos que deverão ser cobertos pelo sistema de saúde. O que me reportou a este trecho de uma monografia: “A questão do casamento gay (e de determinados conjuntos de questões relacionadas ao tema), por exemplo, ao tratar da realização do direito subjetivo e privado de uma minoria social, não poderia ser deliberada a partir de um amplo plebiscito, quando se tem em conta a circunstância de uma maioria alheia àquela realidade poder decidir sobre o seu futuro”.

    Quanto à monarquia, ainda acho que é possível construir um governo republicano que represente a complexa dinâmica Estado-Sociedade. Aliás, a referida monografia é sobre o planejamento público a partir do  paradigma de Governo Aberto, comparando com os modelos de planejamento do Orçamento por Resultados e do Orçamento Participativo. O link é este: http://www.orcamentofederal.gov.br/educacao-orcamentaria/premio-sof-de-monografias/vi-premio-sof-de-monografias/Tema%202%20-%203oL%20-%20Sergio%20Roberto-%2051.pdf

     

     

  2. Presidencialismo ou parlamentarismo não é a questão

    Presidencialismo ou parlamentarismo? O problema está aí?

    Será que mudar a tática de jogo da nação transformará políticos corruptos em pessoas honestas?

    Quando Aécio diz que é contra o Mais Mèdicos, alguém acha que ele realmente se importa com a saúde de pessoas carentes? Sobre essa questão, recomendo a todos os brasileiros o vídeo abaixo. Abraço a todos. 

    https://www.youtube.com/watch?v=8RjX6fCRKCw

  3. Apenas especulando…

    Imagine-se agora que o líder vitalício fosse escolhido na mais tenra infância, e que fosse educado para o respeito à pessoa humana, acostumado à generosidade, à conciliação, à paz… não, esse líder não seria bom para os negócios: se não fosse pelo estímulo às aflições humanas, o consumismo não estaria tão disseminado. A paz não interessa a quem quer vender. A guerra propicia prosperidade aos EUA. Imaginação por imaginação talvez a solução fosse a descentralização geral: descentralização de poderes políticos e econômicos, pessoas recusando-se a organizarem-se em torno de corporações agigantadas, repudiando as “redes globos” e as monsantos da vida, conhecendo pessoalmente cada um de seus representantes políticos… sendo, elas próprias, representantes políticas de si mesmas. Nada de glamour, de fantásticos grandes líderes (“Senhores, em pé: vai falar o presidente dos (tcham, tcham, tcham!) dos Estados Unidos da América!”), recusando-se, afinal, a adotarem uniformes, de pano ou de alma. Os chineses de Mao usavam todos o mesmo terninho sem gola; todos nós usamos calças de brim. Descentralizar, aproveitar o advento da Internet. Democraticamente.

    1. A isso, alguns chamaram de

      A isso, alguns chamaram de comunismo, outros foram além e propuseram o Anarquismo e foram tomados por governos totalitaristas. 

  4. Se depender dos macacos da

    Se depender dos macacos da bunda branca do PSDB o Brasil não tem futuro. Ele só terá passado. Neste momento os índios da tribo tucana estão aceitando bugigangas dos colonos brancos do Hemisfério Norte para entregar a eles o pau-brasil enterrado no fundo do litoral de Pindorama. Voltamos a 1500. A riqueza será levada embora. A colônia ficará cheia de gente imunda, miserável e sem sua própria identidade histórica e social. 

     

  5. Argumentações teóricas…………….

    Quantas argumentações teóricas, mas na pratica o que conta é o vil metal !!!!

    O que de fato governa o mundo, desde que o inventaram foi este metal, e que bem sabemos em que mãos estão.

    O que defato agora governa as nações, são as Corporações, cujos orçamentos são elaborados por elas, com os interesses intrinsícos dos corruptos e corruptores !!!

    Nada mais que isto. No mais, somos apenas marionetes com  pretensões de argumentações teóricas sobre democracias!!!!!!!!

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