Estado paralelo
por Jorge Alexandre Neves
Em vários artigos meus aqui do GGN, tenho falado do livro de Franz Neumann intitulado “Behmoth: the structure and practice of national socialism”. Neste artigo, mais uma vez, farei referência a ele. Este livro, de 1942, começa com um capítulo sobre o colapso da República de Weimar. Nele, Neumann mostra como a burocracia do Estado alemão – em particular do sistema de justiça – contribuiu sobremaneira para a destruição do estado democrático de direito (algo que, como é bem conhecido, foi previsto por Max Weber em “Parlamentarismo e Governo numa Alemanha Reconstruída”). Falando especificamente dos juízes, Neumann afirma que tiveram seu poder “fortalecido ano após ano” (p. 27) e que esse poder “cresceu às custas do poder parlamentar” (p. 29). Neumann mostra como Hitler e suas milícias montaram seus bivaques no terreno preparado pelo sistema de justiça.
Agora, vem o jornal o Estado de São Paulo afirmar que o presidente Bolsonaro está estabelecendo um Estado paralelo, no Brasil (1). Este periódico deveria mudar seu nome para “Jornal Barrichello”. Nosso caso é extremamente semelhante ao ocorrido na destruição da República de Weimar, na Alemanha. Aqui como lá, os fascistas estão montando seus bivaques em um terreno preparado pelo sistema de justiça. O estamento jurídico formou as bases do estado de exceção no qual o presidente Bolsonaro, suas milícias e seus ministros militares estão construindo o que pode a vir se tornar um estado totalitário. É óbvio que o presidente está ampliando para órgãos de Estado da esfera da União – como a Polícia Federal e até o Ministério Público – o seu sistema particular de inteligência e segurança. Porém, tirante a escala, em que isso é diferente do sistema particular de segurança, inteligência e poder jurisdicional que o então magistrado Sérgio Moro e a força tarefa da lava jato montaram em Curitiba? (2) Para estes, o Estado de São Paulo sempre reservou efusivos aplausos!
O que estamos vivendo já há alguns bons anos, no Brasil, é um aprofundamento de práticas patrimonialistas. Os estudiosos do patrimonialismo, no Brasil, fizeram sempre uma análise muito ingênua sobre a burocracia. Ademais, a literatura brasileira sobre o assunto parou, fundamentalmente, na década de 1980. Autores como Ivan Emarkoff têm desenvolvido novas e profícuas análises sobre o neopatrimonialismo como um fenômeno universal. Em seu artigo intitulado “Patrimony and Collective Capacity: An Analytical Outline” (3), ele desenvolve a análise deste problema ao demonstrar (algo que não foi claramente percebido por Max Weber) que burocracias modernas são frequentemente “contaminadas” por práticas patrimonialistas, sendo a mais comum das contaminações o uso de posições organizacionais (offices and positions) para benefício pessoal, de um grupo restrito ou de uma corporação. Emarkoff também demonstra que o poder patrimonialista que emana dessas práticas, muitas vezes, leva ao fortalecimento da capacidade de ação coletiva dos grupos ou corporações que buscam se beneficiar ou se empoderar. Na esfera pública, a única vacina para isso é a democracia e o respeito às leis. Duas coisas sobre as quais a lava jato passou por cima como um trator sob elogios e aplausos de veículos de mídia como o Estado de São Paulo.
2. Tentaram até abocanhar um ou dois bilhões de dólares da Petrobrás para financiar seu Estado paralelo.
3. https://www.jstor.org/stable/41328558.
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